sábado, março 24, 2012

Cidade Maravilhosa não nasceu hino

André Filho
Cidade Maravilhosa não nasceu hino nem com pretensão a tal. André Filho, o autor, compositor de música popular, já trazendo em sua bagagem alguns sucessos, concebeu-a, como se depreende da letra e ritmo, na característica apenas de alegre marchinha glorificante. O agrado que prontamente logrou, graças à espontaneidade de sua melodia e de seus versos, tornando-a popularíssima, acabou, no entanto, dando-lhe o galardão de hino. Não dentro da exegese de uma temática musical e poética, mas pelo seu exato sabor de glorificação simples, sem rebuscamentos, exaltando apenas a cidade que a inspirou.

Depois, consolidada pela preferência popular, a marchinha ganhava diploma legal, concedido pela vereança carioca, e que determina sua adoção “como marcha oficial da Cidade do Rio de Janeiro”. Conseqüentemente, embora não havendo rígido preceito obrigatório, dá cunho de solenidade à sua execução no início e término de bailes e festas, afora sua utilização como prefixo de programas de rádio e televisão. Havendo, ainda, acrescida ao seu sucesso local, a ampla divulgação que tem no exterior através de múltiplas gravações, inclusive na China, com a respectiva adaptação de seus versos.

Uma frase que “pega”

A rigor, no cotejo cronológico, não foi (como bem esclarece Almirante em No tempo de Noel Rosa) o compositor Antonio André de Sá Filho o criador da frase “cidade maravilhosa”. Paulo Coelho Netto, por justiça e direito, apontou e reivindicou para seu pai a paternidade da feliz denominação, pois ela é encontrada num artigo do consagrado escritor publicado por A Notícia em 1908. Mas, inegavelmente, quem a reviveu, em 1932 a 1934, foi o locutor César Ladeira quando lia diariamente, crônicas escritas por Genolino Amado focalizando aspectos do Rio e subordinadas à epígrafe Cidade Maravilhosa.

A cuidadosa dicção, a pronúncia propositadamente escandindo as sílabas da frase que dava motivo às apreciadas digressões literárias interpretadas por tão excelente speaker, fizeram a denominação correntia e usual. A denominação de maravilhosa dada ao Rio de Janeiro pegou de galho como se diz na gíria. Daí ocorrer a um musicista (no caso André Filho) que dedica as suas produções ao êxito popular, tomá-la como tema para uma marchinha alegre, despretensiosa, com o fito de exaltar a sua cidade “cheia de encantos mil!”. Feita com habilidade, tendo todos os predicados para ser apreendida facilmente, foi cantada por todo o povo e acabou obtendo as prerrogativas de um autêntico hino.

Pretendeu ser carnavalesca

Lançada em outubro de 1934, na interpretação de Aurora Miranda e do próprio autor, que além de tocar piano tinha boa voz, alcançou boa vendagem em discos da Odeon, promotora de sua gravação. André Filho achou, pois, oportuno destiná-la ao Carnaval de 1935. Inscreveu-a num concurso patrocinado pela Municipalidade, mas o júri desse certame deu a primeira colocação a Coração Ingrato, marchinha de parceria Nássara (Antonio) e Frazão (Erastótenes). Não obstante Cidade Maravilhosa apareceu com destaque na parada musical dos festejos de Momo e devido a seu espírito de exaltação do Rio continuou sendo muito executada e tendo novas roupagens orquestrais.

A princípio sua preferência era ditada apenas pela melodia convidativa, entusiástica, onde os versos entravam certinhos e puxados pelas rimas ricas, fáceis: “encantos mil” sugerindo logo “coração do meu Brasil”. Depois, seguindo um curso crescente de popularidade deixava de ser a marchinha que seria apenas carnavalesca como pretendeu seu autor, e tomava ares de uma canção glorificante muito grata aos cariocas. Não se impunha que a tocassem nos bailes, nas programações das emissoras de rádios ou se fizesse sua inclusão nas revistas teatrais, mas O agrado público e notório dava-lhe preferência clara intuitiva.

Furando as fronteiras

Vitoriosa na metrópole que a inspirou, entoada com ênfase para ter valorizada sua letra, a marchinha Cidade Maravilhosa despertava o interesse de arranjadores, de gravadoras, de editoras musicais. Um sem número de edições em discos e partituras foram surgindo e começaram a ser exportadas. Ao mesmo tempo, orquestras de outros países assimilavam a tessitura musical da marchinha e, mesmo sem alcançar a vivacidade do ritmo, o andamento brasileiro, faziam sua divulgação, davam-lhe foros de internacional.

Viajando para os Estados Unidos, onde triunfava sua irmã Carmen, Aurora Miranda ali encontrando o famoso Bando da Lua fez nova gravação da marchinha de André Filho, repetindo o êxito da primeira. Viu então propagar-se por toda a nação amiga, já bastante interessada pela música do Brasil, em adaptações várias que iam da Beautifull City à aportuguesada Cidade Morravilhóse, a canção onde o Rio era exaltado. Assim, quando uma das bem informadas press nos trouxe a notícia de que Cidade Maravilhosa havia sido gravada na China, não houve surpresa, mas apenas orgulho e vaidade pelo sucesso de nossa música.

Marcha Oficial e quase “hino”

Já consagrada, tendo adquirido pela popularidade o feitio de hino do Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa com a criação do Estado da Guanabara ganhava, em 1960, a honraria definitiva. Um decreto resultante de indicação do saudoso vereador Salles Neto determinava em seu artigo primeiro: “Fica adotada como marcha oficial da Cidade do Rio de Janeiro, respeitados os respectivos direitos autorais, ex vi da legislação em vigor, a marcha Cidade Maravilhosa de autoria do compositor André Filho.”

Na ocasião o musicista, como infelizmente ainda agora, encontrava- se enfermo. Um repórter do Diário da Noite levou-lhe a grata notícia de sua marchinha no Hospital da Ordem do Carmo e, jubiloso, é claro, mas humilde e sem vaidade, ele a recebeu. Disse que o ato o animava a prosseguir e anunciou já estar elaborando uma nova composição intitulada Brasil, coração da gente.

Não conseguiu, mesmo doente, esconder a emoção que sentiu ao ver a sua Cidade Maravilhosa obter o laurel de marcha oficial o que, reconheça-se é quase a mesma coisa que ser hino.

(O Jornal, 14/7/1964) 
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Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.

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