"O ideal do cantor de rádio é perpetuar a sua voz no disco. A gravação encerra o desejo do público em tê-lo permanentemente a mão, sem depender da programação do rádio, das perturbações atmosféricas que nas longas distâncias dificultam a audição do astro e das mil e uma dificuldades consequentes da transitoriedade da irradiação.
A gravação, enfim é a consagração do artista, a meta da sua carreira e, quando ele não tem personalidade bastante para garantir o prestígio, o seu fim. O disco, ou populariza definitivamente ou mata o artista.
A cotação enorme de Francisco Alves, Carmen Miranda, Sílvio Caldas ou Almirante, foi produzida mais pelo disco do que pelo microfone. Entre os artistas brasileiros mais beneficiados pela gravação acha-se Alda Verona, elemento veterano do nosso rádio ao qual pertence desde os seus primórdios.
Interpretando um gênero altamente simpático, que é o da canção que não sendo totalmente popular também não é absolutamente pertencente à espécie fina, Alda Verona consegue, mercê da sua bela voz e de sua excelente dicção, tornar interessante qualquer melodia que interprete, por mais ingênua que seja a sua composição. A artista que aqui focalizamos hoje tem a inteligência de escolher para as suas gravações, não somente as páginas de música bonita mas também aquelas cujas palavras sejam de molde a produzirem no ouvinte um máximo de sugestão.
Suas gravações são notáveis de romantismo.
Voltando agora de Pernambuco, onde esteve pela segunda vez especialmente contratada para cantar na PRA-8, Alda Verona esteve em nossa redação.
— É sempre agradável rever o meu querido Rio de Janeiro, embora o Norte seja lindo e todo ele pitorescamente cheio de cor local. Mas o Rio é uma cidade única, insuperável. As paisagens cariocas têm o dom maravilhoso de não se tornarem vistas demais, mesmo por aqueles que a contemplam durante toda vida. Sempre morei à beira-mar, percorrendo diariamente a zona que liga Copacabana à cidade: descubro todos os dias um encanto novo, uma nova tonalidade luminosa nos aspectos panorâmicos que me maravilham há tanto tempo.
— Quais as suas impressões sobre Pernambuco artístico?
— Pernambuco como todo o Norte brasileiro, faz por te garantir no conceito que todo o país forma das suas possibilidades intelectuais. Por isso produz sempre, conseguindo o seu "desideratum".
— Musicalmente? ...
— Autores que escrevem para o gênero que interpreto são inúmeros no Norte, e todos interessantes. Mas é mister citar os dois de minha preferência, cujos nomes já estão sendo divulgados no Rio: os pernambucanos Nelson Ferreira e Waldemar de Oliveira; são dois artistas cuja inspiração é das mais ricas. Trago para o Rio, integrando o meu repertório, algumas produções desses pernambucanos inteligentes. Possivelmente gravarei essas lindas canções do Norte, proporcionando-lhes a divulgação que merecem.
— No Brasil quais os compositores que prefere?
— Joubert e Sivan.
— E fora do Brasil?
— Os compositores de opereta que é o gênero musical de minha preferência. A opereta a gente não sabe perfeitamente se é um espetáculo exclusivamente musical, ou teatral ou coreográfico. Porque reúne em si todas essas formas de arte da maneira mais evidente. Jamais trabalhei no teatro, mas se o fizesse seria cantando operetas.
— Como começou no rádio?
— No tempo da velha Rádio Sociedade. Minha professora Eloísa Mastrangiolli, costumava cantar periodicamente ao microfone daquela estação; não digo contratada, porque naquele tempo não eram pagos os artistas de rádio, pois as estações, incipientes, não tinham verba para tanto; os dias iniciais do nosso rádio foram feitos com o sacrifício de muitos. Mas devo contar como comecei no rádio. Eloísa Mastrangiolli, tendo fixado um programa à última hora, não pode executá-lo porque adoeceu subitamente. Solicitou-me o auxílio e eu cantei no seu lugar. Cantei e continuei cantando até hoje. No rádio fui, também, "speacker", me encarregando de diversos programas.
— Como começou a gravar?
— Minha voz, muito própria para o microfone, chamou a atenção dos técnicos que me convidaram para gravar. Venho de cantar para a fábrica Odeon uma série de discos que servirão especialmente para propagar a música brasileira no estrangeiro. E fico contente por saber que assim posso ser de utilidade para o Brasil.
E nós também, porque sabemos perfeitamente que a divulgação melhor de nosso país é feita mais pelos elementos artísticos que pelos diplomáticos. A diplomacia é convencional e a arte é humana."
Fonte: "Carioca" — revista semanal, de 28/8/1937.