sábado, dezembro 07, 2013

Manezinho Araújo - Dicionário Ilustrado

Manezinho Araújo — Cem quilos bem arredondados de simpatia — veio de Pernambuquinho Imortal depois de ter se tornado lá um continuador de Minona Carneiro, o grande fazedor de emboladas do nordeste. Manezinho veio numa época mais amena, quando o rádio ainda era uma criança. Francisco Alves ganhava cachê de 30 mangos, e ninguém rasgava as calças do Cauby Peixoto.

Manezinho fez sucesso cantando emboladas e transformou-se num dos maiores cartazes da música popular da época.

Foi mesmo o primeiro artista contratado com exclusividade por determinado patrocinador. Mas depois começou a chegar leva de nordestino. Vinha nordestino de Petrópolis (como o Luiz Vieira), vinha nordestino do Largo da Cancela (como o Jair Alves, que chama a gente de cabra da peste mas que do nordeste só conhece uma folhinha de um armazém de Olinda, que Fernando Lobo deu a ele de festas). Foi aí que Manezinho Araújo viu que a coisa estava com cara de macaco, e disse em casa: — “Eu vou saltar aqui”.

E de fato saltou. Saltou do rádio e nunca mais voltou. Trocou, inclusive, o disco pelo prato, fundando o Restaurante Cabeça Chata, onde passou a faturar melhor com vatapá e frigideira de siri.

Meio sobre o visionário, um dia estava jantando o Álvaro Lins com uns amigos. O hoje embaixador tomou calibrina demais e recebeu um santo protetor. Chamou Manezinho e disse que ia dar um jeito para que lhe fosse concedido um terreno na Lagoa, onde o Manezinho faria um novo e definitivo “Cabeça Chata”. Manezinho estava mais por fora que chefe de repartição e chegou a acreditar mesmo que o Álvaro Lins fosse de fazer alguma coisa pelos outros. Entusiasmou-se com a ideia do novo “Cabeça Chata”, traçou planos, comprometeu-se e, quando viu que tudo era bafo de boca, “se queimou se” e resolveu fazer a coisa na raça, fundando a “Angúbras’, isto é, uma Sociedade Anônima para construção do novo restaurante, com terreno pago e museu de folclore.

Aos poucos a coisa vai indo. Breve Mané inaugura a casa nova, para a devida reação contra os reacionários do tempero, que preferem “petit pois” a farofa de boião. Stanislaw não duvida do sucesso dele não.

Porque Manezinho é assim, quando toma uma resolução, toma com limão.


Fonte: Dicionário Ilustrado — Texto de Stanislaw Ponte Preta — Desenho de Lan — Jornal "Última Hora", de 15/01/1958.

Araci de Almeida - Dicionário Ilustrado

Araci de Almeida, segunda pessoa focalizada neste “Dicionário Ilustrado”, ao contrário da primeira — Ari Evangelista Barroso, que não é tão evangelista assim — é evangelista até a alma. Filha de pastor protestante, nascida no Méier e apaixonada por Vila Isabel e residente em São Paulo, Araci vai mantendo há anos uma dignidade artística invejável, cantando com sobriedade e com bossa, sendo talvez a mais brasileira das cantoras brasileiras. E isto quem afirma não é nenhum filho de jacaré com cobra d’água. É o conhecido e aplaudido escriba Stanislaw (o caloroso).

Amiga dileta do samba, Araci vive também para catequizar os hereges tendo mesmo, certa vez, afirmado: “Eu não sou Anchieta não mas já catequizei muito índio”. Aliás, em matéria de frases célebres, a boa Araci goza de fama somente comparável à de Tia Zulmira, veneranda senhora residente em aprazível casarão da Boca do Mato. A respeito do Eclesiastes, que já leu uma centena de vezes, Araci explicou a Stanislaw: “Tu deves ler, neguinho. Aquilo é puro existencialismo”.

Cantando ou falando, o fato é que Araci de Almeida é personalíssima e detesta imitadores, mas nem por isto deixa de tratar bem a todos, legionária que é da Boa Vontade, sendo portanto seguidora de Alziro Zarur — o que nasceu em Marte.

Dentre as maiores provas de carinho e afeição que vem recebendo através de todos estes anos de longa carreira artística, destacamos a que recebeu recentemente em São Paulo, quando da passagem de seu 40° aniversário, houve uma festa e compareceu gente de tudo que foi jeito, culminando a coisa quando deu entrada no recinto o próprio governador do Estado que, por sinal, não fora convidado. O homem entrou, dirigiu-se para ela e disse: “Vim pessoalmente apertar a mão da maior cantora popular do Brasil”. Araci sorriu encabulada e respondeu sincera: “Governador, isto são lantejoulas de sua parte”.

Assim é Araci de Almeida! O samba em pessoa!


Fonte: Dicionário Ilustrado — Texto de Stanislaw Ponte Preta — Desenho de Lan — Jornal "Última Hora", de 08/01/1958.

Ari Barroso - Dicionário Ilustrado

Ari (Evangelista) Barroso, que não é tão evangelista assim como à primeira vista possa parecer, nasceu em Ubá (MG), foi menino lá e rapazola também. Depois embarcou para o Rio de Janeiro e foi tocar piano em cinema mudo (segundo o “show” Mr. Samba).

Dentre as suas atividades mais importantes constam: a locutagem esportiva (Ari é Fluminense doente, mas finge de Flamengo há muitos anos), a música (é o compositor mais popular do Brasil) e a direção de um programa de calouros onde, quem não sabe o nome do autor não canta.

Já foi ao estrangeiro com uma orquestra que ele mesmo formou e regia. Esteve no México, no Uruguai e passou quase seis meses em Buenos Aires. Quando voltou estava chamando janela de “ventana”.

Sua grande paixão é mesmo a música. O samba, principalmente. Já fez com telecoteco, já fez abolerado e já fez de exaltação, sendo que neste setor lançou o célebre “Aquarela do Brasil”, onde o coqueiro dá coco. Chamou o Brasil de “mulato inzoneiro” e, por causa disso, teve uma briga feia com Flávio Cavalcanti o Lacerdinha do Samba, quando este fez ver ao mundo que “mulato inzoneiro” é a mesma coisa que “mestiço intrigante”. Ari ficou uma fera e quando Flávio quis reconciliar, prometendo publicamente ir à casa de Ari em visita de cordialidade, comprou um cachorro policial enorme, para atiçar em cima do visitante.

Assim é Ari Barroso! O maior compositor popular do Brasil!


Fonte: Dicionário Ilustrado — Texto de Stanislaw Ponte Preta — Desenho de Lan — Jornal "Última Hora", de 07/01/1958.