quinta-feira, janeiro 09, 2014

Carmen e Aurora Miranda

Carmen Miranda - 1936
“Acabaram de ouvir Carmen Miranda...” — anuncia César Ladeira, na PRA-9. “Escucharán em seguida Aurora Miranda...” — diz o “speaker” da LR-3 de Buenos Aires. E são assim as irmãs Miranda: conhecidas e queridas do público, no Rio e em Buenos Aires. Melhor, no Brasil e na Argentina.

E ao que se diz, brevemente, elas serão anunciadas da seguinte maneira: “Now listen Carmen Miranda...” e “Maintenaut vous allez entendre Aurora Miranda...”. É que a América do Sul já está se tornando pequena para as duas incansáveis estrelas cariocas.

Carmen Miranda é, hoje, a maior das nossas estrelas de rádio. É, também, a mais antiga, pois, desde 1928 que a sua voz é ouvida através os microfones da cidade.

Foi lançada pela Victor em parceria com Josué de Barros, quem primeiro a ensaiou e orientou. “Yayá Yoyô”, “Ta-hi”, “Vamos dar valor” e algumas outras músicas, foram das primeiras gravações de Carmen que já começava absoluta, isto é, sem rivais.

Neste tempo, pode-se dizer que a música popular era interpretada, exclusivamente, por cantores. Havia, é verdade, cantoras, mas estas, não se dedicavam ao samba e a marchinha. Limitavam-se a interpretar canções. Carmen Miranda foi, pois, uma revolução. Foi a luva que o samba jogou à canção. E o resultado não se fez esperar: a canção foi, fragorosamente, derrotada e o samba passou a dominar a cidade. As músicas que Carmen lançava e gravava eram conhecidas desde Ipanema até a Tijuca. Eram cantadas, assobiadas e cantaroladas.

Começou então, o segundo período de sua carreira, talvez o mais glorioso e que se prolonga até hoje: a imitação. Diante do sucesso de Carmen, as outras cantoras da cidade, não tardaram em imitá-la. Ao invés de procurarem criar estilos próprios, pessoais, limitavam-se a imitar a dona de um “jeito” todo especial de cantar e que possui, como ninguém, em alto grau, o senso da interpretação.

Aurora Miranda em 1936
Aurora Miranda, tem uma carreira mais curta. Apareceu em 1933. Logo de início, obteve grande sucesso com “Cai, cai, balão”, de Assis Valente. Daí por diante, tem tido grande sucesso, quer no Rio, quer em Buenos Aires.

Carmen e Aurora partem agora, novamente, para Buenos Aires. Terão, na capital portenha, uma estada de mês e meio. Levam, no seu repertório, as últimas novidades do Rio e todos os grandes sucessos do último carnaval — músicas lançadas por elas, ou por outros cantores.

— Levamos um repertório, inteiramente novo para Buenos Aires e esperamos agradar — disseram as duas encantadoras estrelas, a CARIOCA.

E assim, ficará o Rio, privado, por algum tempo, das duas vozes que ele mais admira. Na volta de Buenos Aires, após curta permanência nesta capital, pretendem, as duas, seguir para a Europa, visitando Lisboa, Paris e outras cidades.

CARIOCA prevê, desde já, para as irmãs que tanto têm feito pela nossa música, grandes êxitos. Habituados como estamos, a ver os sucessos no estrangeiro, de criaturas que aqui são autênticos fracassos, temos que esperar das Irmãs Miranda, uma brilhante atuação, pois, não lhes faltam qualidades para isso.

E, por certo, não estamos muito longe do dia em que ouviremos, numa “broadcasting” parisiense ou londrina, através das ondas curtas, as vozes simpáticas e amáveis das “Embaixatrizes do Samba”, que virão matar as saudades dos seus fãs do Rio, que são todos os habitantes da capital brasileira."


Fonte: CARIOCA, de 2/4/1936 (fotos e texto atualizado).

Custódio Mesquita é assim...

Custódio com sua mãe - 1936
O pianista das moças — como o classificou um dia alguém que se deteve a olhar a figura bonita e a expressão sentimental de Custódio Mesquita. Ele é o homem que anda sem chapéu — talvez porque possua uma expressiva cabeça — e também porque é um crime guardar muito talento dentro de um “palhinha” banal.

— Os jornalistas são grandes diplomatas — disse Custódio quando CARIOCA foi bisbilhotar a sua vida — sempre dizem coisas amáveis, quando não fazem inteiramente o contrário.

Custódio é o homem das frases imprevistas.

— Nasci precisamente no dia em que vim ao mundo — isso há vinte e tantos anos. Se vocês virem pelas ruas um guri chorão, amigo da mamadeira e de fazer grandes pirraças, podem fotografá-lo e publicar como sendo eu... Fui igual a todas as crianças assim. As minhas maiores originalidades foram estudar piano com fúria, já crescidinho, e servir de sacristão numa igreja. Depois mudei de hábitos — comecei a fazer coisas banais: namorar pequenas bonitas, sonhar alto com um amor verdadeiro e alimentar a esperança de guardar a felicidade nas mãos. Quem alimenta a esperança morre de fome. Descri da felicidade e fiquei com os momentos alegres.

Custódio é muito loquaz. Sozinho entretém um auditório inteiro, fazendo “blagues” e mudando constantemente de assunto. Custódio fez amizade com Ramon Novarro, que cantou aqui no Palácio sua marcha “Se a lua contasse” ... Ramon escreve, de quando em quando, para Custódio Mesquita e, agora mesmo, de Londres, desmente a notícia de seu fracasso e miséria. Vai muito bem, trabalhando no teatro com Doris Kenyon, e agora vai filmar na Inglaterra. Mas, passemos sobre isto, o que interessa, agora, é Custódio.

— Quem vive sempre na cidade acaba intoxicado — diz ele — pela poeira das ruas, pelo movimento humano que parece intervir no próprio ar. Eu passei esses últimos meses longe do Rio.

Olhamos o novo Custódio Mesquita — legítimo Tarzan, como o classificou Cesar Ladeira.

— Trouxe músicas novas?

Custodio sorriu.

— Aponte canções para Elisa Coelho: “No tempo do imperador”, “Porque”, “Lamento”, “Canção de uns olhos tristes”. Compus para João Petra de Barros: “Se eu pudesse falar”, “Conheço um lugar onde se sonha”, “Almofada de cetim”. Para Aurora Miranda: “Juntei meus trapinhos”, “Passe bem”, “Quem te fez assim tão prosa” e “É noite”, sambas e marchas. Carmen Miranda lançará: “Cuíca e tamborim”, “Pretinho” e “O que os olhos não veem...”.

Custódio Mesquita durante os oito meses em que esteve afastado do meio radiofônico deu inteira expansão aos seus instintos artísticos.

— No meio do mato, um plano, um cachorro.

— E a vida aqui, Custódio?

— É simples. Café pela manhã, durante o dia... quanta coisa a gente faz num dia?!

Custodio até certo tempo dormia quase de manhã. Acordava às 13 horas e até essa hora não existia para ninguém.

— Não gosto de atender telefones. Às vezes são criaturas que inventam coisas incríveis: imaginam até traçar o programa dos nossos atos durante a tarde ou à noite.

Ele preza a liberdade acima de tudo.

— Um homem livre vale por uma população inteira. Atualmente só tenho um compromisso: o meu contrato com a Mayrink Veiga, com a nova PRA-9. Estrearei na estação moderna.

Uma originalidade. Custodio prefere passear, conversando com amigos — O “Bando da Lua”, etc. — a contemplar a natureza ou fazer declarações apaixonadas.

— Por que?  — perguntamos.

— Porque já passei da idade das ilusões pueris. Porque sou um cidadão desencantado que procura fugir da vida para criar um mundo próprio, interior. Porque...

Ele ia explicar mais. Depois mudou de assunto.

— Gosto de cinema mas somente os filmes de boa música. Prefiro, porém, os “desenhos animados”. Não gosto de cores berrantes. Prefiro a tristeza do lilás, a nostalgia de uma cor sem opinião.

— Mas você é alegre ou triste?

Ele teve um sorriso de esfinge.

Custódio é secretário da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e vice-presidente da Casa dos Artistas. Por esse motivo não quis referir-se as suas recentes composições musicais para o teatro. Podemos adiantar que são duas.

O pianista das composições tristes ou alegres, mas todas bonitas, não conhece o Custódio Mesquita que anda por aí. Este é um cidadão paradoxal: que não crê na ilusão, mas procura fugir da vida. Prefere a alegria e vive sempre com os olhos cheios de sonhos. Tem outra particularidade: dedica um carinho imenso a sua mãe e é inteiramente devotado ao lar.

— No entanto gosto da liberdade das ruas. Prefiro viver sempre preso dentro da minha liberdade...


Fonte: CARIOCA, de 11/04/1936 (fotos e texto atualizado).