segunda-feira, maio 13, 2013

Carlos Espíndola

Carlos Espíndola (circa 1870 - 1920, Rio de Janeiro, RJ), instrumentista e flautista, pai da cantora Aracy Cortes. Foi feitor de turma da antiga prefeitura do então Município Neutro como se chamava o Rio de Janeiro na época do Império. Foi amigo de Alexandre Gonçalves Pinto a quem conheceu ainda solteiro. Faleceu precocemente.

Era considerado como um bom flautista e aprendeu a tocar com o professor João Salgado, tornando-se um exímio executante de flauta e um chorão inveterado. Tocou em inúmeros bailes na Tijuca, Andaraí, Vila Isabel, Matoso e Itagipe, entre outras localidades do Rio de Janeiro do final do século XIX e começo do século XX.

Alexandre Gonçalves Pinto, o "Animal", comenta em seu livro "O Choro", de 1936, sobre  o flautista Carlos Espíndola:

"Foi um grande amigo e chorão, executor de flauta com grande perfeição, pae da grande artista Aracy Córtes, luminosa estrella theatral no nosso amado Brasil, que tantas glorias, bellezas e applausos tem feito na nossa capital e tambem retumbante successo no estrangeiro. Fui amigo intimo de seu pae, conheci-o ainda solteiro quando frequentavamos bons e maus bailes na Tijuca, Andarahy, Villa Isabel, Mattoso, Itapagipe e muitos outros lugares desta capital, alguns pagodes que estavam acostumados a receber os musicos a café e cachaça, festas estas que Espindola, ia me dizendo vamos dar o fóra pois não estou acostumado a passar a "Pirão de Areia secca" e "Pirão de Bagre", que significava não haver uma bella ceia regada com o competente vinho; então respondia eu vamos sahir de barriga pois ella esta dando horas. Saindo deste pagode hiamos para qualquer botequim, mandavamos vir uma porção de mortadella, pão e vinho e assim faziamos um bello repasto, sahiamos dalli mais ou menos forrados, caminhavamos pela rua afóra rindo e commentando o baile.

Espindola, comia bem e antes de tocar flauta já era grande frequentador de pagodes, pois conhecendo muitos tocadores de chôro escorregava nas aguas delles. Dahi parte o conhecimento delle com o inesquecivel professor João Salgado, também de saudosa memoria. Nesse tempo metteu-se na cabeça de Espindola, aprender a tocar flauta, o que conseguiu comprando uma de novo systema convidando João Salgado para seu professor que promptamente aquieceu. João Salgado que era um professor de grande merito e paciencia para ensinar a mais rude cabeça foi aos poucos ensinando a Espindola, que com a vontade que tinha de aprender foi depressa, pois em poucos tempos tornou-se um flautista respeitado nas rodas dos tocadores, impondo-se á admiração de todos que o conheciam e tambem deste que estas linhas escreve, que muito o apreciava.

Morreu muito moço ainda e, se vivesse, hoje seria a gloria dos grandes chorões com a sua maviosa flauta. Falleceu á rua Barão de Ubá, e o autor destas linhas acompanhou o seu enterramento ao Cemiterio de São Francisco Xavier. Occupava elle, o cargo de feitor de turma da Prefeitura. Não sei de certo, se a sua viuva ainda existe, o que faço votos que sim, pois, quando carteiro que fazia entrega na rua do Lavradio encontrei-a, uma occasião, morando no Hotel Nacional. Palestramos um pouco, finalizando a nossa conversa sobre a vida do seu saudoso esposo.

A sua dilecta filha Aracy Córtes, um dos astros que circula em nosso meio artistico homenageada pelos applausos dos seus admiradores, a vi muito creança."

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Fonte: "O Choro", 1936 - Alexandre Gonçalves Pinto

Júlio Cristóbal

Aracy Cortes no Teatro de Revista
Júlio Cristóbal (circa 1890 São Paulo - circa 1956 Rio de Janeiro), compositor e maestro, fez músicas para o teatro de revista na década de 1920. Por volta de 1913, o choro Josefina, com Pedro de Sá Pereira, Luiz Peixoto e Marques Porto, foi gravado pelo Choro Faulhaber na Favorite Records.

Em 1916, fez a música para Lusitania, um episódio patriótico em versos apresentado no Colyseu Santista, na cidade de Santos, SP. Em 1918, foi sucesso a revista Flor do Catumbi, de Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt, para a qual fez músicas juntamente com Enrique Sánchez.

Em 1926, fez sucesso com o samba O sarambá gravado na Odeon por Pedro Celestino e Artur Castro Budd com acompanhamento da American Jazz Band de Sílvio de Souza. No mesmo ano, Artur Castro gravou a canção Jaqueline também contando com o acompanhamento da American Jazz Band Sílvio de Souza. Nesse ano, fez com o maestro Pedro de Sá Pereira as músicas para a revista Prestes a chegar, de Luiz Peixoto e Marques Porto, que alcançou grande sucesso no Teatro Recreio.

Em 1929, foi juntamente com Pedro de Sá Pereira e Ary Barroso, autor de músicas para a revista Laranja da China, escrita por Olegário Mariano e dirigida por Luís Peixoto, tendo como grande cartaz a cantora Aracy Cortes. A revista foi apresentada no Teatro Recreio. Nesse ano, seu samba-canção A polícia já foi lá em casa, com letra do poeta Olegário Mariano, e incluída na revista Laranja da China, foi gravado na Odeon por Aracy Cortes:



Em 1946, fez a orquestração e regeu a orquestra no filme O ébrio, direção de Gilda de Abreu e um dos maiores sucessos do cinema brasileiro. Teve a música A polícia foi lá em casa gravada por Clara Sandroni e Grupo Lira Carioca no CD Notáveis desconhecidos de 2002.

Fonte: Dicionário Cravo Albin da MPB.

Nosso Sinhô do Samba - Parte 8

Capa de Jura: sob o desenho da palmeira dá
pra notar o pequeno carimbo-rubrica do autor
(Arquivos Almirante - Museu Imagem e Som).
Cedo vivendo vida de boêmio por força da profissão — pianista de gafieiras e clubes recreativos — J. B. Silva nunca foi inveterado bebedor, o que não significa tenha sido abstêmio. Nada disso. Mas mantinha certo controle na ingestão de líquidos, o que é singular nas esferas em que vivia.

Já no terreno do amor, o cafuzo era menos moderado. Aos dezessete anos casou com Henriqueta Ferreira, portuguesa que ao tempo vivia com Henrique Ferreira da Silva.

Viu-a o pianista na sede de uma sociedade carnavalesca e logo por ela se enfeitiçou, sem atentar na sua idade e na situação da moça. Acabou raptando-a da casa da sua tia Maria e levando-a para a residência da mãe dele, no Engenho de Dentro. Dela teve três filhos: Durval, Ida e Odalis, o primeiro e o último falecidos ainda em vida do sambista.

Separou-se mais tarde de Henriqueta, que veio a falecer em 1914. Depois passou a viver com Cecília, pianista, empregada da Casa Beethoven. Foi-lhe companheira dedicada que muito o ajudou no início da sua vida de compositor. Pianista de algum mérito, Cecília lhe prestou valiosa colaboração, inclusive junto àquela casa editora. Entretanto, Sinhô ingratamente a abandonaria logo mais por causa de uma Carmen, mercadora de amor, residente na Avenida Mem de Sá. Seduzido pelos dotes físicos dessa Carmen, rápido o compositor esqueceu o quanto devia à Cecília.

Outras mulheres figuraram demoradamente na sua vida amorosa, de sentimental exagerado. De uma feita, sentindo-se traído por um amigo jornalista numa das suas afeições, chegou a pensar em suicídio e em vinganças sanguinolentas. Imaginou até o esquema da tragédia. Um amigo, o advogado e jornalista Astério de Campos, cuja casa frequentava, paternalmente o aconselhou numa hora de incontido desespero. Sinhô refletiu, ponderou e dias depois reapareceu ao amigo advogado para dizer-lhe que aceitara seu conselho e resolvera desprezar os dois. E daí nasceu mais uma canção, o samba Sabiá, que ele sempre ouvia de olhos marejados.

Ao morrer, tinha como companheira, há dez anos, Nair Moreira, de apelido ‘Francesa’, que veio a falecer em agosto de 1944. Era casada, com marido vivo, o que a impediu de consorciar-se com Sinhô, viúvo desde 1914. Nair foi excelente companheira. Viviam os dois muito bem. A mulher o estimava bastante e tratava dele com carinho. Sinhô também correspondia sua afeição e dispensava muita atenção às duas filhas que Nair trouxera do casamento. Antes de ir morar na ilha do Governador, residiu com Nair na casa de seu pai, na Rua do Cunha, 16.

Tão dedicada ao sambista se mostrou Nair Moreira que talvez não passe de lenda (mais uma) a queima que teria feito, depois da morte de Sinhô, da mala que lhe pertencera e onde se encontrava todo o seu arquivo, músicas velhas, composições inéditas, fotografias e recortes, reminiscências e bosquejos. Teria feito mais. Pôs o violão de Sinhô numa rifa e como ninguém o tirasse, Nair o vendera por cem mil réis. Ainda que tudo isso tenha acontecido, antes de taxarmos de leviano e impensado o comportamento de Nair, consideremos a situação em que se encontrara para agir de tal maneira. (1)

O violão era de grande estimação do compositor. Quando furtado certa vez de um botequim no Méier, onde o deixara por um instante, Sinhô chorou copiosamente. A polícia encontrou o instrumento na Piedade e o devolveu. A propósito do fato e do carinho que o boêmio dedicava ao instrumento, lembre-se o que disse na revista Weco, editada pela casa Carlos Wehrs & Cia. (n° 3, de janeiro de 1929):

“Souberam que o meu violão era caixinha mágica dos sons, onde eu ia buscar a melodia sincera que dou aos meus admiradores, a estes que bondosamente acharam de denominar-me o Rei do Samba e, zás, um belo dia roubaram o meu companheiro, o meu idolatrado pinho. Dada a queixa à Quarta Auxiliar, tratei por meu lado de investigar e, de pesquisa em pesquisa, descobri o meu violão, que tinha sido vendido a certo intrujão. Feita a apreensão do meu instrumento, só eu sei a alegria que me ia na alma, o meu companheiro de descantes, a minha caixinha mágica dos sons, o meu tudo, a razão de ser das minhas contínuas vitórias era aquele violão velho meu confidente nas horas de alegrias tumultuosas e na sólido do meu lar”. (2)

O episódio e o artigo de Sinhô, talvez excessivamente literário, mostram bem a afetividade do Rei do Samba, no fundo um sentimental e, embora também evidencie um pouco de ingratidão para o piano que o tornara famoso e lhe fora o pão de cada dia. Era provável até que ganhasse ao piano para gastar ao violão.

Duvido que qualquer escritor especializado no ofício de escrever para crianças fizesse melhor página. Aliás, é oportuno transcrever o que a respeito do ‘romance pedagógico’ disse a revista especializada em discos Phono-Arte, no seu n° 6, de 30 de outubro de 1928:

“O que vem a ser um “Romance Pedagógico”?... Pela primeira vez em música, deparamos com esta denominação, assaz excêntrica, perfeitamente inédita... Enfim, os leitores que procurem decifrar esta espécie de charada. Como música, a peça de grande delicadeza é mesmo bonita! A sua melodia, sentimental e harmoniosa, agrada muito. Letra delicada, expressiva e bem adaptada.”

Valeu ou no valeu então a excentricidade de Sinhô? Melodia sentimental, harmoniosa e agradável. Versos delicados, expressivos e bem adaptados. Para que mais? O compositor já provara sua inclinação para a música destinada às crianças com a cançãozinha Ao futebol, que acabou incluída no Cancioneiro Escolar de Minas Gerais, segundo informação de Mariza Lira:

Todos gostam de chutar
Jogando o futebol
Oh, sim
Não posso, pois, ficar
Assim
Vou também brincar

Sim!
Sou guri
exclamam vocês
mas hoje os guris
não são mais bebês
como antigamente
e no futebol
todos fazem o gol
nós e vocês ...

O grande emotivo não estaria apenas nas suas composições, muitas de acentuado sabor lírico e romântico, mas em pequenas ocorrências que bem lhe evidenciavam a derramada ternura.

Afastado do convívio do pai, modesto, mas ativo pintor de paredes que não se alegrava muito ao vê-lo atirado à boêmia, sem ofício mais rendoso e menos instável, numa época em que a musica popular era mais ideal do que profissão, Sinhô pouco se avistava com o velho, talvez para não lhe ouvir os conselhos e as reprimendas. Mas uma vez o lobrigou ao passar por uma rua. Trepado a uma escada, o operário diligente pintava a fachada de uma casa, assobiando. Sinhô aproxima-se, disfarçadamente, para não ser visto. E comovidíssimo, de olhos rasos, fica debaixo da escada, enquanto o pai assobiava um dos seus sambas mais populares.

Outro episódio, não se sabe bem com quem ocorrido, atesta o sentimentalismo do caboclo carioca. Talvez com uma das filhas de Nair Moreira, que Sinhô considerava como filhas, ou com a própria filha, ou com uma das suas amadas em fase de malquerença. O fato é que Sinhô compusera uma valsa para oferecer à criatura a quem pretendia homenagear no aniversário. Mas não poderia levá-la por motivos de não se encontrar em boas relações com os parentes da aniversariante. Então, fez seu mensageiro o amigo Vasseur, companheiro das madrugadas, a quem incumbiu de levar a composição até a homenageada e de, se possível, executá-la ao piano. Mas antes de chegarem os dois às proximidades da casa em festa já não se encontravam em plena forma. Muitas tinham sido as paradas do itinerário. Sinhô fez recomendações especiais a Vasseur e ficou na esquina enquanto o amigo caminhava não muito aprumado, mas soberano e cônscio da sua missão. Entrou e fez entrega da valsa à moça e logo se prontificou a executá-la. E Sinhô, da esquina, ouviu atento a melodia não muito fiel, mas bastante expressiva a ponto de comovê-lo e mais uma vez encher-lhe os olhos d’água. (3)

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Notas: (1) Segundo outra versão, tais fatos teriam ocorrido em 1944, depois da morte de Nair verificada nesse ano; (2) Esse artigo foi republicado mais tarde por Brício de Abreu, que o encontrara naquela revista na Biblioteca Nacional (Música & Letra, n° 14, ano III, 1958); (3) Episódios narrados por Sinhô a Luiz Peixoto. 

Fonte: "Nosso Sinhô do Samba" / Edigar de Alencar - Edição FUNARTE - Rio de Janeiro 1981.