sábado, outubro 06, 2007

Abel Ferreira


Abel Ferreira, instrumentista / compositor, nasceu em Coromandel MG em 15/2/1915 e faleceu no Rio de Janeiro em 13/4/1980. Com cerca de 12 anos começou a aprender música e clarineta com José Ferreira de Resende e Hipácio Gomes, em sua cidade. Aos 17 mudou-se para Belo Horizonte MG e passou a tocar sax alto e tenor, apresentando-se na Rádio Guarani.


Em 1935 foi para São Paulo, ingressando na orquestra de Maurício Cascapera. Em seguida mudou-se para Uberaba MG, onde se tornou diretor artístico da emissora de rádio local. Nessa época participou de um show em Poços de Caldas MG, em que acompanhou as irmãs Carmen e Aurora Miranda.

De volta a Belo Horizonte, tocou em 1937 com J. França e sua Banda. Com o mesmo grupo apresentou-se em São Paulo, em 1940, e mais tarde com Pinheirinho e seu Regional, na Rádio Tupi paulistana. Gravou suas primeiras composições, o choro Chorando baixinho, em solo de clarineta, e a valsa Vânia, em solo de saxofone, em 1942, na Columbia de São Paulo, com o acompanhamento do regional de Pinheirinho.

No ano seguinte mudou-se para o Rio de Janeiro RJ, onde passou a tocar com Ferreira Filho e sua Orquestra, no Cassino da Urca, lançando em 1944 uma nova gravação de suas primeiras composições, dessa vez com Claudionor Cruz e seu Regional. Em 1945 e 1946 tocou, respectivamente, nas orquestras de Vicente Paiva e Benê Nunes, apresentando-se em cassinos e na Rádio Globo.

Com esses conjuntos musicais, e com o seu grupo, formado em 1947, acompanhou vários cantores importantes da época, como Sílvio Caldas, Francisco Alves, Augusto Calheiros, Orlando Silva, Marlene, Emilinha Borba e outros.

Em 1949 ingressou na Rádio Nacional, onde passou a se apresentar como líder da Turma do Sereno; tocou no mesmo ano com Rui Rei e sua Orquestra, gravando na Todamérica seu choro Acariciando (com Lourival Faisal). Com Paulo Tapajós, seu companheiro na Rádio Nacional, formou em 1952 a Escola de Ritmos, que viajou por todo o Brasil. Dois anos depois lançou na Copacabana o LP Jantar dançante e, em 1955, No tempo do cabaré.

Viajou em 1957 com seu conjunto em tournée por Portugal e em 1958 integrou o grupo Os Brasileiros, do qual também participavam Shuca, Trio Yrakitan, Dimas, Pernambuco e o maestro Guio de Morais, em excursão de divulgação de música brasileira em vários países europeus, gravando ainda o LP Os brasileiros na Europa. Viajou pelos EUA e Havaí, com o pianista Benê Nunes, em 1960, e pela Argentina com Waldir Azevedo, em 1961.

Voltou à Europa em 1964-1965, gravando nesse último ano o disco Abel Ferreira e sua turma. Visitou a URSS e outros países europeus em 1968. Na década de 1970, principalmente a partir do lançamento do LP Pra seu governo, de Beth Carvalho, na etiqueta Tapecar, tornou-se um dos músicos mais requisitados em gravações e shows, como acompanhante, no sax e na clarineta.

Legítimo herdeiro da categoria do clarinetista Luís Americano, aposentou-se no rádio em 1971, tendo durante esses anos composto vários choros que se incorporaram aos clássicos instrumentais: Doce melodia é um exemplo.

Com a redescoberta do choro e a criação do Clube do Choro, no Rio de Janeiro, em meados de 1975, voltou à atividade, passando a apresentar-se, ao lado de Raul de Barros e Copinha, em vários shows de teatro.


Fonte: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e Publifolha, SP, 1998.

A Cor do Som


A Cor do Som. Formado no final dos anos 70 no núcleo dos Novos Baianos (Dadi, baixo e guitarra; Armandinho, substituído por Victor Biglione e depois por Pedro Santana, guitarra e bandolim; Mu, teclados; Gustavo, substituído por Jorge Gomes, bateria; Ary Dias, percussão e Pepeu Didi, baixo), o grupo seguiu a linha da fusão entre ritmos nordestinos e rock.

O primeiro disco, A Cor do Som, de 1977, foi logo seguido por uma apresentação no festival de Montreux, na Suíça, em 1978, que se transformou em um disco ao vivo. Inicialmente voltada para a música instrumental, a banda estourou em 1979 com músicas cantadas, notadamente Beleza pura, de Caetano Veloso.

Nos anos 80 seus discos passaram por vários estilos, resultando em fusões de jazz, rock, reggae, choro e samba. Em 1985 a banda se dissolveu com alguns componentes seguindo carreira solo e outros voltando a ser músicos contratados de artistas consagrados. Entretanto, em 1996, o grupo juntou-se novamente para gravar o disco A Cor do Som Ao Vivo no Circo, pelo qual recebeu, no ano seguinte, o Prêmio Sharp de Melhor Grupo Instrumental.

No dia 24 de agosto de 2005, o grupo A Cor do Som volta à ativa com um registro acústico, gravado ao vivo na casa de shows Canecão (RJ). A apresentação foi marcada por diversas participações especiais, dentre elas de Moraes Moreira, em Davilicença, Caetano Veloso em Menino Deus e Daniela Mercury em Beleza pura, só para citar algumas. O show no Canecão gerou a gravação do CD e DVD A Cor do Som Acústico, com sua formação original: Armadinho, Dadi, Mú Carvalho, Gustavo Schroeter e Ary Dias.

O lançamento do trabalho registra a relevância histórica do grupo A Cor do Som no cenário musical brasileiro, com destaque para a habilidade de seus integrantes, instrumentistas com sólidas carreiras individuais.

Fonte: CliqueMusic - A Cor do Som

Urubu tá com raiva do boi


Urubu Tá Com Raiva do Boi (1974) - Geraldo Nunes e Venâncio - Intérprete: Baiano e os Novos Caetanos

LP Baiano & Os Novos Caetanos - Chico Anísio e Arnaud Rodrigues / Título da música: Urubu Tá Com Raiva do Boi / Venâncio (Compositor) / Geraldo Nunes (Compositor) / Baiano e os Novos Caetanos (Chico Anysio - Diversos - Arnaud Rodrigues) (Intérprete) / Gravadora: CID / Ano: 1974 / Nº Álbum: 8005 / Lado A / Faixa 4.



Tom: F  

Intro:
(F   Eb)
Um-de-a-dá

    F
Urubu tá com raiva do boi,
                          Bb
E eu já sei que ele tem razão
                             F
É que o urubu tá querendo comer
                       Gm
Mais o boi não quer morrer
                Eb
Não tem alimentação
Urubu tá com raiva do boi,
E eu já sei que ele tem razão
É que o urubu tá querendo comer
Mais o boi não quer morrer
        C        F
Não tem alimentação

       F       
O mosquito é engolido pelo sapo,
                     Bb
O sapo a cobra lhe devora.
                                F
Mas o urubu não pode devorar o boi:
           C7              F
Todo dia chora, todo dia chora.
(bis)

(F   Eb)
Um-de-a-dá

(sobe 1/2 tom daqui pra frente)

(refrão)

Gavião quer engolir a socó,
Socó pega o peixe e dá o fora.
Mas o urubu não pode devorar o boi,
Todo dia chora, todo dia chora.
(bis) 

(F#   E)
Um-de-a-dá

Folia de Reis


Folia de Reis (1974) - Arnaud Rodrigues e Chico Anysio - Intérprete: Baiano e os Novos Caetanos

LP Baiano & Os Novos Caetanos - Chico Anísio e Arnaud Rodrigues / Título da música: Folia de Reis / Arnaud Rodrigues (Compositor) / Chico Anysio (Compositor) / Baiano e os Novos Caetanos (Chico Anysio - Diversos - Arnaud Rodrigues) (Intérprete) / Gravadora: CID / Ano: 1974 / Nº Álbum: 8005 / Lado B / Faixa 1.


Tom: D  

Intro: G  D  E  A7  D
       G  D  E  A7

D   A          D    D7
Ai...andar, andei
G               A
Ai...como eu andei
        D    D7
E aprendi
        G
A nova lei
     G                D      
Alegria em nome da rainha     (2x)
     F#           Bm       
E folia em nome de rei      

( G  D  E  A7 )

Ai no mar, marujei
Ai eu naveguei
E aprendi
A nova lei

Se é de terra que fique na areia
O mar bravo só respeita rei (2x)

Ai voar, voei
Ai como eu voei
E aprendi
A nova lei

Alegria em nome das estrelas
E folia em nome de rei (2x)

Ai eu partilhei
Ai eu voltarei
Vou confirmar
A nova lei

Alegria em nome de Cristo
Porque Cristo foi o rei dos reis (4x)

Selva de feras


Selva de Feras (1974) - Arnaud Rodrigues e Orlandivo - Intérprete: Baiano e os Novos Caetanos

LP Baiano & Os Novos Caetanos - Chico Anísio e Arnaud Rodrigues / Título da música: Selva de Feras / Arnaud Rodrigues (Compositor) / Orlandivo (Compositor) / Baiano e os Novos Caetanos (Chico Anysio - Diversos - Arnaud Rodrigues) (Intérprete) / Gravadora: CID / Ano: 1974 / Nº Álbum: 8005 / Lado B / Faixa 3.


Tom: E
Intro: (E A)

1:
E
Sou Pedro Silva de Vera 
Odeio selva de fera
                C#m
A natureza me espera 
                F#m
Verde mãe minha cor

                  F#m
O meu cavalo é de osso
Eu lhe beijando o pescoço
                B7
Ele me leva no dorso
                    E
Aonde o sol vai se por

2:
Eu só preciso de um prato
E pouco mais que um trapo
E o nosso amor será um trato
Que jamais terá fim

Arruma tudo vambora 
Ora vambora se embora
E a sanfona de fora
Vai tocando pra mim

Solo: (F#m E/G# F#m E) 2x

3:
É tombo é chuva caindo
É lombo é burro subindo
O vento venta zunindo
E a carroça quebrou

O vento roda moinho
A casa de um passarinho
Um kitnet de ninho
Nosso filho salvou

4:
Afia o fio da faca
E faz um feixe de estaca
E finca pé na barraca
A chuva passa passou

E vem a noite estiada 
E vem a lua molhada
E a sanfona danada 
E nós vivendo de amor

Solo.

repete a parte 3, 4 e o solo meio tom acima (F)

Vou batê pa tu


Vô Batê Pá Tu (1974) - Arnaud Rodrigues e Orlandivo - Intérprete: Baiano e os Novos Caetanos

LP Baiano & Os Novos Caetanos - Chico Anísio e Arnaud Rodrigues / Título da música: Vô Batê Pá Tu / Arnaud Rodrigues (Compositor) / Orlandivo (Compositor) / Baiano e os Novos Caetanos (Chico Anysio - Diversos - Arnaud Rodrigues) (Intérprete) / Gravadora: CID / Ano: 1974 / Nº Álbum: 8005 / Lado A / Faixa 1.


Tom: E  

Intro.: (E7/9+)

E7/9+
Vou Bate pra tu bate pra tu
Pra tu bate (4x)
     A7
Pra manha rapa não me dize
                  B7
Queu não bati pra tu
              E7/9+
Pra tu pode bate

         A7
O caso é esse
                                E7/9+
Dizem que falam que não sei o que
                                 A7
Ta pra pintar ou t a pra acontecer
                       B7
É papo de altas transações
        A7
Deduração
                              E7/9+
Um cara louco que dançou com tudo
                         A7
Entregação do dedo de veludo
              B7               E7/9+
Com quem não tenho grandes ligações

(Repete toda a música)
Solo: E7/9+
(Repete toda a música)

E7/9+
Vou Bate pra tu bate pra tu 
Pra tu bate (repete e fade out)

Baiano e os Novos Caetanos


Chico Anísio e Arnaud Rodrigues criaram uma paródia com Caetano Veloso e os Novos Baianos. No final da década de 60, quando Caetano e Gilberto Gil foram exilados do país, a trupe de Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Baby Consuelo e Paulinho Boca de Cantor ficou conhecida como Novos Baianos, como eles mesmos se intitularam.


Na televisão, Chico Anísio fazia sucesso com Chico City, onde junto com Arnaud Rodrigues interpretavam diversos personagens. Num desses quadros surgiram Baiano e os Novos Caetanos. O grande sucesso da dupla foi “Vô batê pra tu”. O primeiro disco foi lançado em 1974.

No ano seguinte, 1975, a dupla lançou outro disco do “Baiano e os Novos Caetanos 2”, mas também lançaram outros discos como “Azambuja & Cia” e “Chico Anísio ao Vivo”, onde o humorista fazia um show com textos de Arnaud Rodrigues.

Em 1982 foi lançado o disco “A volta”, creditado a Baiano e os Novos Caetanos. Em 1985 foi lançado o “Sudamérica”, também creditado a Baiano e os Novos Caetanos. Arnaud Rodrigues ainda lançou vários discos solo, como Sound & Pyla”, “Murituri”, e “O som do Paulinho”, Paulinho é o personagem que ele fazia na dupla Baiano e os Novos Caetanos.

No final dos anos 80, Chico Anísio ainda lançou mais um disco com o personagem Baiano. Foi o disco “Baiano e Amaralina”, onde a parte feminina imita a ninguém menos que Elba Ramalho.

Chico Anísio, após o final de Chico Anísio Show, lançou a Escolinha do Professor Raimundo e ficou anos somente com este personagem. Hoje em dia ele se dedica mais a carreira de ator, fazendo participações em cinema, programas infantis e novelas televisivas.

Arnaud Rodrigues continuou com o humorismo na Praça é nossa, onde criou a dupla sertaneja Chitãozinho e Chororó, junto com Marcelo Nóbrega, neto de Manuel da Nóbrega, criador da Praça é nossa e do Carnê do baú.

Algumas músicas






Fonte: Eu Ovo: Baiano e os Novos Caetanos

4° Festival da MPB

Gal Costa defendendo "Divino Maravilhoso". Festival de 1968.

4° Festival da MPB - TV Record (novembro-dezembro, 1968): 1º - São São Paulo, Meu Amor, de Tom Zé, com Tom Zé; 2° - Memórias de Marta Sare, de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, com Edu Lobo e Marília Medalha; 3º - Divino maravilhoso, de Gilberto Gil e Caetano Veloso, com Gal Costa; 4° - Dois Mil e Um, de Rita Lee e Tom Zé; 5º - Dia da Graça, de Sérgio Ricardo, com Sérgio Ricardo e Modern Tropical Quintet.

“...O festival de 68 foi um pouco de tudo. O sucesso dos baianos no ano ano anterior fez com que a maioria dos compositores fantasiasse suas apresentações. Teve até guitarrista vestido de padre. Caetano e Gil, pela primeira vez em um festival, formaram uma parceria, e com a mudança de nome da “Gracinha”, a Maria da Graça, para Gal Costa, diziam que tudo era perigoso no seu Divino Maravilhoso.

Tom Zé venceu com São São Paulo Meu Amor, música muito abaixo da média de seu trabalho, que, quase como um castigo, não recebeu da Prefeitura um prêmio especial a que fez jus, tal burocracia vigente na cidade. Mas o ano de 68 ainda reservava outras surpresas.

Fui convidado pelo Renato Correa de Castro, meu ex-assistente no festival da Record de 66, e que havia sido contratado pela TV Globo para coordenar a parte paulista do III FIC (Festival Internacional da Canção), para ajudá-lo na seleção das músicas que iriam concorrer em São Paulo, classificando algumas para a final no Rio de Janeiro. Gil e Caetano inscreveram músicas que trilhavam um caminho experimental: Questão de Ordem e É Proibido Proibir, respectivamente. Das que Geraldo Vandré inscreveu escolhemos Para não dizer que não falei de flores.

Na primeira eliminatória no Tuca (Teatro da Universidade Catóica), templo da juventude politizada da época, a música do Gilberto Gil foi arrasadoramente vaiada, talvez por fugir dos chavões festivalescos, e desclassificada pelo júri. A rejeição foi gerada por uma estranheza estética, e não pelo rompimento do conservadorismo formal que o Gil propunha, fortemente influenciado por Jimi Hendrix. Não era realmente uma música de fácil digestão para quem então já estava mais habituado a aplaudir convenções e desdobradas de ritmo com queixada de burro do que a quebra de padrões musicais.

Caetano, que ousou propor para aquela platéia que era proibido proibir, juntando versos de Fernando Pessoa, emoldurados pelos corajosas desarmonias dos Mutantes, apesar de hostilizado pela platéia, foi classificado para a eliminatória que iria indicar as músicas de São Paulo que passariam para as apresentações no Maracanãzinho.

Naquela noite, a intolerância daquela gente atingiu o paroxismo. Objetos eram atirados no palco com uma agressividade que eu jamais poderia imaginar, vinda de uma platéia que deveria representar a elite política e intelectual daqueles tempos. Grande engano. Era um típico exemplo de como, às vezes, as paixões chegam a confundir as mentes, que, sem se deter para uma reflexão, ainda que superficial, assumem posições absolutamente contrárias ao que sua cartilha ideológica reza.

A palavra de ordem dos estudantes europeus naquele momento deveria coincidir com a dos nossos, que já haviam provocado grandes manifestações em gigantescas passeatas contra a ditadura, que apertava cada vez mais o cerco às liberdades individuais. “É proibido proibir” era frase definitivamente revolucionária para o momento.

Mas Caetano, enfrentando a reação absurda daquela platéia que o agredia com palavrões, ao mesmo tempo que atirava sobre o grupo no palco o que conseguisse apanhar, com a moral de quem está convicto de suas posições, colocou, aos gritos, enfurecido: “Vocês não estão entendendo nada. Se forem em política [tão reacionários e intolerantes como] o que são em estética, pobre do nosso país. Vocês querem matar hoje o velhote que já morreu ontem”.

Aquela platéia, com sua reação, mostrava ser a esquerda na direita sem se dar conta. A explosão de Caetano, na minha leitura, foi mais importante do que a música. Foi um manifesto passional, lúcido, poético, determinado, corajoso e, acima de tudo, coerente.

Naquela mesma noite, liguei para o André Midani, então diretor da Phillips, de quem o Caetano era contratado, e implorei que transformasse aquele momento raro em disco. O som, com a participação especial do Renatão, foi tirado às escondidas do teipe da Rede Globo. O disco saiu com o esdrúxulo título “Ambiente de Festival”...”

Fonte: Prepare seu Coração (A História dos Grandes Festivais) – Solano Ribeiro – Geração Editorial, 2002

3° Festival da MPB

Edu Lobo e Marília Medalha, vencedores do Festival com Ponteio

3° Festival da MPB - TV Record (outubro, 1967) 

1º - Ponteio, de Edu Lobo e Capinan, com Edu Lobo e Marília Medalha, Quarteto Novo e Momento Quatro; 2º - Domingo no parque, de Gilberto Gil, com Gilberto Gil e Os Mutantes; 3º - Roda viva, de Chico Buarque, com Chico Buarque e MPB-4; 4º - Alegria, alegria, de Caetano Veloso, com Caetano Veloso e Beat Boys; 5º - Maria, carnaval e cinzas, de Luiz Carlos Paraná, com Roberto Carlos.

"...O festival de 1967 foi, talvez, o mais rico musicalmente. Mais uma vez recorde de audiência, não somente para musicais, mas atingiu um número de espectadores jamais igualado até hoje por qualquer programa da TV brasileira. Era o ponto culminante do trabalho de todo aquele elenco, que tinha a platéia ideal para exercitar suas ousadias.

O júri prévio teve grande trabalho. Reunido mais uma vez nos fundos da casa dos Medaglia, teve dificuldade em definir as 36 eleitas. Sérgio Cabral defendeu com unhas e dentes a classificação de um samba estranho do Sérgio Ricardo, Beto Bom de Bola, que mais tarde iria dar o que falar. Gil, para fugir do regulamento, inscreveu como de autoria da Nana Caymmi Bom Dia, mais um tema urbano que chamou a atenção do júri prévio. Johnny Alf classificou Eu e a Brisa; Edu Lobo, Ponteio; Chico Buarque veio com Roda Viva.

Convocando Elis para defender sua música, Dori Caymmi e Nelson Motta classificaram O Cantador; Luiz Carlos Paraná convenceu Roberto Carlos a cantar Maria, Carnaval e Cinzas; O Combatente era uma triste tentativa de Walter Santos e Tereza Souza de entrar no clima festivalesco, contrariando todo o seu trabalho anterior, que o júri prévio deixou passar muito provavelmente por respeito aos autores. O Vandré, buscando um tema que não ferisse suas posições e representasse a classe que presumia ser seu eleitorado, classificou uma coisa estranha, movida a buzinas iluminadas, em uma tentativa de repetir o efeito causado pela queixada de burro, que falava do chofer de caminhão, De como um Homem Perdeu seu Cavalo e Continuou Andando, ou Ventania.

As gravadoras, percebendo o grande veículo em que o festival havia se transformado para seus artistas, passaram a incentivar a formação das torcidas, o que viria a perturbar o desenvolvimento normal da competição, desviando-a do caminho político,que havia ocupado até então, para o do marketing de artistas e gravadoras.

Em 1967, logo na primeira eliminatória, uma imensa torcida foi organizada para “apoiar” O Combatente, cantada pelo Jair Rodrigues. Sua desclassificação foi merecida no meu entender, pois era um trabalho que nada tinha a ver com o que o Walter Santos e a Tereza Souza haviam feito até então, que buscava nitidamente a reação da platéia através de recursos festivalescos. Foi a primeira. grande vaia dos festivais, o que deu início a uma seqüência de acontecimentos desagradáveis.

Mais grave foi a rejeição, pela platéia, ao samba de Sérgio Ricardo, Beto Bom de Bola, que mais uma vez, ajudado pelo jurado Sérgio Cabral, conseguiu ser uma das classificadas para a finalíssima. Era um samba mal-ajambrado que, a não ser pelo lado social, com argumento de Sérgio Cabral, nada tinha a ver com o talento de Sérgio Ricardo, que por sinal cantou muito mal.

Quando a música foi apresentada na final, Sérgio, que já tinha sido mal recebido, pediu a atenção para o “novo” arranjo, o que desagradou ainda mais a platéia, além de contrariar o regulamento, que não permitia que a música sofresse qualquer modificação entre uma apresentação e outra. Sérgio tentou cantar, mas a manifestação foi tão ruidosa que ele nem sequer conseguia ouvir o acompanhamento. Interrompeu a música e tentou argumentar. Como a vaia era ininterrupta, passou a ameaçar a platéia. Era ele contra uns três mil, mais ou menos. Em determinado momento, perdendo totalmente o controle, gritou: “Está bem, vocês venceram”, quebrou o violão no banquinho e o atirou na platéia. Foi desclassificado. Nem precisava.

Nesse festival o júri deixou passar em brancas nuvens Eu e a Brisa, do Johnny Alf, lindamente defendida pela Márcia, felizmente descoberta pelo público, que a transformou num dos maiores sucessos de 67. Fico pensando no que teria acontecido se a linda melodia de Johnny Alf tivesse sido cantada pela Elis. O júri prévio também andou dando suas mancadas, não percebendo Máscara Negra, do Zé Keti, que arrasou no carnaval seguinte.

Aos que protestaram contra o júri prévio, alegando que suas músicas não tinham sido ouvidas com a atenção merecida, abrimos o Teatro Record e permitimos que fosse feita uma apresentação das músicas dos compositores que se julgavam injustiçados. Demos aos insatisfeitos todas as condições técnicas e tempo para que ensaiassem. Depois de alguma divulgação, na noite dos revoltados, o Teatro Paramount estava lotado. O clima era de hostilidade, afinal cada compositor inscrito achava ser a sua a melhor música jamais composta. Era só apresentá-la e esperar pela entrega do cheque. Foi uma noite cheia de manifestações de novas torcidas a defender parentes e amigos. Por momentos chegou até a lembrar um festival de verdade.

A manchete do Jornal da Tarde, no dia seguinte, foi a melhor resposta que poderíamos ter tido: “O Júri Tinha Razão”. Edu Lobo, com um trabalho impecável, venceu o festival de 1967 com Ponteio, que tinha a parceria de Capinan. Era de uma competência impressionante e de uma força irresistível, sem apelar para os chavões que levantavam as platéias. Edu, Marília Medalha, o vocal do Momento Quatro e o Quarteto Novo fizeram uma apresentação que dificilmente outra música poderia superar, mas foi também exemplo de que, em geral, um júri, por mais que apregoe modernidade, tem sempre uma tendência conservadora.

Era um período de mudanças. O mundo jovem se agitava. Na Europa, o som dos rapazes de Liverpool, de Jimi Hendrix e Janis Joplin quebrava tabus e as novas gerações questionavam o que lhes era servido como moral. A primeira vez que ouvi o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, foi na cabine do Teatro Record.

Zuza Homem de Mello, então principal engenheiro de som da emissora, havia recebido um exemplar e, tendo aparecido na minha sala com a novidade, onde eu fazia uma reunião com Caetano Veloso, não conseguiu mais se livrar de nós, até que, vencido pelos vários apelos e algumas ameaças, nos levou para que finalmente pudéssemos conhecer o que viria a ser um dos marcos dos anos 60. Após A Day In The Life, a última faixa do LP, saí da cabine como se tivesse sido dopado, tal a impressão que o disco causou. Caetano e eu descemos em silêncio até a minha sala e assim ficamos por muitos minutos, pois nada havia para ser dito naquele momento de espanto.

She’s Living Home, um marco contra a hipocrisia e a intolerância dos pais ante a nova postura dos jovens. George Martill, o produtor musical e arranjador do disco, utilizando as experiências contemporâneas de Stockhausen em A Day In The Life, rompia os limites da música pop. Lucy In The Sky With Diamonds abria mentes e permitia que, sem lenço e sem documento, Alegria Alegria sugerisse esse tipo de sutileza quase subliminar. Embora Caetano negue que tenha sido intencional, e ele deve falar a verdade, a associação é inevitável.

Domingo no Parque, com sua cinematográflca abordagem do drama do João, que amava Juliana, que amava José, tão bem arranjada pelo Rogério Duprat, que se lembrou do talento dos The Six Sided Rockers, significativamente rebatizados de Mutantes, derrubou a barreira do preconceito que os tradicionalistas erguiam contra uma linguagem universal para a música brasileira. A reação da platéia diante de Gilberto Gil foi de delírio total, transformando em sussurro as eventuais vaias que tentavam impedir que guitarras elétricas acompanhassem uma das manifestações mais significativas da cultura brasileira da época. Já na tarde de sua primeira apresentação, o ensaio foi arrasador.

Era o assunto de todos os que acompanhavam os trabalhos no Teatro Record, mas principalmente assunto do próprio Gil, que falava tanto e tão alto que atrapalhava os ensaios das outras músicas que seriam apresentadas. Fui obrigado a chamar sua atenção, o que o fez sair meio ressabiado. Algumas horas depois, recebo um telefonema do Paulinho de Carvalho. apavorado, dizendo que o Gil se recusava a apresentar a música naquela noite, por ter sido destratado por mim na frente de todo mundo. O Paulinho foi ao hotel Danúbio, onde Gil estava hospedado com Nana Caymmi, então sua mulher, tentar convencê-lo a desistir da desistência. Paulinho encontrou o Gil deitado, com rosto coberto por uma grande toalha enrolada na cabeça e outra nos pés, dizendo que já estava feliz pelo resultado da gravação do Domingo no Parque, que tinha acabado de registrar, e que não set sentia com condições psicológicas para cantar naquela noite.

É evidente que Gil estava pressionado por uma tremenda insegurança afinal, estava quebrando tabus e limites sem saber qual seria a reação da ala conservadora da MPB à sua ousadia. Lá fui eu me desculpar com o tagarela, que estava quase perdendo a oportunidade de dar um salto fantástico em sua carreira, além de transformar aquela noite em história para a MPB.

Em outra eliminatória encontro o Guilherme Araújo, muito apreensivo antes da apresentação de Alegria Alegria. Caetano havia escolhido para acompanhá-lo um grupo de músicos chamado Beat Boys, que tocavam absolutamente imóveis e, em suas apresentações no Beco, uma casa noturna de grande sucesso na época, então dirigida com grande competência e classe por Abelardo Figueiredo, emocionavam os que já amavam os Beatles e os Rolling Stones. Grandes cabeleiras, armados de guitarras e baixos elétricos, mais poderiam parecer os inimigos do Fino do que defensores da MPB tão amada.

Caetano estava longe do tímido baiano que arrasava ao ouvir do Blota: “...e a palavra é...”. Naquela noite, sua boa palavra seria julgada naquele teatro lotado de gente emocional e emocionada. Sua entrada no palco, cabelos encaracolados, o mesmo terno quadriculado e o sorriso irônico que mais parecia o do Coringa, saído das histórias em quadrinhos do Batman, acompanhado daqueles estranhos seres, que carregavam instrumentos até então proibidos, chocou a platéia, que, parecia, iria rechaçá-lo ao primeiro acorde. A vaia foi monumental.

Caetano entrou no palco enfurecido, caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento. Mas os sons e o ritmo alegre e descontraído da marchinha Alegria Alegria acabaram por fazer aquela gente ouvir a pergunta crucial que a letra sugeria para aquele momento maravilhoso: “Por que não?” e repetia “por que não?”, e mais uma vez ainda: “por que não?” Aquela gente então deve ter se perguntado: “Ora, e por que não?”, e aplaudiu em delírio o assustado Caetano, que, de tão surpreso com a ovação inesperada, caiu de bunda no palco, sorrindo, consagrado, maravilhado. Ele, o filho abusado de dona Canô, o exibido de Santo Amaro da Purificação, o irmão da Berré, que, se dependesse de seu empresário, nem deveria cantar.

Guilherme Araújo, com lágrimas nos olhos, invadiu os bastidores. Ao passar por mim, agarrou os meus braços e, parecendo não acreditar no que tinha acontecido, perguntava sem parar: — Meu querido, você viu? Você viu? — Viu o que, Guilherme? — Viu o que aconteceu com o Caetano? — Claro que vi, Guilherme. E o Brasil inteiro também viu".

Fonte: Prepare seu Coração (A História dos Grandes Festivais) – Solano Ribeiro – Geração Editorial, 2002