terça-feira, maio 23, 2017

Carmélia Alves, a Rainha do Baião

Carmélia é a simpatia em pessoa, em todos os momentos e todos os flagrantes. 

Começou nos programas de calouros, a “Rainha do Baião” ... Gosta de onça, sem ser “amiga” da mesma ... Tudo teve início em “Calouros em Desfile”. Carmélia Alves, fã incondicional de Carmem Miranda, inscreveu-se no veterano programa da Tupi, para cantar “Veneno para dois”, número de invulgar sucesso do repertório da “Pequena Notável". A Interpretação parece ter saído a contento, porque nem Makalé funcionou no gongo, nem Ari Barroso deixou de premiá-la com a nota cinco. (Reportagem de Armando Migueis - Fotografia de Milan)

O primeiro sucesso abriu perspectivas para nova incursão. Carmélia apresentou-se na “Hora do Tiro”, ainda interpretando um sambinha que Carmem gostava de incluir nas suas audições: “Polichinelo”. Barbosa Júnior, tal como o “homem da gaitinha”, não teve dúvidas em conceder-lhe o prêmio máximo, convidando-a mesmo para auxiliá-lo nas audições do famoso “Programa Picolino”. Ela topou o negócio que, no fim do mês, lhe rendia trezentos cruzeiros. Mas, nessa altura dos acontecimentos, a Mayrink Veiga viu partir sua grande estrela, e precisou portanto contratar um bom elemento para preencher a vaga de Carmem Miranda, e lembrou-se da garota que continua sendo uma de suas maiores admiradoras. Carmélia assinou um contrato regular, dando começo à sua carreira profissional. Teve sorte, porque se fez notar entre as demais intérpretes de nossa música popular.

Com um posto assegurado no sem-fio, a atual “rainha do baião” voltou-se para o cinema, inscrevendo-se num concurso instituído pela Cinédia, e do qual faziam parte Celestino Silveira e José Lina do Rego. Encerrado este, a cantora viu-se premiada em fotogenia e dicção. Fracassou nos demais testes, mas não desanimou, e como recompensa recebeu vantajosa proposta para atuar no “show” do cassino Copacabana, tornando-se um dos números mais aclamados.

Dois anos decorridos dessas vitórias, foi chamada para gravar na RCA Victor. Completou-se assim um sonho alimentado em pleno desabrochar da mocidade, e Carmélia gravou na cera “Quem dorme no ponto é chofer”, um samba de Assis Valente (Ainda aqui, vemos o compositor preferido de Carmem Miranda servindo de “abre-te sésamo” para Carmélia, numa demonstração de apreço pela grande Carmem).

O ano de 1944 encontrou a atual exclusiva da PRE-8 brilhando ao microfone da PRA-9, e no “show” do Copacabana, onde veio a conhecer Jimmy Lester, com quem se casou. Foi um namoro relâmpago, pois no fim de três meses ambos compareciam à Pretoria. Iniciaram, então, uma excursão à Bahia, e lá permaneceram algum tempo, em virtude da calorosa acolhida. A seguir, rumaram para São Paulo, atendendo a um compromisso com o cassino de Guarujá. Daí, em virtude do término do jogo e consequente fechamento dos cassinos, o casal de artistas passou a trabalhar nas boates bandeirantes.

Numa delas, por sinal, a intérprete de “No mundo do baião” lançou, com indiscutível aceitação, esse ritmo que a tornou famosa. Para tanto, utilizou-se de um “balancê”, ao qual imprimiu o sentido de baião. Foi quanto bastou para que a boate Jequiti vivesse repleta.

Três longos anos separaram Carmélia Alves de seus fãs cariocas. Mas, numa noite de 1949, Vítor Costa, de passagem por São Paulo, deu um pulo até a boate Marabá, e ali encontrou a cantora. Conversaram bastante, e por fim Vítor propôs-lhe um contrato na Rádio Nacional, que não chegou a ser assinado, em virtude da estrela ingressar na Mayrink e voltar aos “shows” do Copacabana, em substituição a Elda Mayda. Nesse mesmo ano, a premiada de “Calouros em Desfile” foi eleita “Princesa do Rádio”, título que voltou a conquistar no ano seguinte, e em 1952.

Em 1951 ingressou na Nacional, a sua presente emissora. Também mudou de fábrica de gravações, assinando contrato com a Continental, onde lançou com extraordinário êxito “Me leva”, baião de Hervé Cordovil, que já anda pela casa dos cento e vinte mil discos vendidos. Gravou, ainda, “Diga que sim” e “Tic-Tac do relógio”, além de “Trepa no coqueiro”, número criado por Bibi Ferreira, e que mais tarde, transformado em baião, mereceu as honras da bonita voz de Carmélia Alves. Recentemente, botou na cera, com o trio Melodia, a composição de Humberto Teixeira, “Ajuda teu irmão”, destinado às vítimas da seca.

O cinema, diante da ascensão da cantora, foi-lhe ao encontro. Assim, apareceu em “Tudo Azul”, fazendo um número, trabalhou em “Agulha do Palheiro”, a ser lançado. Participou de “Está com tudo”, uma produção de Luiz de Barros (só apareceu no trailer, porque a cópia pegou fogo. Daí a crítica de Celestino Silveira, lamentando o ocorrido).

Nascida e criada em Bangu, torcendo pelo clube dos irmãos Silveirinha, sonhando com uma excursão pelo Velho Mundo, Carmélia Alves prepara-se para uma visita a Buenos Aires, atendendo ao chamado da Rádio Splendid. Nessa oportunidade, levará um pequeno conjunto de que farão parte Sivuca, Jimmy Lester e um baterista. Caso tudo corra às mil maravilhas, ela estenderá a excursão ao país de Tio Sam.

Mas, enquanto não chega esse momento, a exclusiva da PRE-8 continua devotada às crianças, pelas quais tem invulgar afeição, embora não tenha filhos. Em compensação, tem um punhado de sobrinhos que adoram a voz da “titia”. Depois das crianças, Carmélia é francamente dos bichos. Gosta de cachorros, gatos, passarinhos ... e de onças. Aliás, é dona de um belíssimo exemplar desses felinos, trazido do Piaui. Isto não quer dizer, porém, que ela seja “amiga da onça” ... Com seu metro e sessenta de altura, e seus cinquenta quilos de peso, a criadora de “Quem dorme no ponto é chofer” não despreza um camarão com chuchu, nem um filme de James Mason. E. quando o tempo permite, bota no “pick-up” uma gravação de Carmem Miranda ou de Sílvio Caldas.

Modesta ao extremo, não será difícil encontrá-la metida num vestido azul, com a cabeleira de falsa loura, a palestrar com os fãs que a procuram. Talvez nisso, e na personalíssima interpretação das nossas melodias populares, resida a razão de ser do seu enorme cartaz no rádio brasileiro.


Fonte: Revista Cinelândia, edição 13, maio de 1953.

Adelaide Chiozzo provoca desastres ...

De caloura do programa "Papel Carbono", Adelaide atingiu a glória ao microfone da PRE-8.

A história tem alguma coisa de semelhante à de Cinderela ... Não que Adelaide Chiozzo fosse descoberta pelo sapatinho ... Todavia, há a figura providencial daquele senhor que, passando pela imobiliária do "seu" Geraldo, procurou saber quem arrancava do acordeom tão bonitas melodias. E, quando descobriu, fez tudo para inscrevê-la no programa "Papel Carbono", a ser apresentado no dia seguinte. (Reportagem: Armando Migueis; Fotografia: Milan)

Sobraçando o instrumento do “papai", Adelaide Chiozzo, mais nervosa do que calma, bateu um ligeiro papinho com Renato Murce, e, após ensaiar "Mariana", propôs-se imitar o sanfoneiro Pedro Raimundo, enquanto o “mano” Afonso, também presente ao programa, inscrevia-se para bancar o Luís Gonzaga. Na hora da apresentação, a nossa entrevistada fez o auditório da Rádio Nacional vibrar com a imitação, levando Vítor Costa a contratá-la por três meses, para constituir, em dupla com o Afonso, uma nova atração para os sintonizadores da PRE-8.

Desconhecendo por completo uma nota musical sequer, Adelaide Chiozzo ingressou no “broacasting” carioca através da mais popular emissora brasileira. Isto, porém, não constituiu fato importante na vida da estrela. Tanto que, decorridos os três meses de contrato, a dupla Irmãos Chiozzo passou a atuar em diversas estações.

Só em 1949, com o casamento de Afonso, é que Adelaide voltou à Rádio Nacional, como integrante do conjunto de Dante Santoro. A essa altura, porém, o cinema nacional já contara com seu concurso, em "Este mundo é um pandeiro", em que apareceu executando um número ao lado do “cowboy” Bob Nelson. A esse filme seguiu-se "E com este que eu vou", ainda com Bob Nelson.

Quando tudo parecia correr às mil maravilhas, "seu" Geraldo enguiçou com a presença da filha no rádio. Como consequência, veio seu imediato afastamento dos programas da PRE-8 e um descanso forçado, que durou até 1951, quando Renato Murce, com muito jeito, convenceu “seu” Geraldo a deixar a filha excursionar pelo interior paulista. Nessa excursão, apesar da presença da mamãe, Adelaide descobriu seu príncipe encantado, na figura do violonista Carlos, que, como os demais excursionistas, fazia parte do “cast” da Nacional.

Adelaide Chiozzo, ao retornar ao Rio, voltou a ser assediada pelos diretores da PRE-8 com um contrato vantajoso. Como sabe contar até dez, não teve dúvidas em assiná-lo, passando a exclusiva. Hoje, gozando de popularidade imensa, a filhinha do “seu” Geraldo é a segunda colocada no volume de correspondência, recebida, a qual responde religiosamente. A média de cartas que lhe são remetidas por semana atinge a duas mil e quinhentas.

Brilhando na constelação do rádio, abafando nas grandes cidades do interior brasileiro e enchendo de lucro as marcas de gravações, Adelaide Chiozzo constitui, afinal, um apreciável reforço de bilheteria para o cinema nacional. Depois de participar de “Carnaval no Fogo”, “Aviso aos Navegantes”, “Aí vem o Barão”, “Barnabé, tu és meu”, a vitoriosa acordeonista aparecerá estrelando “É fogo na roupa”, em que fará o papel romântico de “Diana”, ao lado de Benê Nunes, Heloísa Helena e Ivan Curi.

Adelaide Chiozzo, entre os números de sucesso que já gravou, destaca “Tempo de criança”, que alcançou a vendagem de trinta mil discos; "Pedalando”, com sessenta mil, e “Beijinho doce”, que, diga-se de passagem, foi o seu maior êxito, haja vista que até agora, já vendeu noventa e cinco mil. Afora esses números, gravou na cera “Para bombardino”, “Cada Balão uma Estrela”, “É noite, moreno”, “Minha Casa”, “Zé da Banda”, “Vapô de Carangola” e muitos outros.

Conhecendo duzentas e dez cidades brasileiras, a estrelíssima da PRE-8 tem servido de tema para alguns casos pitorescos, como o ocorrido na Avenida Presidente Vargas, em que um fã, embevecido pela intérprete de “Beijinho Doce”, abalroou-lhe o carro, provocando sério prejuízo. Mas, diante da satisfação de falar com Adelaide, prontificou-se a pagar todos os prejuízos, embora recomendasse ao Carlos que lhe arrumasse um retrato da esposa autografado.

Foi também em consequência da popularidade que não lhe foi possível inaugurar, na data marcada, os estúdios da Rádio Timbira, em São Luís do Maranhão, tal o acúmulo do público. Foi preciso transferir para o dia seguinte a solenidade, quando as autoridades providenciaram seguro cordão de isolamento. É desse jeito o prestígio de Adelaide Chiozzo.

Nascida no Braz, em São Paulo, num dia treze de maio, é louca por macarronadas à italiana. Seu maior desejo, consiste em ter seis filhos, e para tanto sonha com uma fazendola para melhor criá-los. Mas, enquanto os guris não nascem, ela sai todas as manhãs, de caniço e samburá, rumo às pescarias, juntamente com o esposo.


Fonte: Revista Cinelândia, edição 11, março de 1953.

Ângela Maria, a Revelação de 1952

O velho canhão da Praia Vermelha serve de brinquedo para a garota que adora cantar.

A garota revelação de 1952 espera figurar em 1953 entre os maiores valores do nosso rádio ... e bem o merece. Começou cantando no coro da Igreja Batista e sonhava ser cantora de ópera. Tinha um nome bíblico: Abelim. Chamava-se Abelim Maria da Cunha, natural do Estado do Rio. (Reportagem de Waldemar Henrique e Kasmér)

Assim deve começar a biografia de Ângela Maria, a garota revelação do rádio em 1952.

"Sou novata" - diz-nos Ângela Maria sorrindo. "Minhas preferências são: a música, as viagens e os passeios, isto, naturalmente, sem mencionar minha filhinha de criação, a Rosângela, você conhece? Não é um amor? Não parece comigo? ... Pois bem, excluindo a família, Rosângela, e meu trabalho artístico, que muito me preocupa, adoro viver, cantar e ir à praia.

A cantora dolente dos sambas-canção adora o mar e sonha cantar as cantigas praianas de Caymmi.

Não gosto de ser vaidosa nem de ser convencida. Vejo as coisas como elas são. Estreei no rádio há um ano e pouco, contra a vontade da minha família. A princípio foi pouco satisfatório, mas eu senti que pisava em terreno firme. Aos poucos fui vencendo. Estou certa de que em março de 53, quando completar dois anos de "carreira artística", já serei "alguém" no rádio. Imagine que já tenho propostas para ir à Europa.

1 - Rosângela, a filhinha de criação, é uma das grandes paixões que tem a revelação do rádio; 2 -
Entre os coqueiros da praia, posa para o fotógrafo de "Cinelândia" ao lado da carrocinha de frutas.
Presentemente canto na Nacional e na Mayrink. O rádio dá cartaz e abre todas as portas da chance. Vou cantar e representar no filme da Flama, "Departamento Suicida". E também atuo em boates: trabalho no "Casablanca" e no "Monte Carlo", simultaneamente. A boate nos põe em contato com a alta sociedade, e as nossas apresentações tornam-se no palco mais interessantes do que no rádio. Tome nota: em 53 terei já o meu carro, um Jaguar lindo com que sonho sempre. Vou-me apresentar no Carnaval com seis músicas, dentre as quais considero as mais fortes "Mestre da Vila" e "Prece do Senhor". Sou solteira, que, a meu ver, está em bom caminho, mas muito no princípio ainda. Ainda não sou uma estrela como espero vir a ser".

Aí têm os leitores a pequenina história de Ângela Maria, a garota que pertencia à religião batista, como toda a sua família, e que para seguir cantando no rádio teve de abandonar essa religião.

Ao lado dos arcos de Santa Teresa, ela afirma que será "alguém" na nossa música no próximo ano.

O maestro Roberto Inglês disse que Ângela Maria era a mais completa artista para o samba: "Tem voz, emoção, personalidade e ritmo. Quando ela tiver a experiência de Linda e Dircinha Batista, serpa insuperável" - afirmava-nos o maestro após os ensaios com Ângela Maria.

Ângela Maria recebe atualmente numerosa correspondência de todo território nacional e frequentemente vêm pedidos de casamento na correspondência. De modo geral, todas as cartas são respondidas com o maior critério. "Respeito o conceito dos meus fâs", diz ela.


Fonte: Revista Cinelândia, edição 9, janeiro de 1953.