sexta-feira, janeiro 17, 2014

Ouvindo Moacyr Bueno Rocha

"Cantar ao microfone exige uma técnica especial. Todo artista sabe disso, mas nem todos se utilizam dessa experiência.

— Eu canto com o menor volume de voz possível, deixando ao microfone o trabalho de reproduzir e ampliar o timbre que emito — Costume aliás comum a esses aparelhos sensibilíssimos.

Moacyr Bueno Rocha não é ouvido dentro do próprio estúdio. Ele é um dos raros artistas que entendem os segredos e as manhas dos microfones.

— Creio que explicar bem as palavras e não exagerar na pronúncia constitui o fator principal do êxito. Eu já cantei em francês, na Philips, e atualmente dedico-me, exclusivamente, a interpretar foxes e valsas, na PRA-9.

Moacyr pode falar à vontade sobre microfones, rádios e música porque é um dos poucos cantores que possuem uma interpretação perfeita e irrepreensível. Isso aliado ao grande sentimento emotivo que empresta às suas canções, fato que lhe valeu na Mayrink, o cognome de “O último romântico”.

— Acredito que todo cantor precisa possuir uma pequena parcela de emoção para colorir a música interpretada. Mas não procuro, absolutamente, criar nenhum ambiente lírico em pensamento. Quando canto, penso na música e presto atenção à letra.

Talvez por isso ele jamais pratique as gafes artísticas que os outros cantores denominam “fora” do trecho irradiado.

A carreira de Moacyr Bueno Rocha no nosso “broadcasting” oferece muitos aspectos curiosos.

— Estreei ao microfone em abril de 1931, na Rádio Educadora, nas “Horas Lamartinescas”, contra a vontade de Lamartine Babo, organizador do programa.

— Contra a vontade de Lamartine?

— Sim, eu era um cantor novo, desconhecido, e talvez por isso e também devido ao fato do programa já estar completo de bons elementos, eu fiquei mais ou menos “sobrando”.

Tal fato relatado por Moacyr Bueno Rocha, agora que ele já é “astro” firmado e de primeira grandeza, provoca riso. Mas naquela ocasião não era nada alegre.

— Eu não venci rapidamente. Apesar de Lamartine ter-se contrariado com a minha inclusão no seu programa, encontrei outros amigos que me auxiliaram. Falar dos sonhos e crenças e das pequeninas decepções de cada dia é tarefa inútil. Creio que todos os artistas novos já as experimentaram, servindo as mesmas de estímulo ou descrença, conforme o temperamento de cada um. Eu nunca pensei em desistir.

Moacyr, em seguida, relata o seu ingresso em vários programas avulsos até se firmar no antigo “Esplêndido Programa”, dirigido por Valdo Abreu, na PRA-9.

— Estive longo tempo no “Casé”. Mastrangelo, então diretor artístico da Mayrink, só mandou-me chamar, depois de ouvir, longamente, o “Programa Casé”. É escusado dizer que todas essas atuações eram feitas sob o mais absoluto amadorismo.

O primeiro cachê

— Recebi o meu primeiro cachê na PRA-2 e o meu contentamento foi tão grande o ver os meus esforços finalmente premiados — embora muito discretamente — que gastei-o todo numa lauta ceia com os amigos, festejando o acontecimento. Essa foi a primeira alegria. Depois Moacyr Fenelon ajudou-me a gravar.

Moacyr emocionou-se profundamente ao ouvir a sua própria voz. Gravando “Nancy”, obteve um dos maiores êxitos da sua carreira.

“Nancy”, admiravelmente interpretada por sua voz suave e bonita, passou a ser executada largamente nos cinemas, cantarolada e assobiada nas ruas.

— Reconheço que o sucesso de “Nancy” excedeu a minha própria expectativa. Atualmente, o outro disco ao qual dediquei grande entusiasmo foi a valsa “Meu amor por toda a vida”, de autoria de Oswaldo Santiago.

Este também fez sucesso.

— Moacyr Fenelon e Alberto Ribeiro foram os meus dois grandes amigos do meio radiofônico, — declara Moacyr Bueno Rocha. — E, se até hoje sou inteiramente a favor da boa vontade em torno aos principiantes, é porque reconheço quanta vocação recalcada existe por aí devido à falta de estímulo dos vitoriosos.

Moacyr torna-se absolutamente simpático dizendo isso. Ele não acredita que os artistas amadores possam prejudicar os profissionais.

— Ninguém começa pelo fim. É lógico que nenhum artista novo canta de graça por gosto. Mas, se assim mesmo, sem lucros, ele já encontra tantas dificuldades.

Hoje, vitorioso e contratado na Mayrink Veiga, Moacyr um belo exemplo a ser seguido pelos verdadeiros artistas novo, possuidores de autêntica vocação.

— Prefiro interpretar foxes e valsas, embora aprecie muito a nossa música folclórica e goste de todos os bons compositores sem exceção — disse-nos a voz-poema.

Moacyr Bueno Rocha nasceu no Rio, nas Laranjeiras, e é inteiramente carioca, fato que merece registro. Ele nunca realizou excursões, embora as deseje e talvez muito breve comece a praticá-las.

— Os múltiplos afazeres são os empecilhos que tenho encontrado afim de realizar os meus grandes sonhos: viajar, espalhando a nossa música, duas coisas úteis e agradáveis — concluiu."


Fonte: CARIOCA, de 30/5/1936 (texto atualizado).

Tupinambá: o pioneiro da música regional

"Há vinte anos atrás a música brasileira não tinha o valor que hoje merecidamente lhe damos. Ninguém com ela se preocupava e as pessoas que se dedicavam a compor músicas com caráter típico e regional eram apontadas como objeto de ridículo.

As nossas canções e os lundus que fizeram a alegria dos nossos antepassados não tinham, no nosso século, direito de ingresso num salão elegante. Eram relegadas para um plano secundário e tinham que se contentar com a aceitação das criaturas de cultura inferior que ainda assim preferiam ver mais inspiração nas valsas estrangeiras que nas nossas modinhas.

O nosso folclore era desconhecido dos grandes centros de população e das metrópoles dos Estados, todas impregnadas de música estrangeira. Reagir contra este estado de coisas, reabilitar a nossa música, dar-lhe o lugar merecido, eram tarefas árduas, capazes de aniquilar os mais decididos. Só um espírito dotado de grande ânimo e muita vontade de vencer, poderia triunfar numa luta desigual como esta: de um lado, a opinião pública, eivada de esnobismo e do outro, talento de um homem. Passaram-se os anos e esse homem venceu. Foi um prélio árduo: as primeiras músicas recusadas, combatidas, perseguidas até.

Vem, porém, uma pequena vitória, outra mais, e Marcelo Tupinambá venceu. Hoje é uma personalidade de relevo da nossa música. O seu nome é conhecido por todo o Brasil, este mesmo Brasil que quando ele apareceu zombou dos seus esforços de bandeirante, ansioso por desbravar a nossa música e mostrar o que de realmente belo, nela existe.

Em 1912, Marcelo Tupinambá ainda não existia. Existia apenas, um rapaz de pouca idade, ainda estudante na Escola Politécnica de São Paulo. Fernando Lobo era o seu nome. Pertencia a uma das tradicionais famílias que honra São Paulo. Desde criança revelara grandes pendores para a música. E olhava com essencial carinho para os motivos brasileiros, até então, completamente desprezados. Quatro anos depois, vamos encontrá-lo já com o título de doutor, que lhe conferia a mesma escola. Aí, porém, já começava a nascer Marcelo Tupinambá. O Dr. Fernando Lobo, aos poucos ia desaparecendo, absorvido por Tupinambá. A Arte vencia a Ciência.

E em 1916 surgiu em público sua primeira composição: “Alma em flor”, uma valsa com letra do poeta Arlindo Leal, hoje falecido. O sucesso não foi grande, pois o ambiente era hostil. Vieram, em seguida, mais composições: “O matuto”, “Viola cantadera”, “Canção do cigano” e outros. Foi quando lhe pediram para musicar um filme: “Nos sertões do Avanhandava” da “Independência Omnia Film”, produzido e dirigido pelo Dr. Armando Pamplona. O filme teve sucesso, em grande parte devido sem dúvida à esplêndida partitura composta por Tupinambá que foi alvo dos maiores elogios,

A consagração, porém, não havia ainda chegado. Os êxitos obtidos até então não haviam sido mais que pequenas vitórias, rapidamente esquecidas. Porém, os dias que faltavam para o triunfo completo, estavam contados. E este veio, com a estreia, no antigo Teatro Boa Vista, da peça “São Paulo Futuro”, onde toda a parte musical era de sua autoria. Daí por diante, a estrela de Marcelo Tupinambá não conheceu mais desfalecimentos: abandonou um pouco o caráter ligeiro de suas músicas para enveredar pelo nosso folclore, onde produziu peças encantadoras.

Dedicou-se em seguida a musicar poesias de autores consagrados e, no ano passado, fez a sua primeira tentativa de teatro lírico, escrevendo a opera “Abrahão”, sobre motivos sacros. A Rádio Cosmos irradiou esta ópera, durante a semana santa, e tão grande foi o seu êxito, que repetiu este ano a irradiação.

Marcelo Tupinambá que é, atualmente, o presidente do Sindicato dos Músicos de São Paulo, dedica-se hoje, principalmente, à composição de peças para quartetos vocais, sobre motivos variados, onde é inexcedível. Dentre estes, destaca-se “Assombração”, que é baseado numa lenda brasileira e tem muito caráter regional.

Marcelo Tupinambá, vive hoje em São Paulo, querido de todos e respeitado na sua glória. Muito modesto, procura sempre fugir às demonstrações de entusiasmo que lhe são tributadas pelo povo paulista, demonstrações sinceras pela sua realização gloriosa — ter sido o pioneiro da música regional brasileira."
Texto de JORGE MAIA


Fonte: CARIOCA, de 23/5/1936 (texto atualizado).