quarta-feira, junho 19, 2013

Abigail, a índia que venceu em Nova York


Abigail Parecis, jovem cantora brasileira que triunfou em Nova York, conquistando a admiração do público “yankee”, como intérprete da música típica nacional, tem uma carreira artística tão brilhante quanto curiosa. 


Índia, nascida na aldeia de uma tribo semi-civilizada dos Parecis, no Oeste do Paraná, revelou desde a infância acentuado pendor pela música, cantando admiravelmente melopéias selvagens a que infundia colorido estranho.

A cantora Pepa Delgado, que foi, outrora, um nome em evidência nos círculos de arte do país, atraiu para a civilização a pequena índia, que, então, se chamava Yara, e sua mãe, Arajuayara, levando-as ambas para Curitiba. Mudou-lhe o nome para Abigail, educou-a carinhosamente, ensinou-lhe um punhado de lindas canções e a fez, finalmente, iniciar a carreira teatral.

Mais tarde, Abigail Parecis aperfeiçoou os estudos musicais com o maestro italiano Filippo Alessio, diretor da Escola Nacional de Canto e de Arte Cômica, que a adotou como filha. O maestro Alessio, que foi o mestre de muitos artistas que hoje gozam de largo renome e que há dezessete anos vive no nosso país, difundindo o “bel canto”, encontrou na jovem índia todas as qualidades necessárias para plasmar uma grande artista.

Em pouco, a filha das selvas paranaenses se tornava soprano de mérito, enfrentando o repertório lírico com brilho e desembaraço. Depois de uma série de êxitos artísticos nos palcos paulistas, a artista resolveu empreender, em companhia de seu mestre e pai adotivo, uma “tournée” aos Estados Unidos, onde impôs ao mesmo tempo o seu nome de artista e o prestígio da nossa música.

Não foi sem grandes dificuldades que a apreciada artista patrícia conseguiu vencer em Nova York. A música brasileira não encontrava acolhida. Para se fazer ouvir teve que interpretar o "Coração indeciso", de Nepomuceno, com letra em castelhano, como se fosse música espanhola. Agradou em cheio e, então, revelou o subterfúgio de que se valera, convencendo os críticos nova-iorquinos de que a nossa música era digna de figurar nos programas de concerto nos salões e estúdios de rádio.

Estreou, dias depois, no Roerich Museum, com um concerto que lhe valeu esplêndidos elogios da crítica musical, recebendo a alcunha de "Brasilian wightingale” (rouxinol brasileiro). No Metropolitan Opera House, deu uma audição em que, além do programa de músicas brasileiras, constituído por composições de Nepomuceno, Hekel Tavares, Catullo, Mignone e Jayme Redondo, executou também vários trechos líricos, inclusive o famoso dueto do "Guarany", com a colaboração de Lenatelli, o notável tenor italiano.

Falbo, o mais severo crítico da grande cidade americana, entusiasmou-se com o talento artístico de Abigail Parecis. “A artista brasileira, — escreveu, — possui dons excepcionais. Ouvimo-la na ópera dramática, com o vigor e a expressão de uma artista consumada. Na ópera ligeira evidenciou delicadeza de nuance e sutileza de colorido extraordinárias. E na canção popular é uma artista diferente, com uma voz cheia de encanto e de emoção”. E assim terminava: “Não perdi minha noite”.

Abigail Parecis tornou-se, assim, vitoriosa em Nova York, a imensa cidade onde entrou cheia de medo e apreensões, atordoada pelo barulho dos subways, deslumbrada pela perspectiva monumental dos skyscrappers...
Animava-a o desejo de elevar o nome de seu país, pela divulgação daquilo que ele tem mais de belo: a sua música incomparável. E conseguiu, com êxito, a realização desse patriótico desígnio.

Contratada pela National Broadcasting Company, divulgou, pela rádio, em repetidas audições, as nossas músicas, o mesmo acontecendo nas horas de arte realizadas pelo Brazilian Coffee Comittee, nas festas em propaganda do nosso café. E agora firmou novo contrato com a Nevilie O’Neill International Incorporated, tendo vindo ao Brasil para renovar o seu repertório, no qual incluirá tudo o que de mais interessante tenha aparecido nos nossos meios musicais, nestes últimos tempos.

Abigail realizou em Nova York, um trabalho artístico interessante, que o público brasileiro apreciou, ignorando, porém, que fosse da jovem índia paranaense. Foi a sincronização do filme "Noivado de ambição", apresentado nas nossas telas com diálogo em português. A sincronização (dublagem) da película foi feita em Long Island, sob a direção do nosso patrício Henrique de Almeida Filho, pastor evangélico. Coube-lhe o papel desempenhado por Nancy Carroll.

Com tirocínio do teatro de comédia e possuidora de temperamento artístico privilegiado, deu ao papel um relevo invulgar, sobrepujando no diálogo a própria artista americana, conforme opinião dos técnicos do estúdio.

O trabalho de sincronização foi árduo e difícil, durando dois meses. Começava às oito horas da manhã e terminava depois de meia noite, havendo nesse lapso de tempo apenas rápidos intervalos para que os artistas tomassem ligeira refeição. E saíam do estúdio com um rolo de diálogos para decorar para o dia seguinte. Os diálogos eram enfadonhamente repetidos dez, vinte, trinta Vezes, com frequentes alterações, até se ajustarem ao movimento labial dos artistas que filmaram a película.

O salão do estúdio ficava às escuras, para que fosse exibida a cena do filme a sincronizar, exigindo o trabalho um intenso esforço visual.

“Quando terminamos, — disse-nos Abigail Parecis, — eu estava sofrendo da vista e magra como um vime...”.

O filme foi exibido com grande sucesso, em todo o Brasil. Mas não houve, nem nos letreiros, nem na reclame, a menor referência à Abigail Parecis. Dizia-se mesmo que se tratava de um filme “falado em português, por Nancy Carroll”. Isso deu motivo a que a artista patrícia, convidada para trabalhar em novas sincronizações, recusasse as propostas que lhe fizeram.

— A própria Nancy Carroll não falava tão bem em português?

Abigail não tem vaidades. Ama a sua arte como toda artista, mas não faz da arte como tantas outras um espelho em a mime e exalte a própria pessoa. Só um orgulho nela se surpreende relativo ao seu trabalho: o que lhe vem de propagar e fazer admirada a música do seu país. Quando refere a vitória da música brasileira, anima-se. A voz lhe soa mais viva. Os olhos cintilam com estranho fulgor. O ritmo do gesto é entusiástico. Fala de Nepomuceno, de Villa-Lobos, de Hekel e da impressão dos norte-americanos, ouvindo os trechos iluminados da nossa vibrante inspiração tropical. Exulta, emocionada.

Não fosse a artista fruta da selva brasileira, alma e carne do Brasil ...


Fonte: Noite Illustrada n° 83, de novembro/1931

Dedé

Dedé (Victor André Barcelos), clarinetista, saxofonista e compositor, nasceu em Magé, RJ, em 30/11/1905, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 1961. Começou a estudar música com o irmão, F. Columbiano. Serviu na antiga Escola de Aviação Militar e depois no II Regimento de Infantaria.

Atuou em grandes orquestras na chamada "Época de Ouro" da música popular brasileira. Em 1927, ingressou como clarinetista na orquestra American Jazz, de Sílvio de Sousa. Dois anos depois, foi convidado por Simon Boutman para tocar na Orquestra Pan-americana, da Odeon.

Em 1930, teve seu samba Corpo sadio lançado no carnaval por Francisco Alves. Em 1932, gravou seu primeiro disco solo (clarinete e saxofone) pela Victor, interpretando os choros Adalgisa e Adelaide, ambos de sua autoria. Em 1934, gravou ao saxofone, também de sua autoria, o choro Zuzu e seu corpo e a valsa Haidé.

Foi chefe da Orquestra Dancing Avenida, no Rio de Janeiro e trabalhou nas Rádios Cruzeiro do Sul, Mayrink Veiga, Nacional e Tupi.

Em 1955, gravou com seu conjunto pela gravadora Mocambo os choros Dá-lhe Jorginho e Sacarrolha, ambos de sua autoria. No mesmo ano, gravou na Sinter ao clarinete, acompanhado por seu conjunto, os choros A chupeta do Paulinho e O chapeuzinho de Norma, os dois de sua autoria.

Para que melhor se avalie o talento desse músico, Ary Barroso, em 19 de outubro de 1955, declarou para O Jornal que, se quisesse organizar uma orquestra, chamaria vários instrumentistas preferidos seus, entre eles, o saxofonista Dedé.

Obras


A chupeta do Paulinho, Adalgisa, Adelaide, Corpo sadio, Dá-lhe Jorginho, Haidé, O chapeuzinho de Norma, Sacarrolha, Zuzu e seu corpo.

Playlist





Discografia


1932 Adalgisa/Adelaide • Victor • 78
1934 Zuzu e seu corpo/Haidê • Victor • 78
1955 Dá-lhe Jorginho/Sacarrolha • Mocambo • 78
1955 A chupeta do Paulinho/O chapeuzinho de Norma • Sinter • 78

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Fonte: Dicionário Cravo Albin da MPB.