quinta-feira, janeiro 02, 2014

Zilda, a rainha do samba

Aracy Côrtes, aliás Zilda Spinola
“CARIOCA entrevistou várias figuras de relevo do nosso “broadcasting”. Sylvinha Meilo, Alzirinha Camargo, Olga Praguer, Christina Maristany, as Irmãs Pagãs, Marília Batista. . . e quantas mais! Ainda não havíamos, porém, entrevistado Zilda Spinola, autêntica rainha do samba.

—— Zilda Spinola? — perguntará, surpreendido, o leitor. — Francamente, não me recordo de ter ouvido esse nome.

Cantora, pianista, declamadora? Quem será Zilda Spinola?

Zilda Spinola, — deixemos que se dissipe o mistério, — não é senão o nome verdadeiro, o nome autêntico de Aracy Côrtes, a intérprete inconfundível da nossa música popular. E, agora, na certa, o leitor declarará:

— Ora! Aracy... Também quem é que não a conhece?

Começo de carreira, no teatro
Pouca gente sabe que é esse o nome de Aracy — que, há pouco, regressou da Argentina, depois de ter conquistado expressivos triunfos no Prata. E isso porque a festejada artista só usou seu verdadeiro nome quando estreou, em 1919, no Democrata Circo. Ali, demorou pouco tempo, ingressando logo numa companhia de revistas que trabalhava no Teatro Recreio, sob a direção de João de Deus.

Trabalhando na revista “Nós pelas costas”, foi, então, crismada com o pseudônimo de Aracy Côrtes, que se transformou num dos maiores nomes do nosso teatro popular e do nosso “broadcasting” ...

Dessa temporada, Aracy não tem saudades. Seguiu para São Paulo e, voltando mais tarde ao Rio, foi a Campos como empresária, para logo depois ser contratada pela Empresa Paschoal Segreto, estreando no Teatro São José, na revista de Duque e Oscar Lopes: “Sonho de ópio”.

E acrescenta:

— Há por aí quem diga maldosamente que só consegui ser “estrela” na praça Tiradentes. É falso. Pondo a modéstia de parte brilhei na praça dos Caboclos e brilhei, na Avenida, no Glória, no Cassino Beira-Mar, no Fênix e no antigo Palace Teatro. Fui com Jardel Jercolis à Europa, onde o meu êxito, se é que houve, foi constatado pela imprensa. Percorri, nessa ocasião, Portugal, Espanha, França e Itália.

— O público já está saudoso. Quer vê-la em cena — dissemos nós.

— E eu também estou saudosa dele, mas, infelizmente, o teatro de revista está em situação precária. É doloroso dizer-se que a capital do Brasil, a “Cidade Maravilhosa”, não tenha para os turistas, não como novidade, mas como passatempo, um só teatro musicado funcionando.

— E quanto à sua viagem à Argentina?

— Fui contratada pelo empresário Cairo. Ele ficou satisfeitíssimo, porque conseguir agradar na Argentina é um “caso muito sério”. Os platinos, conquanto não sendo jacobinos, gostam muito do que é deles, e defendem muito, artística e monetariamente, a prata de casa. No terreno artístico lá vence quem tem mérito real. Aliás, você não ignora isso. É dos livros, como se diz lá no morro! Ficaram satisfeitíssimos com a interpretação dos nossos sambas, com os “breques” e contracanto, criação dessa sua criada. Há quem diga que não, mas eu tenho a certeza, embora não cobre direitos autorais.

— Quais os seus autores prediletos?

— Todos aqueles que escrevem boas revistas.

— Das peças que já representou, qual é a que mais gosta?

Aracy, em casa, com seu canário cantor
— Duas: “Cidade Maravilhosa” e “Miss Brasil”. E já agora aproveito para dizer que dois sambas que mais me impressionaram até hoje foram: “Ai yoyô”, de Luiz Peixoto e Vogeler, e “Sorris”, letra e música de J. J. Soares.

— E, agora, — dissemos nós, — um pouco de suas preferências. Qual o seu manjar predileto?

Aracy deu uma gostosa gargalhada e respondeu:

— Espiga de milho cozido.

— E, se fosse rica, que faria?

— Viajaria muito, muitíssimo. Teria criadagem especial para tratar exclusivamente das malas, chapeleiras, etc.

Despedimo-nos. Aracy trouxe-nos, gentilmente, até ao elevador, onde acrescentou:

— Diga na CARIOCA que eu até nova ordem estou no rádio, porque sou positivamente do rádio: — cansa pouco e populariza mais! ...”


Fonte: CARIOCA, de 25/01/1936.

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