domingo, março 18, 2012

São João no cancioneiro

Apesar de toda a força renovadora do progresso que, indiferente, vai matando o tradicional para implantar coisas novas, atualizadas, os festejos de São João continuam, ainda encontram lugar nas cidades. Procurando transplantar para o asfalto as ingênuas comemorações roceiras nas quais o profano e o religioso se misturam, os citadinos as revivem todos os anos numa constância terna e grata.

E de par com as representações, os compositores populares dão também sua contribuição com canções que se juntam aos refrãos originados nas várias lendas ligadas ao nascimento do Baptista. Algumas têm voga rápida que não ultrapassa o curso de junho sendo logo esquecidas. Outras voltam todos os anos embora sem o alarde de seu lançamento, mas numa recordação que positiva seu agrado, marca seu êxito.

As canções tradicionais e imperecíveis

Nascidas das interpretações fantasiosas do nascimento do filho de Zacarias e Isabel que formaram o lendário e místico, várias quadrinhas tornaram-se em canções. Deram-lhes musiquinhas primárias, facílima, e elas vieram bem de longe até aos nossos dias: “Capelinha de melão/ É de São João./ É de cravos, é de rosas,/ E de manjericão.” Depois, como sempre acontece, apareceram as variantes: "Capelinha, capelinha / É de São João./ É de ouro, é de prata,/ É de manjericão.

Muitas outras, sempre na constante da capelinha e do manjericão, este último favorecendo a rima intuitiva e desejada, surgiram e são encontradas nos registros dos folcloristas. Não foi esquecido, também, que o sono longo privou o precursor de festejar o seu dia e, então, afora o espoucar dos foguetes para despertá-lo, imaginou-se outra cançãozinha na mesma infantilidade de suas congêneres: “São João está dormindo,/ Não acorda, não,/ Dê-lhe cravos e rosas/ E manjericão.

As sortes e as crendices entram no cancioneiro

Festejos que, como já ficou dito, baralharam o essencialmente religioso e o profano, eles permitiam igualmente o surgimento de um punhado de crendices ainda cultivadas como simples brinquedo ou na esperança mesmo de seus possíveis efeitos. Todas, ou quase todas, bastante conhecidas, tornam dispensável sua especificação já que até nas comemorações citadinas permanece a prática das mesmas.

Tais sortes, crenças ou presságios incorporaram-se, como seria óbvio, aos cantares juninos e deles é bem representativo o que aqui se mostra: “Ó meu São João/ Eu vou me lavar./ Se eu cair no rio/ Mandai-me tirar.” Em versinhos simples, espontâneos, aparece clara a confiança no milagre que o santo pode realizar atendendo a quem o pede.

Compositores da cidade incorporam-se aos festejos

Sugerindo novas canções, algumas valendo-se dos aspectos folclóricos dos festejos, outras apenas relacionando-se a eles, os compositores da cidade buscaram nas comemorações de São João motivos vários para suas músicas. E os mais expressivos dentre eles: Lamartine Babo, Getúlio Marinho, Assis Valente, Herivelto Martins, José Maria de Abreu, Oswaldo Santiago, Alcyr Pires Vermelho e outros, incorporaram seus nomes ao cancioneiro que alegra os folguedos em louvor do popularíssimo santo.

Não ficou ausente o famoso Noel Rosa, e também ele, recordando tristemente uma alegre noite de 23 de junho, fez um de seus mais bofitos sambas dizendo: “Nosso amor,/ Que eu não esqueço,/ E que teve o seu começo/ Numa festa de São João,/ Morre hoje sem foguete,/ Sem retrato e sem bilhete,/ Sem luar e sem violão...“. O compositor punha em ritmo dolente, o relato de uma aventura amorosa ocorrida em ambiente festivo propiciado por uma comemoração junina e que findava de maneira total, até mesmo sem o luar poético.

Perdem intensidade os festejos de São João

Perdurando, ensejando ainda grande número de festas onde a fogueira (que a lenda conta haver sido o anúncio do nascimento do filho de Isabel) se faz imprescindível o foguetório espoucante tem o fito de despertar João, as comemorações do precursor do Messias vão perdendo a intensidade de outrora. As agremiações, mesmo as carnavalescas, não ousam repetir hoje a profanação de sua congênere, a dos Zuavos, já desaparecida, que na noite de 23-6-1912 convidava seus associados para um “são jonático e maxixático baile” em sua sede na Rua Maranguape nº 34. As poucas que comemoravam a efeméride, valiam-se da data para a promoção das noitadas em arraiais que improvisam em seus salões e nas quais os participantes se apresentavam em trajes à caipira.

Tudo, como acertadamente disse Mariza Lyra, numa macaqueação (Dicionário Folclórico do Distrito Federal) sem a pureza das autênticas festas da roça. Isso com o alheamento das promoções festivas oficiais e oficiosas que eram levadas a efeito no Campo de Santana, na Quinta da Boa Vista e outros locais reconhecidamente propícios. Nem mesmo certos anúncios sedutores, que na época as companhias de navegação publicavam no Jornal do Commercio, oferecendo à colônia lusa passagens para assistir às festas de São João de Braga ao preço de 40 mil réis (hoje quarenta cruzeiros) agora são encontrados.

E, na corrida comercial, sempre ávida e disposta a aproveitar qualquer evento ou comemoração, compositores menores, fabricam musiquinhas, produzem canções tolas, favorecidas pela rima primária que São João lhes aponta.

(O Jornal, 23/6/1963)
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Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.

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