Roxane (Lucy da Silva Prado), cantora, nasceu em Santos, SP, em 26 de janeiro. Estudou no Mackenzie College de São Paulo. Estreou-se no rádio na Cruzeiro do Sul, da capital paulista, em setembro de 1934. Cantou também na Rádio Cosmos e foi exclusiva da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde cantava "foxes", blues e canções francesas.
Sua canção predileta era "Chez moi" e dentre os foxes destacava "Solitude". Paulista fanática, não permitia que se falasse mal de S. Paulo em sua presença ...
Figuras de Cartaz
“Roxane não se chama Roxane. O nome dela é outro muito diferente e trezentas vezes menos complicado e mais brasileiro. Não me lembro qual é no momento, mas deve ser semelhante ou pouco mais ou menos parecido com Antônia Perpedigna da Fonseca. Compreendendo, porém, que no rádio o nome é tudo, ela resolveu arranjar esse apelido em francês, que, aliás, diga-se de passagem, lhe fica muito bem. Seu antigo nome não dava certo. Imaginem se o “speaker” a cada momento fosse obrigado a dizer, por exemplo:
— “Acabaram de ouvir D. Antônia Perpedigna da Fonseca ...”
O ouvinte meio desconfiado, torceria o “dial”:
— “Ora, D. Antônia ... Isso é lá nome que se use! ... Parei convosco ...
No “broadcasting” o nome é o próprio artista. Imaginem se Alzirinha Camargo se chamasse Marcolina Ferreira ... Poderia cantar qual um rouxinol ou uma patativa. Ninguém a levaria a sério com semelhante “epitáfio”. Se a Carmen Miranda se chamasse Joaquina de Vasconcelos estaria condenada a nunca voar para o Chile, nem Buenos Aires. Da mesma forma se o Chico Alves tivesse o nome de Bonifrates Assumpção, estaria irremediavel- mente perdido. Quando ele abrisse o peito para uma serenata daquelas, o amigo ouvinte iria logo atalhando:
— “Qual, seu Bonifrates ... Cuide de outra coisa. Páre com essa cantiga. Não amole a paciência alheia ...
Está, pois, demonstrado que o nome influi bastante no sucesso. Roxane fez muito bem em mudá-lo.
Continuemos a falar dessa morena paulista que nasceu em Santos e vive no Rio porque acha a Guanabara mais formosa do que Guarujá.
Encontrei-a pela primeira vez na praia do Flamengo. Havia muito sol e de vez em quando a ressaca espadanava espuma por cima da amurada. Eu e Sylvinha Mello presentes no local para fazermos umas fotografias, dissemos várias vezes:
— “Roxane, saia daí, senão você se molha nas águas do mar ...”
Ela, teimosa como trinta, queria à força se debruçar no cais para ver um homem que (dizia ela) estava morrendo afogado.
— “Deixe o rapaz afundar sossegado ...” — insisti eu.
— “Não tem importância — disse a Sylvinha — é um homem somente. Se fosse mulher ainda valia a pena salvar ...”
Todos olhávamos agoniados para as ondas inquietas e depois de muito olhar chegamos à conclusão de que Roxane estava inventando história. Não disse nada porque ela poderia não gostar. E enquanto nós caminhávamos para fazer outras fotos a cantora de “blues” ficou teimando em dizer que um homem se afogava dentro d’água. Insistia em espiar a curva da enseada. Foi-se chegando para o gradil de cimento. Foi-se aproximando mais. Mais... Nesse momento veio uma ressaca daquelas que ergue um leque branco da altura de um poste. A curiosa pagou com um banho o seu noviciado no posto de “life guard”. Nós nos rimos bastante e a paulistinha morena ainda riu mais do que nós.
Roxane é assim. À primeira vista se tem a impressão de que ela é uma pequena misteriosa e complicada. Observando-se melhor chega-se à conclusão de que houve equívoco de nossa parte. Ela não é complicada: é complicadíssima. Mas não é misteriosa. Quando julga-se que está zangada, está mais alegre do que nunca. Muitas vezes a gente julga que ela está contente, quando está com o coração de guarda-chuva armado.
Certa vez um cronista achou-a um tanto romântica. Roxane ficou indignada e protestou. Como estivesse presente, perguntei:
— “E você é mesmo romântica?”
— “Nunca! Deus me defenda ...”
Ergueu os olhos e suspirou longamente enquanto eu ficava abismado.
É uma criatura estranha, porém muito bondosa. Toda vez que um réporter vai entrevistá-la, ela oferece doce, queijo, uma cadeira, um copo d’água e um palito.
Gosta muito ... da música europeia porque é obrigada a cantá-la nos seus contratos com a Tupy. Sua mania, porém, é o fox-trot americano. Interpreta-o sempre que lhe é possível. Interpreta direitinho. Sua voz nem é de contralto e nem de contrabaixo. É de meio-soprano. Mas isso não tem importância. Há muita gente por aí que chega a ser soprano lírico e não reclama.
Como dizíamos a princípio, Roxane não se chama Roxane. O nome dela é outro, quinhentas vezes menos complicado e mil vezes mais brasileiro. O verdadeiro nome dela (agora me lembro) é Lúcia Prado e não Antônia Perpedigna da Fonseca. Ela prefere Roxane. E uma vez que quer assim, o melhor é deixar como está. Não faz mal. Ela fica sendo Roxane mesmo. Não há ser nada ...”
Escrito por Theophilo de Barros
Desenho de Augusto Rodrigues
Fonte: CARIOCA, de 7/11/1936 e 14/8/1937.