Cândido Inácio da Silva (circa 1800 Rio de Janeiro - circa 1838 Rio de Janeiro), violista, cantor, poeta e compositor, foi considerado o mais talentoso autor de modinhas do Primeiro Reinado e nos legou boas amostras desse gênero musical, na forma como era praticado no século XIX. Embora tivesse conquistados os salões sofisticados do Brasil colonial no fim do século XVIII, a modinha era um tipo de música de alma popular, nascida nas ruas.
Falava de paixões, de perdas e de costumes de gente comum. Muitos modinheiros não tiveram educação musical formal, criavam suas canções à base de improviso e não tinham condições de colocá-las em partitura. Cândido Inácio, porém, não era um desses. Havia recebido treinamento musical na escola do Padre José Maurício Nunes Garcia, que pode ser considerado o primeiro grande professor de música do país.
Saudade, ingratidão e sedutores olhos femininos são temas comuns a muitas canções da MPB. Na música popular brasileira do início do século XIX não era diferente, como provam as composições de Cândido Inácio da Silva, a exemplo das intituladas "Cruel saudade", "Ingratidão" e "Duma pastora os olhos belos". Atuante como cantor (classificado como tenor), poeta e violista, ele foi considerado um gênio da modinha, estilo de música praticado por gente comum nas ruas já durante o século XVIII e originado da "moda" portuguesa, que era uma canção feita para o ambiente aristocrático dos salões, com uma ou duas vozes e acompanhamento de cravo. No Brasil, a viola era o instrumento mais usado para esse fim.
A modinha tinha uma sonoridade suave e romântica, frequentemente um caráter melancólico, compasso binário simples e fazia uso de cadências femininas. Ela apresentava, ainda, um ritmo sincopado, que veio da influência do lundu, outro gênero que remonta aos primórdios da nossa música popular. Originado do batuque dos escravos africanos misturado a elementos de danças ibéricas, como o fandango, o lundu também era praticado por Cândido Inácio da Silva. Uma curiosidade é que esse compositor nasceu em 1800, o ano da morte de outro grande nome da modinha e do lundu, Domingos Caldas Barbosa, responsável por ter levado esses estilos aos salões de Lisboa. Assim, por meio de Barbosa, a modinha brasileira acabou conquistando o ambiente de onde saíra a moda portuguesa, que a inspirara. Depois disso, em outra reviravolta, a modinha foi re-exportada ao Brasil em roupagem chique (com ares de ópera italiana), virando bem de consumo de nobres, burgueses e pobres.
Foi esse o contexto histórico que Cândido Inácio encontrou quando nasceu no Rio de Janeiro de 1800, embora haja alguma incerteza sobre sua naturalidade, já que um de seus contemporâneos, Manuel de Araújo Porto Alegre, o identificara como mineiro. De qualquer modo, Cândido teve sua formação musical no Rio, tendo aprendido teoria e canto num curso ministrado pelo padre José Maurício Nunes Garcia na Rua das Marrecas. Como instrumentista, tocava viola e integrou esse naipe na Capela Imperial a partir de 1827. Além disso, cantava em coros e participou, como cantor solista, das apresentações de várias obras importantes de seu mestre, como a "Missa de Santa Cecília", nas quais lhe eram confiados até difíceis trechos de coloratura. Também era visto soltando a voz em concertos de academias, interpretando árias de óperas.
Foi um dos fundadores, em 1833, da Sociedade Beneficência Musical, entidade que promoveu audições de obras de sua autoria, como as "Novas variações para corneta de chaves" e as "Variações para corne inglês, clarineta e flauta". Uma de suas últimas obras se chama "Hino das artes" e foi executada em 1837, numa récita de gala no Teatro Constitucional Fluminense, pelo aniversário de D.Pedro II. Cândido Inácio morreu no ano seguinte, aos 38 anos. O musicólogo Mário de Andrade o considerava o "Schubert brasileiro", em referência ao genial criador de canções da Áustria, também morto precocemente.
As modinhas mais populares de Cândido Inácio foram "Busco a campina serena" e "Quando as glórias eu gozei", esta citada no famoso romance "Memórias de um sargento de milícias" (1854). Também é digno de menção o seu lundu-canção "Lá no Largo da Sé" (com letra de Manuel de Araújo Porto Alegre), que foi considerado por Mário de Andrade um dos "marcos históricos mais notáveis" desse gênero e uma peça importante "na evolução da música brasileira", por não exibir o "eruditismo imposto e importado" presente em outras obras da época, fato explicado pela influência lusitana na modinha de então.
Obras
A hora que não te vejo, A saudade, Batendo a linda plumagem, Bem te quero, Busco a campina serena, Cruel saudade, Doze valsas para piano, Duma pastora os olhos belos, Francesa, Gentil baiana, Hino das artes, Impere dentro em meu peito, Ingratidão, Josefina, Lá no Largo da Sé, Mariquinha, Minha Marília não vive, Noiva, Nova variação para corneta de chaves, Quando as glórias que gozei, Um só tormento de amor, Variações para corne inglês, clarineta e flauta, Variações para trompete e orquestra, Viúva.
Fonte: Eduardo Fradkin (http://www.musicabrasilis.org.br); Dicionário Cravo Albin.