segunda-feira, janeiro 27, 2014

O compositor e cantor J. Cascata

J. Cascata: um compositor triunfante e um cantor de mérito - Foto: Carioca - Setembro/1936

"O verdadeiro nome de J. Cascata é Álvaro Nunes. Ele ganhou esse outro em pequenino, devido à sua grande predileção pelos repuxos da rua, as pequenas cascatas improvisadas pela Prefeitura. Gostava de brincar na água, e por isso deram-lhe o apelido de “Cascata”, ao qual foi acrescentado, mais tarde, um J. à guisa de nome próprio.

Hoje J. Cascata é uma personalidade que se firmou como bom compositor da nossa música regional e que vem agora se impondo como apreciável intérprete das suas próprias composições. Compondo ou cantando ele é um artista vitorioso. CARIOCA foi ouvi-lo, fazendo jus ao interesse que já vem despertando entre os fãs.

Sobre as suas tendências musicais J. Cascata declara o seguinte:

— O amor e as aperturas da vida sempre foram, em todas as épocas, as maiores causas das inspirações poéticas. Os meus sambas sempre se basearam nesses dois motivos. Amando, compus “Minha palhoça”, samba que obteve êxito, lançado por Luiz Barbosa e gravado por Sílvio Caldas. “Mágoas de caboclo”, de parceria com Leonel Azeredo. “Tristezas”, samba feito com Cristóvão de Alencar e muitos outros. Também compus, de parceria com J. Barcellos, “Pra Deus somos iguais”, samba que procura estabelecer teoricamente nivelamento entre as classes.

J. Cascata sorri e continua:

— Reconheço que o bolso é, inegavelmente o nosso maior inimigo. Vazio, torna-se famigerado. Mas às vezes fornece inspirações bonitas. É o lado bom das coisas ruins.

J. Cascata nasceu em Vila Isabel — a vila do samba — no dia 22 de novembro de 1912. Iniciou-se no rádio cantando no programa de Renato Murce. Isto em 1932. Depois veio um longo período de descanso, onde somente a sua “bossa” de compositor não sossegou. Tornou-se em pouco tempo conhecido e requisitado como compositor.

Guardando a voz dentro da garganta, heroicamente — porque isso é um sacrifício muito grande para essas cigarras humanas — J. Cascata limitou-se durante longo tempo a fornecer lindas músicas para os seus colegas. Mas um dia, visitando um programa de Luiz Vassalo, então na Rádio Guanabara, ele cantou de novo, brincadeira. Agradou. Luiz Vassalo, com seu tino de perfeito organizador, chamou-o para o seu “cast”. E assim reiniciou-se a sua carreira radiofônica.

Essa brincadeira de cantar ao microfone tem-me fornecido grandes emoções, porque reconheço que sou nervoso. Cada novo telefonema surpreende: quase sempre é uma voz amável, de fã desconhecida, dizendo palavras animadoras. Reconheço nessas criaturas admiráveis dotes de coração. A vida do artista se resume nisto: incentivo."


Fonte: CARIOCA, de 12/9/1936.

Ary Barroso: desde os tempos de guri

"Ary Barroso, em menino, estudava piano a força. Porém isso valeu-lhe de alguma coisa: embora tomando aversão ao instrumento, durante certo tempo, conseguiu aprender música — fato que o distingue de muitos outros pianistas do nosso rádio que tocam genialmente, de ouvido ... A sua primeira música foi composta com a idade de 9 anos e conseguiu ser executada pela orquestra de Ubá — “Ubaenses Carnavalescos”, obtendo grande sucesso.

Ary Barroso nasceu em Ubá, sendo portanto mineiro, embora o não pareça. Hoje, ele se distingue pela firmeza com que exprime as suas opiniões e a sua reconhecida capacidade para inventar lindas melodias. Os seus grandes sucessos nunca são esquecidos pelo público — porque se repetem constantemente. Começaram brincando de fazer música ...

— O verdadeiro artista é um boêmio da sua arte. A inspiração comercializada perde esse nome — diz-nos Ary Barroso — passando a ser um negócio como outro qualquer. Eu já fui um artista inspirado.

No tempo em que as suas composições enchiam todo o seu aposento, sobrando pelas gavetas. Muitas não tinham nome. É difícil batizar, arranjar um nome, para uma porção de emoções diversas.

— No dia em que alguém descobriu certo valor nessas músicas — o falecido Wantuil de Carvalho — dispus-me levar doze originais a uma casa editora em São Paulo. Porém, foram recusados. Trouxe-os então para o Rio, deixando-os na gaveta de outra casa de músicas. Aí surgiu-me a primeira “chance”: a companhia que representava no Recreio precisou de composições inéditas. Os meus originais foram apreciados e escolhidos.

Entre eles se achavam: “Vamos deixar de intimidade”, “Dá nela”, “Vou à Penha” e muitos outros que conseguiram, depois, um grande êxito.

Encontrando Sílvio Caldas

Ary Barroso, tocando sambas, possui qualquer coisa particular que a gíria classifica deliciosamente: é a “bossa”. “Bossa” de sambista autêntico. Encontrando Sílvio Caldas, achou o seu intérprete ideal.

— Conheci Sílvio Caldas por um acaso, e logo notei a afinidade de sentimentos artísticos que existe entre nós. Levei-o a uma companhia teatral. Pouco depois Sílvio cantava com um assombroso sucesso o meu samba “Faceira”, sendo bisado todas as vezes que aparecia no palco. Isso ajudou-o a ser o meu intérprete preferido — o intérprete perfeito para o qual eu fazia músicas cônscio da vitória. Durou algum tempo a dupla. Depois Sílvio desgarrou...

Ary Barroso não esconde o seu pesar diante da perda do seu intérprete. Comenta o fato:

— Um artista que interpreta tão bem o sentimento alheio não deve ser um compositor.

Lembra sempre uma estátua que depois de pronta, cuidadosamente esculpida, foge das mãos do escultor, ficando consigo alguns bocados de barro ...

Contra os “medalhões”

— Acho que a rádio atual atravessa um período de estacionamento. Os valores novos que surgiram pararam. E os valores antigos não apresentam nada de particular. Sou contra os “medalhões” — declara Ary Barroso. — Não sei se pelo meu instinto criador, de fazer “coisas novas”. Qualquer artista apagado pode fazer sucesso, de posse de uma boa música — a música, que é o verdadeiro motivo do êxito.

Apresenta exemplos:

— Francisco Alves gravou “Foi ela”, obtendo sucesso. Também interpretou: “Sem ela”, obtendo êxito quase nenhum. Evidentemente a culpa foi da superioridade da melodia da primeira composição sobre a segunda, porque o cantor foi o mesmo.

Existem casos comuns — a maioria deles — de artistas se consagrarem à custa de músicas que, sozinhas, mesmo sem cantor, fariam sucesso ...

A voz em primeiro lugar

— Não procuro, no entanto, com essa opinião, desmerecer o mérito próprio de cada um. Admiro a voz e a interpretação de Francisco Alves, Sílvio Caldas, Elisinha Coelho.
Entre os valores novos, promissores, destaco o menino Albertinho Fortuna e Odette Amaral.

Ary Barroso experimentando o teatro deu-se bem. Várias peças suas exibidas obtiveram êxito. Agora mesmo ele pretende apresentar outras.

Uma opinião sobre os outros compositores

— Orgulho-me de ser perfeitamente brasileiro nas minha composições — diz Ary Barroso. — O estilo do samba “Por causa dessa cabocla” é o meu preferido. Mas reconheço um verdadeiro gênio na música popular: “Sinhô” — o homem que até inventou palavras novas nos seus sambas. Dos compositores atuais admiro a originalidade de Assis Valente e a inspiração de Humberto Porto.

Ary é o homem que nasceu destinado a lidar toda a vida com o piano, música e composições.

— Quando fiquei homem, tomei aversão ao piano. Mas, um dia, resolvi fazer as pazes. Tinha que ganhar a vida. Utilizei-o como pá ...


Fonte: CARIOCA, de 29/8/1936.