quarta-feira, março 21, 2012

Cláudio Nucci

Cláudio Nucci, cantor, compositor, violonista e produtor musical, nasceu em Jundiaí, SP, em 09/06/1956. Criado em Campinas, SP, foi para o Rio de Janeiro na adolescência. Ex-integrante dos conjuntos Semente e Boca Livre, partiu para a carreira solo em 1980, lançando o compacto Quero Quero, seguido por outros discos individuais.

Em 1985 lançou o LP Pelo Sim, Pelo Não com Zé Renato, que teve duas músicas incluídas na trilha da novela Roque Santeiro, da TV Globo. Mais tarde fundou a banda Zil, que participou da edição do Free Jazz Festival de 1988 e gravou um disco, Zil, no mesmo ano.

No começo dos anos 90 trabalhou em parceria com a cantora Ithamara Koorax. Como compositor tem atuação destacada, e já teve dezenas de músicas gravadas por intérpretes como Nana Caymmi, César Camargo Mariano, Roupa Nova e outros. Como intérprete, participa de trilhas sonoras e discos.

Em 2000, relançou seu disco Casa da Lua Cheia, gravado em 1998 através de uma lei municipal de incentivo à cultura. No mesmo ano participou do disco Villa-Lobos Coração Popular, de Mario Adnet, e voltou ao Boca Livre, no lugar de Zé Renato, que decidiu dedicar-se integralmente à carreira solo.

Discografia

Discos de carreira:

Casa da Lua Cheia - Lua Discos - 2000
Ê Boi - Cláudio Nucci e Nós & Voz - Atração Fonográfica - 1995
Pelo Sim Pelo Não - Cláudio Nucci e Zé Renato - CBS - 1985
Melhor de Três - EMI-Odeon - 1984
Volta e Vai - EMI-Odeon - 1983
Cláudio Nucci - EMI-Odeon - 1981

Participações:

Banda Zil - Continental - 1987
Boca Livre - Boca Livre/Independente - 1979

Fonte: Clique Music

“Amor” morreu sem fita amarela

Amor (Getúlio Marinho)
“Amor morreu com pouco choro, pouca vela e sem fita amarela”. Um sambista, já da época em que tal designação era atribuída a todos os compositores de música popular, pediu um funeral simples: “quando eu morrer não quero choro, nem vela...“. E formulou seu único desejo: “quero uma fita amarela gravada com o nome dela.” Solicitação humilde, possível de ser cumprida, mas a qual, no entanto, deixaram de atender. Houve copiosos prantos, círios iluminaram seu corpo inerme e fitas de várias cores, cada qual com determinado nome, enfeitaram seu ataúde.

Um outro sambista, vindo dos tempos heróicos em que os chanfalhos dos meganhas dissolviam suas rodas de partido alto, raiado ou pesado, talvez esperasse merecer tudo isso: choro, vela e fita amarela. Deram-lhe, é verdade, mas pouco, parcimoniosamente. E assim, Getúlio Marinho, o Amor, morreu sem seus admiradores banhados de lágrimas, com apenas as clássicas velas de chama mortiça. E a fita que externava a saudade de Déia, sua companheira, era roxa, na cor convencional e de praxe.

“Amor” e sua tradição

Ao morrer, nos seus setenta e três anos bem vividos, sempre ligado ao samba que o atraiu desde menino e levado pelo próprio pai (conhecido pelo apelido de Marinho que Toca) Getúlio, o Amor, deixou firmada sua tradição. Não somente nas dezenas de músicas que ficaram gravadas em discos nas vozes de cantores famosos (Francisco Alves, Patrício Teixeira, Moreira da Silva, Luiz Barbosa), mas, principalmente, pela expressão melódica e rítmica de cada uma delas. Foi de fato, um dos autênticos valores da bossa velha, ou da velha guarda, ainda em plena validez, pois que a nova não conseguiu torná-la superada.

Criado nas casas das sempre rememoradas tias Bebiana, Gracinda, Assiata, e da não menos importante Calu Boneca, ali aprendeu e pôde, mais tarde, ser um verdadeiro sambista, sem artifícios ou contrafações. Recolheu também nos terreiros que freqüentou e no convívio com pais de santo de grande reputação (João Alabá, Assumano, Abedé) um punhado de pontos que transportou para os estúdios das gravadoras e teve como intérpretes Eloy Anthero Dias e Moreira da Silva. Deu desse modo, esplêndida contribuição para os estudiosos das seitas religiosas africanas e do folclore em geral.

“Cidadão Samba”, justo e merecido

Sambista na exatidão do termo, projetou-se igualmente nas lides carnavalescas como mestre-sala (baliza) e foi dos mais renomados entre os que na sua época exibiam-se com as garbosas porta-estandartes dos vários ranchos existentes. Exímio na coreografia, hoje totalmente deturpada nas escolas de samba que substituíram nos seus conjuntos a elegância, o donaire dessa personagem por um misto de acrobacia e exotismo dançante, jamais o esqueceram aqueles com os quais competiu: João Paiva, Olympio, Theodoro, todos ainda em atividade.

Portanto, quando por iniciativa da antiga entidade que congregava as escolas foi resolvido eleger-se cada ano o Cidadão-Samba, figura representativa de nossa música típica e alvoroçante, Getúlio Marinho teve, justa e merecidamente, a incumbência de em 1940, personificá-la. A primeira escolha recaíra, anos antes, no saudoso Paulo da Portela que, depois de sucedido por vários outros, viu um verdadeiro baluarte ostentar a dignificante faixa. Então, à frente de um triunfal cortejo que teve a participação de 44 escolas, o Cidadão-Samba Getúlio Marinho da Silva, recebeu a consagradora homenagem dos carnavalescos cariocas.

“Calma Gegê”, marchinha, depois ditério

Autor de inúmeros sucessos (Pula a Fogueira, Apanhando Papel, Na Favela, etc.) um deles feito em parceria com Eduardo Souto, avultou e, tomando conta da cidade, tornou-se em ditério das ruas. A princípio era a marchinha chistosa gravada por Jayme Vogeler e cantada antes, durante e depois do Carnaval: “Tenha calma, Gegê/ Tenha calma Gegê,/ Vou ver se faço/ Alguma coisa por você.” Depois, vitoriosa num concurso patrocinado pelo Correio da Manhã, em 1932, sobrepujando o O teu cabelo não nega, dos irmãos Valença e Lamartine Babo, passou a ser o dito, o gracejo em uso por toda a gente: “Calma, Gegê!”.

Sempre atento aos modismos, buscando no populário temas e títulos para suas peças nos teatros da Praça Tiradentes, três revisteiros, Djalma Nunes, Alfredo Breda e Amador Cysneiros, viram na frase atraente chamariz. Estreava, conseqüentemente, no palco do Recreio, ainda no eco da folia, em março de 1932, Calma, Gegê! interpretada por um elenco que tinha como estrela Otilia Amorim, dona de um público numeroso e sempre prestigiando suas exibições. Poucos anos mais tarde, ainda em voga o ditério, o Democrata Circo, em 1934, na Rua Figueira de Meio, apresentava em seu palco-picadeiro Tenha calma, Gegê!. A locução brejeira, feliz achado de Getúlio Marinho e seu parceiro Eduardo Souto, visando irreverentemente o chefe do novo governo instalado no país, estava consagrada ad eternum.

Pioneiro dos ranchos e das escolas

Doente, havia já bastante tempo, Amor (apelido que Getúlio Marinho trouxe da Bahia, onde nasceu) estava afastado dos meios do samba e do Carnaval. Ele que se iniciara nos ranchos com o renomado Hilário Jovino Ferreira e como mestre-sala formara no Rei de Ouro (1899), Quem fala de nós tem paixão (1915), Flor do Abacate (1917), Reinado de Siva (1920) e tantos outros ranchos, via pesaroso o declínio dessa modalidade recreativa nos festejos do tríduo de Momo. Saudou com entusiasmo o crescimento das escolas, mas lamentava que, pouco a pouco, deixassem de ser um cortejo de legítimos sambistas para se tornar em vistosos shows onde, felizmente, a melodia e o ritmo ainda estavam incólumes no martelar dos tamborins e no gemer das cuícas.

Pioneiro, da velha guarda do samba, morreu sem ter nos seus funerais as homenagens a que fazia jus e são prodigalizadas a outros valores surgidos na época do fastígio de nossa música popular. Uns poucos companheiros estiveram presentes ao seu enterramento e à missa que em sufrágio de sua alma, Planicéia Sampaio Ferreira (Déia), sua companheira de muitos anos, mandou rezar.

O Amor, confirmando o título acima, morreu com pouco choro, pouca vela e sem a fita que outro sambista determinou fosse amarela apenas para ter uma rima fácil, a calhar.

(O Jornal, 5/4/1964)
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Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.

Ismael era o samba na casa de Aníbal

Ismael Silva
Sempre que Ismael Silva chegava à casa de Aníbal Machado, na Rua Visconde de Pirajá n.° 428, as tertúlias domingueiras, constantes e bem concorridas, já estavam iniciadas e correndo em animados debates.

Mas à presença do compositor, então em franca voga com seus sambas cantados em toda a cidade, interrompia-se de pronto o sarau literário. Aníbal recebia-o com grande expansão (“salve o nosso Ismael!”) e provocava, conseqüentemente, igual acolhida de quantos se achavam na sala.

Às vezes Ismael trazia o violão debaixo do braço e era logo compelido amistosamente a libertar o pinho da capa que o enclausurava para iniciar o seu recital de sucessos.

Na maioria de suas visitas, porém, levava apenas a sua bossa e a elegância de uma roupa bem cuidada. Isto não impedia, entretanto, o êxito das audições, pois seus sambas interpretados com bastante expressão rítmica e melódica faziam delirar a audiência, provocavam os pedidos de repetição.

Um sambista "espoliado”

Usando-se o termo agora muito em moda, Ismael Silva, como quase todos os sambistas de sua época, foi um espoliado. Primeiro, a troco de reles cem mil réis (que nos idos de 1927 a 1930 já era micha) vendeu ao famoso Chico Viola algumas de suas composições. Depois, tendo como legítimo parceiro, Nilton Bastos, que com ele trabalhou letra e melodia de várias produções, foram os dois obrigados a dar co-autoria ao mesmo Chico para tê-las gravadas em discos.

Humilde, satisfazendo-o ouvir suas músicas cantadas na bonita voz de um grande cartaz, Ismael submetia-se. Acontecia, no entanto, que embora as transações de falsa autoria se processassem no cochicho, elas acabavam sendo quase de domínio público. Então quem ia às casas vendedoras pedia naturalmente: “eu quero o último disco do Ismael, aquele do “Me faz carinho”. Havia a espoliação, a co-autoria de araque, mas o nome de Ismael e de seu parceiro de verdade, o Nilton Bastos, flutuavam.

Prudentinho fã e cicerone

Entusiasta de nossa música popular, Prudente de Moraes, neto (que na crônica de turfe foi o Pedro Dantas, mas nos meios literários ainda hoje tem o tratamento amistoso de Prudentinho) é fã ardoroso de Ismael. Freguês da casa Ao Pingüim, na Rua do Ouvidor, aonde ia para ouvir e comprar as novidades em discos, principalmente as do compositor de sua preferência, foi ali que veio a conhecê-lo. O gerente Seu Oscar, sabendo da admiração de Prudente aproveitou um momento azado e fez a apresentação: “doutor Prudente, este é o Ismael Silva.”

Desde então ficou estabelecida a amizade entre o literato e o sambista. Aconteceu, porém, que Ismael durante muito tempo desapareceu das rodas que se formavam todas as tardes nas casas vendedoras de discos e Prudente só veio a reencontrá-lo poucos anos depois. A reaproximação deu-se no bar da Brahma, na Galeria Cruzeiro.

Aproveitando a oportunidade Ismael pediu a Prudente que, com as amizades importantes de seu meio intelectual, lhe conseguisse um lugar de Oficial de Justiça. Querendo satisfazer o que lhe era solicitado, Prudente levou Ismael ao Fórum, na Rua D. Manuel onde, na época, Aníbal Machado era Distribuidor de uma das Varas ali existentes.

Um sambista no sarau literário

Desejoso de atender ao velho amigo e, por igual, ver satisfeito o desejo do compositor a quem já conhecia bastante através de suas músicas (Olha, escuta, meu bem) Aníbal começou a diligenciar a respeito. Requintando a afabilidade acolhedora insistiu para que Ismael fosse à sua casa: “Todos os domingos, à noite, temos umas reuniõezinhas. Vá mesmo.” Os esforços de Aníbal foram infrutíferos, mas graças a Augusto Frederico Schmidt, pôde Prudente arranjar um emprego para Ismael onde este não se demorou muito.

Enquanto isto, animado pelo convite carinhoso que lhe foi feito naquela sala de uma repartição de fazer justiça, Ismael realizou sua primeira visita à casa n.° 487 da Rua Visconde de Pirajá. A festa com que o receberam, o agrado de seus sambas, cantados um após outro com palmas calorosas e exclamações de entusiasmo, obrigou-o a formular, pela madrugada, quando saiu, a promessa certa de voltar outras vezes. As tertúlias da casa de Aníbal Machado passaram a ter, desse modo, os atrativos que lhe eram costumeiros e a presença quase constante de Ismael Silva com seus sambas e seu violão.

Aníbal, entusiasta do populário

Se A Morte da Porta-Estandarte passou a ser um clássico da literatura sobre o Carnaval carioca, não se pense que Aníbal tivesse apenas essa manifestação (de escrita) pelo populário. As noitadas dominicais de sua casa, onde pontificava uma turma de intelectuais de várias tendências artísticas e ideológicas, tinham, invariavelmente, muito sabor simplório pela variedade dos participantes habituais. Fazia-se música de câmera, recebia-se um cantor erudito, homenageava-se um escritor famoso e, no meio de tudo, um sambista chegava e dominava a paisagem com suas produções espontâneas, de agrado pleno.

No seu linguajar transbordante de gíria (da qual ele tem um numeroso glossário) Ismael Silva, recordando saudoso os domingos da Rua Visconde de Pirajá, diz: “eu mandava meus sambas na casa do Dr. Aníbal!”. Depois, envaidecido do carinho com que o acolhiam, quer os residentes ou os visitantes, completa: “eu era um preto estimado por todos. Só vendo como a turma entrava bonito nos sambas que eu cantava. Eu dava a pala e todos faziam coro.”

Com isso, Ismael dá seu depoimento para ser juntado aos muitos que consagraram o terno, afável e muito humano Aníbal Machado.

(O Jornal, 15/3/1964) 
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Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.