quarta-feira, junho 18, 2014

Alvarenga, Ranchinho e Capitão Furtado


"O Capitão Furtado juntamente com Ranchinho e Alvarenga constitui um magnífico terceto que interpreta o nosso folclore em todas as suas manifestações. São paulistas e em São Paulo iniciaram suas carreiras que no entretanto somente tiveram pleno desenvolvimento no Rio, graças à grande simpatia que conseguiram conquistar do público carioca.

Ranchinho e Alvarenga cantam textos que o "capitão" Furtado escreve, com músicas do nosso enorme populário melódico.

Os três simpáticos, com a maneira de falar peculiar à população do interior paulista, estiveram em nossa redação falando de suas viagens por "este sertão do mundo" e das maravilhas que o entusiasta de nossa gente lhes tem proporcionado:

— Trabalhando juntos há três anos, estreando ao microfone da Rádio São Paulo, onde conseguimos bastante sucesso. Já havíamos trabalhado bastante nos palcos do interior, onde nos saturamos gostosamente de caipirismo que tem sido a nossa felicidade -- começou Ranchinho.

— Comecei como sobrinho de Cornélio Pires (meu nome é Ariovaldo Pires), e acabei sendo "capitão" Furtado, o que talvez seja uma consequência desse meu parentesco ... — disse o autor da célebre cantiga de viola, "Circuito da Gávea".

— Nós três — disse Alvarenga — trabalhamos de comum acordo, de maneira a concentrar num só trabalho a boa vontade do trio. O "capitão" Furtado é um homem que tem grandemente desenvolvida a compreensão de oportunidade; explora os assuntos na "horinha"; eu, com Ranchinho, faço a adaptação dos versos e um dos nossos números, motivos musicais, copiando tanto quanto possível o estilo caipira.

— Nunca se dedicaram à outro gênero de música? — perguntamos.

E a resposta veio, sincera e comovente:

— Nunca. O senhor compreende: existe muita música bonita neste mundo, mas a que cantamos é tudo para nós. Nascemos para cantar as coisas caboclas como quem nasce para deputado, para barbeiro ou fazer doce de coco ... Temos o jeitinho, que é quese ou totalmente uma predestinação. Cantar outra coisa que não fosse modas de viola seria uma traição à nossa cidadezinha do interior paulista. Imagine que barbaridade se eu cantasse, em dueto, com Ranchinho, uma parte de "La Forza del Destino"! ... Também não seria possível, porque o Furtado não colaboraria ...

Era evidentíssimo que Alvarenga estava com a razão. Por isso fizemos outra pergunta:

— Pretendem trabalhar no cinema?

— Sim, como em qualquer lugar onde não tenhamos que deixar de lado a nossa sinceridade. O cinema ou o rádio, coisas tão modernas, acatam plenamente as coisas antigas que cantamos e isto nos parece muito significativo da essência pura que encerram as nossas músicas. Além disso, nós somos artistas do povo e para o povo, e ao cinema, como o rádio, soluciona a questão do nosso contato com o imenso público. Já temos posado para os testes cinematográficos, com sucesso. Esperamos uma proposta para trabalharmos em filmes.

— Gostam do Rio?

— É a primeira cidade do mundo. Nunca imaginamos que numa cidade como esta, moderníssima, aparentemente saturada de foxtrotes, tangos e outros produtos estrangeiros, a simplicidade dos nossos cantores e a ingenuidade de nossas anedotas tivessem uma repercussão tão grande. Os aplausos que temos recebido do público carioca nos identifica ainda mais com a alma popular.

— Por que o "capitão" Furtado não publica um livro com as coisas que escreve?

— Eu estudo neste momento um plano para a publicação de um volume, o que aliás, é minha velha ideia. Será intitulado "Lá vem mentira!" e o público decidirá o seu conteúdo."


Fonte: "Carioca" — Edição 89, de 3/7/1937

Figuras de cartaz: Orlando Silva

"Orlando Silva é um nome da Rádio Nacional, de renome internacional. Sua fama de intérprete da voz macia já voou célere por todo o Brasil e foi até as capitais platinas onde também há mulheres sonhadoras capazes de compreender que o samba é o presidente da República da música popular. E nessas questões presidenciais Orlando Silva é o homem. Principalmente quando entra o voto feminino.

Diversos empresários platinos tem tentado atrair o popular cantor com propostas vantajosas. Mas ele é de opinião que não há vantagem maior que espalhar canções de amor nos ouvidos dos cariocas. Elas se grudam, deslumbradas, aos alto-falantes e o artista aumenta seu prestígio dia a dia.

Quando a noite sobe o arranha-céu de "A Noite" e vai cantar entre as estrelas, olha as luzes do Rio e as luzes dos olhos das cariocas através da vidraça grande do estúdio da PRE-8 e sente que não pode abandonar, assim, os velhos amores.

Diz aos empresários argentinos:

— "Depois nós conversamos ..."

Passa-se o tempo e nunca chega o "depois". Nem o artista está preocupado que chegue.

Orlando é um dos novos do rádio que mais abalam o prestígio dos antigos. Num instante venceu. Suas primeiras gravações imediatamente despertaram as atenções gerais. As mulheres disseram logo, suspirando:

— "Meu Deus, que voz! ..."

E os homens invejosos:

— "É ... Esse rapaz promete ..."

Vieram os sucessos. A popularidade. A fama. O prestígio. As pequenas deram para o apontar na rua:

— "Olhe, mamãe, aquele é o Orlando Silva ..."

E o samba ganhava mais um intérprete brilhante:

"Foi você
a primeira mulher
que eu amei ..."

O cantor mergulha sua voz na expressão. Os versos saem transfigurados. Adquirem calor, vida, fulgor. A melodia ganha um poder de beleza capaz de fazer uma noiva séria telefonar para a Sociedade Rádio Nacional e dizer:

— "Pergunte ao Orlando Silva se ele quer me conhecer amanhã, à tarde ..."

Qualquer mocinha e qualquer solteirona distinguem sua sua voz dentre mil. Para elas o "speaker" pode até deixar de anunciar. Sabem a hora exata dos programas em que o cantor aparece, conhecem as suas criações mais recentes e finalmente os números que contam com maior simpatia.

Enquanto isso cresce o prestígio de Orlando Silva.

Há muita jovem sonhadora que à noite "não está em casa" para o namorado mas apenas para ficar enlevada junto ao receptor ouvindo embevecida as palavras de amor que o artista sabe tão bem pronunciar envolvidas na música nostálgica.

E as mulheres geralmente são tão sensíveis que quando escutam uma canção sentimental esquecem até o seu amor ..."


Fonte: "Carioca" — Edição 89, de 3/7/1937 — Caricaturas: Escrita por Theofilo de Barros e desenhada por Augusto Rodrigues