sexta-feira, junho 01, 2012

Manuel Cavanelas e o Clube dos Fenianos

Manuel Cavanelas
Hoje, os clubes carnavalescos tendo ajuda oficial (embora reconhecidamente precária) não mais recorrem aos tradicionais ‘livros de ouro’ ou ‘rateios para ajudar’, como era de praxe antigamente. E os que ainda o fazem não se empenham com grande afã, na dobadoura de outros tempos. Cuidam, isto sim, de diligenciar ativamente junto aos deputados e da gente que pode influir na majoração do ‘tutu’ governamental. Conseqüentemente são poucos os ‘beneméritos’, os que prazeirosamente ‘pagam pra festa’.

O Carnaval carioca, no entanto já teve entusiastas fervorosos, foliões bem forrados do ‘arame’ que na hora do aperto salvavam a atuação e asseguravam a presença de seu grêmio nos festejos de Momo.

Manuel Cavanelas foi um deles, O Clube dos Fenianos, onde com seu irmão Miguel (o Minó) foram figuras da primeira linha sempre integradas em suas diretorias, deve-lhe muitos dos triunfos alcançados nos renhidos desfiles das terças-feiras gordas. Seu nome era certo e assíduo no rateio para a confecção do préstito, não com determinada quantia, mas com um clássico “o que faltar”, ou seja, todo o dinheiro necessário para completar a despesa.

Um “gatarrão” alvirrubro

Tendo ingressado no Clube dos Fenianos — que foi fundado em 8 de dezembro de 1869 — poucos anos antes da proclamação da República, o espanhol Manuel Cavanelas tornou-se num dos mais aguerridos sócios dessa agremiação. Por isso, quando Mauro de Almeida numa sucinta biografia, publicada no Diário Carioca em dezembro de 1928, o classificou de “gatarrão”, e de “carnavalesco do tempo da coroa”, situou-o cronologicamente certo e deu-lhe o aumentativo merecido. Dentre todos os ‘gatos’ (apelido ainda hoje dos que fazem parte da veterana sociedade alvirrubra do Carnaval carioca) Cavanelas era reconhecidamente o mais entusiasta. Queria que o seu clube desfilasse com alegorias vistosas, com críticas ferinas. E tudo fartamente iluminado com “fogos bem vermelhos”.

Na época da preparação dos carros discutia com Fiúza Guimarães, com André Vento ou com qualquer outro cenógrafo contratado pelo clube, os croquis apresentados. Fazia sugestões, recomendava o bastante emprego de ‘brilhantinas’ para fazer efeito no desfile noturno e, segundo informe do hoje aposentado Braço Forte (Joaquim Lourenço), interessava-se em especial pelas críticas. Depois, com o préstito já em confecção na antiga cocheira da Travessa das Partilhas (que o proprietário Brito das Andorinhas cedia gratuitamente) lá era encontrado o Cavanelas, diariamente e por muitas horas. Ajudava o pessoal, dava a bronca ao sentir diminuir o ritmo do trabalho, mas ao vê-lo em atividade ‘molhava a mão’ de todos com algumas pratas para uma cervejinha.

Fidelidade ao ‘poleiro’

Quando em 1928 houve uma cisão no Clube dos Fenianos e um grupo de associados do qual fazia parte Manduca da Praia, Chaby, Patativa e alguns mais fundou o Congresso dos Fenianos, Manuel Cavanelas não o acompanhou. Seu irmão Miguel seguiu com os dissidentes, ele porém continuou fiel ao ‘poleiro’ (nome que tem a sede da agremiação). Foi então que seu grande amor ao pavilhão encarnado-e-branco e ornado com um fulgurante Sol (símbolo da sociedade) recrudesceu em toda a pujança. Além dos velhos rivais, Democráticos e Tenentes, com os quais vinham competindo havia muitas dezenas de anos era preciso vencer principalmente o novo e que saíra de suas hostes.

Longe de se intimidar, alardeando sua riqueza repetiu a máxima que empregava nos momentos decisivos: “Quando um bolso ainda não está vazio o outro já está transbordando”. E enquanto diretores faziam o orçamento, calculavam o custo das alegorias e das críticas, Manuel sem se impressionar com as dezenas de contos de réis em debate disse apenas, tranqüilamente: “vejam lá o que me toca”. Minutos após, iniciada a coleta das assinaturas, que eram seguidas da quantia subscrita, Cavanelas, acostumado a tal gesto, escrevia rapidamente o seu nome e punha o rotineiro “o que faltar”. Desta feita, quando estava em jogo a tradição feniana, o quantum seria bem maior, mas isso não o intimidava nem o levaria a modificar o lançamento realizado.

Deu um recreio e ganhou uma rua

Manuel Barreiro Cavanelas, carnavalesco, incentivador e baluarte do Clube dos Fenianos, que por muitas vezes com o seu clássico “o que faltar” concorreu para o brilhantismo dessa sociedade, não foi apenas um “gatarrão”. Além de ‘grande benemérito’ da Sociedad Española de Beneficencia, alguns anos antes de sua morte, ocorrida a 22 de agosto de 1950, fez construir na Tijuca (e ainda lá se encontra) o Recreio dos Anciãos para dar uma vida tranqüila aos velhos necessitados e sem família. Evitando a característica de asilo, tornou-o verdadeiramente um retiro sem regimento rígido, e capaz de proporcionar vida agradável da qual ele próprio passou a desfrutar como um dos internados. Longe da azáfama foliônica ali tinha como distração predileta fazer bengalas de bambu que distribuía com seus companheiros.

Mais tarde, um decreto municipal (nº 12.948), de 3 de setembro de 1955, dava o nome de Manuel Cavanelas à antiga Rua Suruí, na estação de Brás de Pina. Os subúrbios leopoldinenses que já tinham a Avenida dos Democráticos prestavam nova homenagem ao Carnaval carioca. O apego à tradição, como seria de esperar, fez restrições à substituição provocando longa carta do sr. Benjamim Iglezias Malvar a O Globo na qual em minuciosa e fiel história da vida de Cavanelas mostrava a injustiça da denominação. Não era apenas o paredro feniano, o homem que assinava solenemente “o que faltar” para assegurar a presença de seu clube nas lides de Momo o alvo da distinção.

Prestava-se também e principalmente gratidão ao filantropo simples, infenso a honrarias, repelindo sempre o tratamento de conde que o Vaticano lhe outorgara por seus atos de benemerência.

(O Jornal, 3/01/65) 

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

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