quinta-feira, abril 19, 2012

Pérez Prado, o rei do Mambo

Pérez Prado (Dámaso Pérez Prado) nasceu em Matanzas, Cuba, em 11 de dezembro de 1916. Ali estudou piano, composição e arranjo, trabalhando como pianista nas orquestras locais. Em 1941, se transferiu para Havana onde interpretou “Cubaney de Pilderó” e "Pennsylvania de la playa", nos cabarés Kursaal, perto do porto na cidade antiga.

Em 1943, como pianista e arranjador da orquestra Casino de La Playa, começou a incorporar um estilo próprio, produto de experimentos com elementos do jazz, ritmos e melodias cubanas.

Pouco depois, aproximadamente em 1945, formou seu primeiro grupo que se chamou “Conjunto Pérez Prado”, gravando alguns discos para a gravadora RCA Victor sem maior sucesso excetuando “El tumbaíto” (Faustino Miró e Pepe Delgado), uma guaracha, interpretada pela cantora porto-riquenha Myrta Silva. No lado B do disco a mesma interpreta “Aqui Estoy” e esse 78 rpm pode bem ser considerado o primeiro em sua vasta discografia. Durante esse período trabalhou como arranjador para outros compositores. Em Caracas, Venezuela, segundo fontes, trabalhou para a lendária orquestra caraquenha de Alfonso Larrain.

Elaborando o mambo com os elementos básicos conhecidos na atualidade, apresentou esse projeto para a gravadora RCA Victor, não obtendo êxito. Otimista, viajou ao México aconselhado por Francisco “Kiko” Mendive, chegando ao Distrito Federal mexicano em 1946.  Nesse país se fez como arranjador e pianista de várias orquestras locais. Teve o apoio de Kiko, Ninón Sevilla, vedete e atriz cubana, que tinha a América hispânica encantada com suas danças em filmes mexicanos, e Clemente “Chicho” Piquero, o ás do bongô, que conseguiu um visto para Prado permanecer no país asteca. O quarteto de cubanos fez sucesso com o passar do tempo...

Em 1948, o mambo no México começou a tomar gosto no público. Pérez Prado fez com Joaquin Pardavé o filme “Del Can-Can al Mambo”, onde atuaram também Abel Salazar e Pedro Vargas cantando. Aqui ele nos presenteou com: “¡Qué rico el Mambo”, “Mambo Latino”, “La chula linda”, “Mambo Baklán”, “Muchachita” e “Mambo en Sax”. No filme “O pecado de ser pobre”, Bobby Capó gravou pela primeira vez um mambo. Chicho Piquero com seu bongô impõe ritmo no mambo “Caballo negro”. Prado também atuou no Teatro Margo quase diariamente, alternando com Luis Arcaraz.

Em 1949 fez arranjos para o filme “Perdida” em que Agustín Lara, Ninón Sevilla e o toureiro Antonio Velázquez, formaram o triângulo amoroso básico do drama. Ninón dublou a voz de Rita Montaner e Pérez Prado fez solos de piano, participando também Pedro Vargas, Los Panchos com Hernando Avilés que cantou a canção-tema desse filme.  Cooperou também, nessa ocasião, na fita “Aventurera”.

É também o ano em que o mambo cruza as fronteiras mexicanas com o 78 rpm “Qué rico Mambo” e “Mambo nº 5”. O mundo começa a escutar e dançar o mambo. As Dollly Sisters, duas irmãs cubanas, se transformam nas primeiras “mamboletas”.  Prado divide o mambo em dois tipos: “Mambo Kaém”, quando lento e melódico (“La chula linda” é um exemplo), e “Mambo Batiri” quando rápido e rítmico (“Martinica” e Batiri RCA”, os são).

Em 1950 atuou no filme “Ao Som do Mambo”, com Adalberto Martínez “Resortes”, Rita Montaner e as Dolly Sisters (irmãs Vásquez). Logo a seguir fez “Dancing” (Salão de baile) com Fernando Fernández cantando com a banda e Gonzalo Curiel com sua orquestra. Em “Vítimas do pecado” (1953), Ninón, Rita Montaner e o próprio Prado roubam o espetáculo.

As primeiras gravações de Pérez Prado para a RCA Victor mexicana ele as fez em 1948 com piano e ritmos somente nas composições “El manicero” e “Tacuba”, seguidas de “José” e “Macome”, já como Kaém. Ao largo de sua frutífera carreira desenvolveu outros subgêneros como “La Chunga”, “El Suby”, “El Taconazo”, até chegar aos anos 1960 com “El Dengue”, que o ajudou a permanecer no estrelato.

Polêmica foi sua carreira, mas não sua vida privada, muito correta por certo. Um dos debates é pela nacionalidade do mambo: enquanto os cubanos acreditam ser um ritmo cubano básico em sua invenção e ser Prado natural da ilha, os mexicanos afirmam que Cuba não lhe deu oportunidades e foi no México que ele formou sua banda, gravou seus discos, produziu em filmes e abriu todas as portas possíveis para a divulgação desse gênero musical.

Por outro lado "los gringos" reclamam que o mambo é uma progressão do jazz. Todos têm razão: cubanos, mexicanos e americanos. Por isso o negrinho feio, mas genial compôs e interpretou “O Mambo é Universal”.

O “Rei do Mambo” faleceu na cidade do México, Distrito Federal, em 14 de setembro de 1989.

Playlist - Alguns "êxitos" de Pérez Prado



Fonte: FRANCISCO GUTIÉRREZ BARRETO - Autor del libro “Best Seller” ¡Qué le pasa a Lupita!...No sé. Managua, NICARAGUA 15 DE Mayo, 1999.

Mauro, o peru dos pés frios

Mauro de Almeida
Embora Chantecler (Eugênio Costa), cronista carnavalesco do Diário Carioca, tenha contado que o apelido de Mauro de Almeida adveio do fato de ter ele feito um peru dançar em cima de uma chapa de ferro quente, isto foi apenas blague. A verdadeira origem de sua alcunha relatou-a o próprio numa entrevista a A Noite, obtida por Everaldo de Barros: “... O meu colega Antônio querendo afastar-me de Rosinha cujo amor era disputado por nós dois, disse: Olha este peru dos pés frios aqui perto da gente!”. Nesse momento, sim, foi que nasceu o vulgo depois consagrado.

Desde então, graças à divulgação chistosa feita pelos semanários O Rio Nu e O Coió, em 1914, no jornalismo, no teatro e, principalmente, no Carnaval, seu nome sério, da certidão civil, desapareceu. Quando a ele se dirigiam ou faziam referência, chamavam-no sem cerimônia Peru dos Pés Frios, optando, no entanto, algumas vezes, pela junção ‘Mauro, o Peru’. Boêmio, figura assídua do Café Suíço, do Café Teixeira e dos salões dos Democráticos, Fenianos e Tenentes, entre seus companheiros de imprensa, de palcos e de lides momescas, jamais tentou coibir ou impedir o apelido.

Da tipografia vem mais um ‘foca’

A exemplo de Machado de Assis e de muitos outros homens célebres, Mauro de Almeida saiu de uma tipografia (Casa Montealverne) para ingressar no jornalismo. Começou, em 1910, como ‘foca’ na redação de a Folha do Dia da qual era diretor Joaquim Pereira Teixeira. Muito embora o aprendizado tenha sido feito nesse órgão, ele proclamava sempre como seus mestres Candido de Campos e Vitorino de Oliveira. Pois foi, asseverava, sob a orientação de ambos que se projetou como o grande repórter da imprensa carioca.

Ágil, entrando no jornalismo quando o noticiário saía de sua placidez para a movimentação arrojada, Mauro de Almeida, em meio de uma turma famosa (Rocha Pombo, Paulo Cleto, Bernardino, Eustáquio Alves, Castelar de Carvalho, Mota Coqueiro e outros), foi um de seus integrantes. Ao invés da quietude das mesas das redações ia colher o fato in loco, sentindo-o, transmitindo-o, portanto, na vibração capaz de impressionar verdadeiramente o leitor. Coisa que fazia como resultante de seu feitio boêmio, aventuroso, avesso à rotina do burguesismo cômodo e sem riscos.

Jornalista e, principalmente, carnavalesco

Notívago, vivendo à época das madrugadas ruidosas em que se encontravam literatos, artistas e a gente dos jornais para a costumeira visita aos cabarés e aos clubes carnavalescos, Mauro acabou sendo o mais constante dessas reuniões. Os bailes dos ‘carapicus’ (Democráticos), dos ‘baetas’ (Tenentes), dos ‘gatos’ (Fenianos), assim como dos Zuavos, dos Políticos e outros clubes, tinham sempre sua presença. Participava sem cansaço do maxixe rebolativo e, nas ocasiões solenes, deitava o verbo inflamado com a taça espumante de champanha em punho.

Depois, já muito ligado ao ‘castelo’ (nome que tem a sede do Clube dos Democráticos), onde contava grandes amigos como Morcego (Norberto Amaral), Duarte Félix, Raul Goulart e mais alguns, ‘defendia’ os carros de crítica dessa agremiação nos desfiles tradicionais do Carnaval. Participação que não se tornava exclusiva, pois, quando o Barros e o Barãozinho dos Tenentes ou o Cavanellas e o Bouvier dos Fenianos o chamavam para escrever os puffs, tinham prontamente sua colaboração. Tudo feito graciosamente, no prazer da farra carnavalesca.

Um mineiro compra um bonde

De espírito folgazão, sempre disposto ao chiste, à irreverência, transmitia esse seu feitio nas palestras e nos seus escritos jornalísticos. Jamais perdia oportunidade para um gracejo, para uma tirada de sabor humorístico. Assim, quando o secretário do Diário Carioca lhe pediu uma matéria para determinada página, encontrou-a facilmente ao chegar na janela. Vendo defronte ao jornal certo sujeito que falava ao condutor apontando para o bonde com visível interesse, ‘bolou’ a reportagem salvadora.

No dia seguinte, posta em lugar de destaque, com título vistoso e foto em três colunas, aparecia a notícia “O Mineiro Comprou o Bonde”. Seguia-se, muito bem imaginado e corroborado pelo convincente flagrante da transação, o relato da inusitada operação comercial que, até hoje, desagradando a gente das alterosas ainda tem curso como coisa verídica. Resultado de brincadeira de um repórter carecente de assunto e que se acostumara às brincadeiras carnavalescas onde as cometia no próprio do ambiente folgazão e de perene alegria.

Carnavalesco morre pobre, mas alegre


Aos 75 anos de idade, pobre, morando no longínquo subúrbio de Realengo em casa tão pequena quanto modesta, presa de grave enfermidade Mauro de Almeida, o famoso Peru dos Pés Frios, encerrou sua existência. Depois de uma vida intensa na qual, além do jornalismo, foi também ator teatral, tendo trabalhado por pouco tempo e sem constância em várias companhias, ao lado de Ismêmia dos Santos, Conchita de Moraes e outros valores da época, morreu tranqüilo, conservando ainda seu bom humor.

Quando ali o foram entrevistar já em seus últimos dias, ainda o encontraram lúcido, permitindo-se a piadas: “sento-me aqui na porta para a megera da foice não ter o trabalho de me procurar lá dentro”. Não deu ao colega uma reportagem triste, chorosa, mas muitas colunas de uma conversa fluente. Falou de sua amizade com a saudosa Irmã Paula, de quem foi uma espécie de agente de relações públicas, e de seu orgulho em ser ‘bombeiro honorário’ por ato do comandante Oliveira Lírio. Confortou, ainda, sua dedicada esposa Dorinha dizendo-lhe não ter preocupações pois que ele como autêntico ‘peru’ não morreria na véspera. De fato, morreu dias após o Carnaval.

(O Jornal, 23/02/63)

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

K. Noa, folião e carnavalesco

Antônio Velloso, o K. Noa
De fato, o Antônio Velloso dançava mal. Talvez um pouco melhor do que o Bicanca (Jayme Corrêa), seu confrade e funcionário da Polícia Civil que o compositor Careca (Luís Nunes Sampaio) popularizou em cantadíssima marchinha do Carnaval de 1921. Seu apelido de K. Noa, entretanto, foi sugerido quando ele se exibia nos volteios de uma valsa, daquelas bem langorosas e vulgarmente classificadas de ‘para piano’, e nunca mais dele se despegou. Ficou sendo, até no discurso que proferiram à beira de seu túmulo pobre, de boêmio, o simples K. Noa.

Aceitando com bom humor, sem ‘queimação’ a alcunha, tornou-a depois em pseudônimo jornalístico como cronista carnavalesco e desportivo. Firmava seus escritos com ela, grafando-a à maneira exótica e trocadilhesca então em voga entre os que na imprensa tinham o encargo da ‘cobertura’ (como hoje se diz) dos acontecimentos momísticos. O mesmo acontecia nos relatos dos jogos de futebol, a que comparecia para assistir às pelejas travadas entre os famosos Fluminense, Flamengo, Botafogo, ainda existentes, ou Mangueira, Palmeiras e outros já desaparecidos.

No princípio o aprendiz, o ‘foca’

Em 1916 ou 18, pois ele mesmo não sabia o certo, Antônio Velloso iniciava-se no jornalismo tendo como mestre K. K. Reco (Norberto Bittencourt), encarregado das seções esportiva e carnavalesca de A Época. Nesse matutino, com redação e oficina instaladas na rua do Rosário, começou, levado pelo seu chefe, folião de quatro costados, promotor de estrondosas batalhas de confete, a freqüentar os redutos momescos. Dividia, assim, sua atividade de ‘foca’ entre a mesa de trabalho, os campos de prática do association (como se dizia) e os salões das sociedades recreativas.

Nestas últimas, principalmente as carnavalescas, até hoje divididas em ‘grandes’ (que fazem carros alegóricos) e ‘pequenas’ (ranchos e blocos), Antônio Velloso, depois K. Noa, sentia-se à vontade. Boêmio, bebedor de cerveja, fumando sempre um grosso charuto, era mais do que empertigado e cerimonioso jornalista. Despia-se de tal condição para ser um participante animado dos bailes e ‘bródios’ nelas levados a efeito seguidamente nas proximidades do reinado de Momo. Numa só noite, com fôlego e entusiasmo raros, visitava cinco a dez dessas agremiações.

Da dança veio o apelido

Foi justamente numa dessas festas carnavalescas, realizada na Kananga do Japão, no Lírio do Aragão, nos Fenianos de Cascadura, ou no Iáiá Formosa (ele não recordava qual), que nasceu o seu apelido. Como era de praxe, dedicava-se uma dança aos cronistas presentes e todos eles, escolhendo as ‘rainhas’ dos grêmios ou as moças mais bonitas, faziam sua apresentação coreográfica. Dançando sem elegância, tombado como um frágil barco impelido pelo vento, sugeriu a comparação. E um dos colegas, irreverente, apontou-o: “Olha o Velloso! Parece uma canoa!” Desde aí nunca mais o chamaram de outro modo.

Aceitando entre risotas o cognome, passou a adotá-lo dando-lhe a forma gráfica correntia na crônica carnavalesca, onde, além de seu mestre K. K. Reco, havia K. Peta, o K. Rapeta, o K. Zinho e outros ‘Kás’. Pouco depois, desaparecia em definitivo o nome que lhe haviam dado na pia batismal e ele ficou sendo apenas o K. Noa. Até mesmo na Alemanha, onde esteve acompanhando a delegação esportiva do Brasil às olimpíadas ali realizadas, o apelido prevaleceu. Nas recepções, mesmo as solenes, chamavam-no respeitosamente Herr K. Noa.

Folião e incentivador do Carnaval

Jornalista de assuntos carnavalescos, tendo exercido tal mister em A Época, A Pátria, A Manhã, Diário de Notícias, Diário da Noite, Correio da Noite e, por fim, O Dia, era um verdadeiro animador de nossa festa máxima. Promoveu diversas competições, dentre as quais o ‘Dia dos Blocos’ que se efetuava no domingo anterior ao do Carnaval e tinha a participação de grande número de concorrentes, sobressaindo-se dentre eles os famosos Caçadores de Veado e Eles te Dão. Organizou também, paralelo ao tradicional certame do Jornal do Brasil, disputas entre os ranchos sob o patrocínio de A Pátria, quando ali trabalhou.

Afora o incentivo que fazia pelas colunas dos jornais onde militava, era, ainda, participante de ‘sujo’ (grupos improvisados) quando então o víamos na saudosa Galeria Cruzeiro, de cara pintada, dando trote nos amigos. Ao tempo de integrante da redação do Diário da Noite, na rua 13 de Maio, puxava o cordão que dali saía no sábado de Carnaval chefiado pelo diretor daquele vespertino, Mário Magalhães, iniciando a festança momesca. Metido numa velha fantasia de morcego, K. Noa, à frente, era dos mais endiabrados.

Mais uma vez a ‘cigarra’ do La Fontaine

Falando-se ou escrevendo-se sobre um carnavalesco e boêmio, há de se recorrer, embora que cediço ou chavão, ao símbolo da ‘cigarra’ do poeta João, o de La Fontaine. Também o K. Noa cantou, dançou, folgou nas farras de Momo sem amealhar o seu ‘algum’ para o fim da vida. Ajudou a alegrar a cidade incentivando sua gente para as festanças do rotundo ‘rei’, hoje personificado por um perito fazedor de quibes, e morreu pobre, tristemente, num asilo destinado aos que estão na indigência.

Levaram-no a uma cova rasa, das bem humildes, e lá, ao descer o seu corpo inerme, sem aquela agitação que o caracterizava nas noitadas de boemia esvaziando garrafas de ‘fidalga’ e de ‘hanseática’, foram ainda os carnavalescos que lhe disseram adeus. Os que discursaram, chorando, exaltando os seus dotes, que ele os tinha bastante, chamaram-no sempre e simplesmente de K. Noa. Prevalecia ainda o apelido ganho no Carnaval, onde, denodado, sem ambições, defendeu galhardamente a tradição dos ‘kás’ no jornalismo momesco.

(O Jornal, 10/02/63)

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

Camarão, o mestre-sala

Com sua roupagem vistosa, o mestre-sala "Camarão" se exibe com a sobrinha Alice de Sousa, no rancho "Unidos do Cunha", do bairro de Catumbi (Carnaval de 1958).
Já com 62 anos, Camarão ainda saía como mestre-sala defendendo a tradição dos ranchos e de seu apelido no Carnaval carioca. Sem se deixar vencer pela idade, fazendo alarde de sua categoria que durante seis anos consecutivos (1927-1932) lhe permitiu ser escolhido como ‘o melhor mestre-sala’, mostrava-se com garbo e destreza. Exibia-se com porta-estandartes jovens e bonitas fazendo evoluções coreográficas as mais requintadas, nas quais havia um misto de acrobacia e ademanes fidalgas.

Seu nome João Pereira Subtil, substituído pela alcunha herdada de seu pai Álvaro Pereira Subtil, também conhecido como Camarão, poucos o sabiam. Prevalecia sempre a antonomásia fácil trazida desde quando garoto, aos 16 anos, saíra de caboclo, juntamente com o genitor (exímio pandeirista) no Cordão Flor da Primavera. Pouco depois, ingressando no rancho Arrepiados, do bairro de Laranjeiras, e fazendo sua estréia como mestre-sala, já estava, em definitivo, apelidado "o Camarão".

Todo apelido tem uma história

Apelido algum nasce sem uma história, ao acaso. O de Álvaro Pereira Subtil, operário da Fábrica de Tecidos Aliança, que existia na rua General Glicério nº 69, resultou de ser ele muito corado, ‘vermelho’. Assim, quando seu filho foi trabalhar na referida indústria todos o designavam: ‘o filho do Camarão’ ou, com intimidade, ‘Camarãozinho’. Levando-o para o cordão carnavalesco, onde o iniciou nos folguedos momísticos, ninguém mais o chamava pelo nome de batismo, João, optando invariavelmente pela alcunha paterna.

No rancho Arrepiados, que disputava com o seu congênere Unido da Aliança, ambos constituídos por empregados da referida fábrica, a liderança carnavalesca do bairro, todos o chamavam Camarão. A alcunha o identificava de maneira precisa em meio dos outros mestres-salas (Teodoro, João Paiva, Olympio, Gastão, etc.) contra os quais se defrontava na Avenida Rio Branco em competições promovidas pelo Jornal do Brasil. Por fim, vitorioso muitas vezes, dela já se orgulhava e proclamava mesmo os seus foros de tradição.

Camarões formam uma dinastia

Diz o ditério popular que ‘filho de peixe é peixinho’, logo, por extensão, o do crustáceo camarão deveria obedecer à regra. Se o tecelão Álvaro Pereira Subtil levou para o Carnaval seu apelido da fábrica e o transmitiu ao filho João, este, mais tarde, passou-o a um de seus alunos de nome Antônio, dando-lhe o diminutivo da descendência. Criou-se, assim, nos ranchos do Carnaval carioca a dinastia dos Camarões com quatro representantes, pois o mano de João, o Waldemar, também mestre-sala, ganhou igualmente a alcunha de Camarão.

Desaparecidos, primeiro, o velho Álvaro e agora, em 1962, o João, a dinastia ainda não encerrou seu ciclo. O Camarãozinho (o de nome Antônio), ligado aos ranchos de Catumbi e da estação de Quintino Bocaiúva, defende o apelido tradicional. Faz perpetuar-se ao mesmo tempo a autenticidade dos mestres-salas dos ranchos, no genérico chamado ‘balizas’, e que tiveram como expoentes Hilário Jovino Ferreira, Getúlio Marinho (Amor), Maria Adamastor e poucos outros.

Camarão seis vezes o melhor

No apogeu dos ranchos, quando na segunda-feira de Carnaval convergiam para a Avenida Rio Branco as mais famosas agremiações desse gênero, o Arrepiados era uma delas. Apresentando sempre cortejos faustosos, como (para simples exemplo) o fez em 1920 como subordinado ao enredo Jardim do Amor, o mestre-sala era o Camarão. Ufanoso, na elegância de atitudes coreográficas que se fazia mister, arrancava palmas calorosas, empolgava a multidão, contribuía para o êxito de seu grêmio na competição incentivada pelo Jornal do Brasil.

Graças ao garbo de suas exibições em tão renhidas disputas, João Pereira Subtil, o popular Camarão, conseguiu ser eleito seis vezes consecutivas ‘o melhor mestre-sala’. Instituído pelo citado matutino num concurso para que seus leitores apontassem o merecedor de tal qualificação, venceu-o, de 1927 a 1932, seguidamente, o do Arrepiados, o popular Camarão. Somando muitos milhares de votos (45.503 em 1932) o mestre-sala do rancho de Laranjeiras tornava-se imbatível e recebeu até um apelo do cronista carnavalesco Picareta para que não mais se candidatasse.

Camarão também não pode parar

Soldado do Momo, iniciado desde menino nas folganças dos cordões e dos ranchos, Camarão jamais se intimidou com a velhice. Com quase cinqüenta anos de militância carnavalesca, ainda não se decidira a encerrar sua carreira de folião. Formava com Teodoro e Olympio a ’trinca veterana’ dos mestres-salas ainda presente no Carnaval carioca. Vinham, ainda, até o ano findo, integrando os cortejos do Decididos de Quintino, do Unidos do Cunha, do Aliados de Quintino, do Tomara que Chova, do União dos Caçadores e alguns poucos mais.

Sua irmã Beatriz e seu sobrinho Nelson, orgulhosos dos triunfos do mano e do tio, recordam suas vitórias, suas fantasias riquíssimas “bordadas pelas órfãs do Asilo São Cornélio” da Rua do Catete. Falam também com saudade do tempo que Laranjeiras vibrava no Carnaval com as acirradas ‘guerras’ entre os ranchos Arrepiados e União da Aliança, cada um deles avocando a liderança do bairro. E, em meio da rivalidade, ela, Beatriz, dava os últimos arremates nas vistosas capas do mano Camarão para que o mestre-sala jamais deixasse de ser ‘o melhor’.

(O Jornal, 03/02/63)

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.