Deus zombeteiro, pândego, amante da galhofa, filho do sonho e da Noite, e que por seu comportamento irreverente foi expulso do Olimpo, como informa a mitologia, Momo é representado levantando a máscara e tendo na mão o cetro da soberania. Foi exatamente assim que o caricaturista Henrique Fleiuss o figurou em 1862 na sua Revista Ilustrada.
Muitos anos mais tarde, em maio de 1913, quando se exibia no Circo Spinelli, no boulevard 28 de Setembro, a peça Cupido no Oriente, o famoso palhaço negro, além de ser o autor interpretava o papel do ‘galhofeiro Momo’. Apresentado em traço caricatural, feito personagem teatral num picadeiro e depois concebido como ‘rei’, o carioca resolveu trazer esse alegre ‘monarca’ para presidir os festejos carnavalescos. Primeiramente exibiu-o como um boneco de papelão, que desfilou pela nossa principal avenida aclamado e alvejado por serpentinas. Depois, em carne, osso e gordura, fez igual passeio e teve a mesma recepção festiva.
Agora, neste expirante 1967, após o ‘soberano da folia’ ter sido encarnado por turfista, pasteleiro, jornalista, publicista e até agente funerário, a lei nº 1.455, de 12 do mês findo, dá-lhe foro oficial, conforme dispõe em quatro artigos e parágrafos. Teremos, já no próximo Carnaval, um Momo com 100 quilos (ou mais), medindo o mínimo de 1 metro e 65 centímetros e maior de 21 anos (sem exceder os 50).
Juntando-se ainda ao rol das exigências “ser portador de reconhecida idoneidade moral, exercer qualquer função condizente com a dignidade humana” e “apresentar atestado de saúde recente”, afora “possuir espírito carnavalesco comprovado”. Requisitos não muito fáceis de atendimento total, capazes de provar quanto custa a um ‘rei’, mesmo de brincadeira, pôr uma coroa que o sambista afirma “não ser de ouro, nem de prata, mas de simples lata”.
Nasce um ‘rei’
O primeiro Rei Momo não nasceu em maternidade alguma. Sua delivrance aconteceu na praça Mauá dentro da redação de A Noite em janeiro de 1933. Vasco Lima, gerente do movimentado vespertino, Fritz (Anísio Mota), caricaturista e mais o Palamenta (Edgard Pilar Drummond), cronista de esporte, e de Carnaval, foram os criadores do ‘monarca’.
Francisco Moraes Cardoso, redator de turfe, altão e gorducho, ao ser convidado por Vasco para representar Momo ao vivo topou prontamente a idéia. Como, devido ao volume do escolhido ‘rei’, não encontrassem em A Bola de Ouro (que alugava fantasias e roupas de gala) indumentária capaz de acondicionar altura e gordura do ‘soberano’, Fritz incumbiu uma costureira de teatro de confeccioná-la.
Na noite de 18 de fevereiro de 1933, Moraes Cardoso figurando com vistoso vestuário (inclusive coroa e cetro) S.M. Rei Momo, Primeiro e Único desembarcava com grande solenidade do vapor Mocanguê, alegando estar chegando de um país imaginário. O numeroso povo que A Noite em sucessivas notícias (escritas pelo hoje ‘imortal’ Raimundo M. Junior e pelo Palamenta) fez convergir para a Praça Mauá, com vivas e palmas recebeu calorosamente aquele que vinha reinar em nosso Carnaval.
Dali, Rei Momo refestelado em bonito carro a Daumont (que muitas vezes servira ao barão de Rio Branco e fora trazido de Petrópolis por Vasco Lima) rumou pela avenida Rio Branco num grande cortejo sempre sob aplausos entusiásticos. Estava então criado a personagem real que desse ano em diante veríamos presente em toda a temporada carnavalesca pontificando nos bailes, participando dos desfiles. E, como é natural, dando autógrafos, lançando proclamações folgazãs, designando-se na primeira pessoa do singular: “Eu, Rei Momo, resolvo, determino, ordeno...“
Outros ‘reis’ nasceram
Com a morte de Moraes Cardoso, depois de ter sido durante alguns anos Rei Momo, em companhia de seu secretário Pipoca (o ator Henrique Chaves) firmou-se a tradição no Carnaval carioca da continuação da figura do ‘soberano’. Sucederam-no, portanto, novos ‘reis’, dentre os quais Gustavo de Matos, Nelson Nobre, Joaquim Menezes, Abrahão Haddad e outros. Todos eles apresentaram como característica principal para a personagem a gordura e relativo espírito carnavalesco. Procuraram também observar o desembaraço e a movimentação necessária a um ‘monarca’, que, muito solicitado, tinha de participar de todos os eventos da época sob seu reinado. Agora, depois de haverem reinado vários Momo, eleitos ou escolhidos sem formalidade alguma, vai-se entronizar um oficialmente e até com atestado ou carteira de saúde.
Entregue a eleição do futuro Momo a cinco juízes que, em comissão, vão verificar o exato cumprimento do determinado na lei aludida, espera-se não apenas um ‘rei’ barrigudo (100 quilos) e alto (1m65). O importante e, parece, mais difícil, será a comprovação do ‘espírito carnavalesco’, coisa bastante rara no Carnaval destes últimos tempos, carente de humorismo, de galhofa, sem críticas e glosas nas suas realizações e muito preocupado com luxo e alegorias.
Foliões do estofo de um Roxura, Gostoso, Morcego, Peru dos Pés Frios, Jamanta, Mirandela, Bicohyba, Caribé, Chaby e mais alguns, já não existem. K. Veirinha e Chico Brício (do Bola Preta), Júlio Silva (do Bloco Eu Sozinho), Braguinha e poucos comprovadamente carnavalescos, na certa não terão interesse em ser Rei Momo sob medida do peso, de altura e com carteira de saúde. E teremos, ao que se prevê, um ‘rei’ de quase dois metros, gordão, saudável, mas de ‘espírito carnavalesco’ precariamente comprovado.
(O Jornal, 19/11/67)
______________________________________________________________________Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.