quinta-feira, maio 29, 2014

Sambistas ...

Manuel Bandeira, um dos nossos maiores cronistas, acaba de publicar um interessante volume, "Chronicas da Província do Brasil" que é um agradável passeio entre as letras, as artes e recantos pitorescos da terra brasileira. O livro de Manuel Bandeira tem dois capítulos sobre João Baptista da Silva, o popularíssimo Sinhô.

O do enterro do autor de "Jura" é uma página sugestiva das mais curiosas do livro. Transcrevemos, nesta página, o outro capítulo, sob o título "Sambistas", em que o cronista narra um caso pitoresco e complicado de investigação da paternidade de um samba:

"Quando morreu o afamado Sinhô, escrevi para o "Diário Nacional" de São Paulo uma crônica em que recordava com saudade alguns traços curiosos da figura do rei do samba carioca. E contei uma cena a que tive o prazer de assistir em casa dos meus amigos Eugênia e Álvaro Moreyra.

Foi o caso que numa das extintas deliciosas quintas-feiras em que o casal recebia, apareceu o Sinhô e regalou os convidados não só com a sua conversação como com os seus sambas. Estava mal de voz, tossia muito (era a velha tuberculose que apertava o cerco), mas nenhum de nós teve a menor ideia de atribuir aquela tosse à terrível moléstia e, como era do mais elementar dever, poupar o doente.

O que nos desculpa daquela “descaridade” é que Sinhô para toda gente era uma criatura fabulosa, vivendo no mundo noturno do samba, zona impossível de localizar com precisão - é no Estácio mas bem perto ficam as macumbas do Encantado, mundo onde a impressão que se tem é que ali o pessoal vive de brisa, cura a tosse com álcool e desgraça pouca é bobagem. Assim quando Sinhô parava num acesso, ia-se buscar uma boa lambada de Madeira e o fato é que a tosse é que a tosse passava.

A acreditar no Sinhô, ele não tinha dormido na noite da véspera. Passara-a numa farra, e naquela manhã mesmo, ao regressar a casa, não fora bem recebido pelo seu bem, que naturalmente estava ralado de ciúmes.

Contou Sinhô que foi então para o piano e improvisou um samba, que entoou para nós ainda com as hesitações das coisas inacabadas. Era gostosíssimo e parecida do melhor Sinhô. (Ninguém duvidou que não fosse dele.) Lembro-me bem da toada e da letra do estribilho:

Já é demais,
Meu bem, já é demais!
Eu já notei que tu queres me acabar...


Fizemos o Sinhô repetir a toada um sem-número de vezes. Todos os presentes já o sabiam de cor e secundavam em coro quando chegava a hora do "já é demais". Foi isso em fins de 1929.

***

Há pouco mais de um mês um amigo meu, que se interessa atualmente por modinhas policiais, pediu-me umas informações, e para servi-lo andei correndo os olhos na literatura de cordel. Fui à toa à Praça Tiradentes onde, sob as arcadas do antigo São Pedro, havia um vasto estenderete do gênero. O café da esquina da Rua das Marrecas estava em demolição. Mas passando por lá de bonde verifiquei que nos andaimes da reconstrução os cordelinhos de engraxate resistiam bravamente à poeira. Lá pude arranjar uma pequena coleção de "liras" que remontavam até 1927.

Vim para casa e correndo a vista por aquelas páginas sujíssimas deparei num dos cadernos com o título "Já é demais". Abaixo dele vinha a informação: "Letra e música de seu Candu". Ora, lá estava o estribilho do samba de Sinhô:

Já é demais, meu bem,
Meu bem já é demais!
E hoje já notei
Que tu queres me acabar...


Verifiquei logo que o plágio não podia ser de seu Candu, porque a publicação era de 1927 (editor Menotti Carnaval, depósito Rua General Pedra, 169) e de resto havia ainda a indicação abaixo do título de que o "Já é demais" era choro do carnaval de 1925, o que estava aliás provadíssimo pelo contexto da letra todo cheio de alusões aos fatos revolucionários de 1924:

Lá no morro de S. Carlos
É lugar de pretensão.
Já botaram metralhadoras
Pra brigar com aviação.


Ainda não pude descobrir quem conhecesse a toada do choro do seu Candu. Em todo o caso está claro que Sinhô avançou no refrão de seu Candu.

***

Isso tudo me fez refletir como é difícil apurar afinal de contas a autoria desses sambas cariocas que brotam não se sabe donde. Muitas vezes a gente está certo que vem de um Sinhô, que é majestade, mas a verdade é que o autor é seu Candu, que ninguém conhece.

E afinal quem sabe lá se é mesmo de seu Candu? Possivelmente atrás de seu Candu estará o que não deixou vestígio de nome no samba que toda a cidade vai cantar. E o mais acertado é dizer que quem fez estes choros tão gostoso não é A nem B, nem Sinhô, nem Donga: é o carioca, isto é, um sujeito nascido no Espírito Santo ou em Belém do Pará."


Fontes: "Carioca" - Edição 77, de 10/4/1937; Yahoo Grupos: transcrição de Maria do Carmo - "In" Manuel Bandeira - Poesia Completa e Prosa, Editora Nova Aguilar S.A., RJ, 1983, págs. 463/465 (texto revisado).

Olga Praguer para os fãs do rádio

"Olga Praguer Coelho é uma das primeiras figuras do rádio no Brasil. A sua atuação frente aos microfones brasileiros data dos primeiros tempos da Rádio Sociedade.

Tem cantado em quase todas as estações do Rio, sendo atualmente exclusiva da Rádio Tupy.

Fora do Brasil, Olga Praguer tem cantado em inúmeros países: Argentina, Uruguai, Itália, Alemanha, Áustria, etc., mostrando a todo mundo, o que realmente belo possui o folclore brasileiro, de que é uma intérprete inigualável.

Tem apresentado e criado com grande sucesso um sem número de músicas, entre as quais, as suas adaptações de antigas modinhas imperiais e o "Canto da Expatriação", de Humberto Porto, gravado com o tenor mexicano Pedro Vargas."


Fonte: "Carioca", de 8/4/1937 (texto atualizado e foto).

Leny Eversong e sua carreira artística


"Leny Eversong é uma artista que se firmou na radiofonia nacional em menos tempo do que todos, inclusive ela própria, esperavam. O foxtrote tem em Leny uma grande admiradora e uma fiel intérprete. Parece que a nova estrela do "broadcasting" da Cidade Maravilhosa estudou psicologia da música negra norte-americana. E fez-se professora ...

Seu verdadeiro nome é Hilda Campos Filgueras. Nasceu na capital de São Paulo. Casou-se com Alvinho Filgueras, outro animador do rádio brasileiro, criador do grupo radiofônico "Os Namorados do Ar", de Santos.

Leny Eversong descobriu muito cedo os seus pendores para o canto. Aos treze anos de idade já cantava alguma coisa. Mas então nem sequer em sonhos ela cogitava de vir a enfrentar um microfone.

Cantou pela primeira na PRB-4, de Santos. Ali se conservou o tempo necessário para adquirir mais impulso e maior anseio. Procurou sempre interpretar músicas norte-americanas. Começou cantando-as em tradução. Depois no original. Seu pseudônimo já começava a ficar conhecido. Resolveu ir para a PRG-5, Rádio Atlântica, na mesma cidade paulista. Com isto pode-se dizer que ela correu todas as estações de Santos.

Na Rádio Atlântica se firmou definitivamente. Era intérprete número um da melodia norte-americana. Foxes, blues, rag-times ...

Por ocasião da visita da embaixada de artistas cariocas composta por Almirante, Castro Barbosa, Jayme Britto e o Conjunto Regional de Benedito Lacerda àquela estação emissora, Leny cantou em sua homenagem. Os artistas chegados do Rio retribuíram, tendo Castro Barbosa mostrado as suas possibilidades, secundado pelo Conjunto Regional de Benedito Lacerda, com este na flauta, Russo no pandeiro, e o resto ...

Chegado ao Rio, o Conjunto de Benedito Lacerda notificou a direção da Tupy sobre a arte de Leny Eversong. E como Carlos Frias ia para Santos, a PRG-3 aproveitou a sua viagem para chamá-la. Leny não demorou muito a chegar ao Rio de Janeiro.

A entrevista que Leny Eversong concedeu a CARIOCA resultou numa palestra agradável e interessante, de acordo com a própria artista.

— Que pensa do rádio? E do ouvinte?

— Penso que o rádio é um grande invento. Um formidável invento.

Ele auxilia muito o artista. Torna-se um propagandista ligeiro e mais eficaz do qualquer outro ... Quanto ao ouvinte acho que é muito camarada da gente e é muito gentil. É assim como um espírito invisível benéfico para nós, pois ele é uma das coisas que fazem com que o artista progrida para fazer jus a uma boa e contínua recepção ...

Um dos grandes anseios de Leny Eversong é entrar para o cinema brasileiro. Acha que a cinematografia nacional tem um brilhante futuro, pois começou pelos primeiros passos ... Este e o de ser grande estrela de rádio para seu nome alcançar fama em outros países do mundo, são os seus maiores anhelos (anseios). Julga assim que sua ambição não é incomensurável ...

— Quais as músicas que mais aprecia cantar?

— Em primeiro lugar gosto de cantar foxtrotes. Em geral a música dos negros norte-americanos. Parece que não, mas o ritmo destas melodias faz fremir o âmago da gente ... O meu compositor predileto é Duke Ellington. De vez em quando, porém, canto sambas e outras músicas do folclore brasileiro ... lá em casa, geralmente. Eu gostaria de aprender a interpretar tuto, tudo ...

E não está longe disso. Sua voz é um problema cheio de saídas. Pois se ela não só canta com voz humana como até imita instrumentos musicais! Quando está mais animada consegue uma perfeita imitação do sopro do pistão e do argênteo som da guitarra de Havaí! Já está apta a fazer os próprios acompanhamentos. E sem bateria ...

— Em que procura distrair-se?

— Eu estou sempre distraída, com franqueza. Quando não estou cantando, toco piano, repinico num violão qualquer coisa ... Gosto de pintura. Pinto em toda a parte, fundo de prato, quadros, almofadas ... Também gosto de ir ao cinema e ao teatro assistir a revistas. Leio semanalmente as seções de rádio e cinema de CARIOCA.

— Quais as suas novidades para o corrente ano?

— Por enquanto não posso afirmar nada. Tenho diversas propostas de contratos em vista para ir atuar nos rádios do sul. Talvez eu vá para a Argentina, talvez não ... Vou pensar ... Na Tupy espero lançar, paulatinamente, perto de duzentos foxes que ainda restam no meu repertório ..."


Fonte: CARIOCA, de 13/3/1937 (texto atualizado e foto de Leny, provavelmente com 17 anos)

A viagem de Sylvinha Mello

"A attracção do cinema - Um film dramatico que será produzido no Ceará" (Carioca, de 13/3/1937)


"A pouco e pouco o nosso meio radiofônico está perdendo os seus ases ante o evidente progresso do nosso meio cinematográfico. Quando começou a se firmar o cinema na nossa terra, quando ele se mostrou mesmo com grandes tendências para uma perfeição pouco longínqua, os artistas do nosso rádio e do nosso teatro abandonaram céleres, as suas precedentes ocupações e se passaram para a tela prateada. Alguns gostaram. E ficaram. Outros gostaram. Mas não ficaram ...

O teatro cede muito elementos para o cinema, mas o rádio não lhe fica atrás. O rádio é um intermédio. Os artistas saem do teatro para o rádio, deste para o cinema. Adquirem, assim, ao microfone, a dicção necessária para uma boa película.

Sylvinha Mello começou muito bem no rádio. Tem uma voz agradável e um jeito todo especial para cantar canções. E é dona de agradabilíssimo palmo de face. É justo, pois, que o cinema a seduzisse. E seduziu-a mesmo.

Quando Raul Roulien organizou o elenco de artistas que seriam filmados na sua primeira produção brasileira "O Grito da Mocidade", não se esqueceu de dar um pequeno papel a Sylvinha Mello. E ela agradou bem na parte que lhe coube. Além de ser muito elegante, demonstrou possuir grande parte do jeito comediógrafo de que todos nós temos uma parte ...

Sylvinha Mello gostou do cinema e o cinema gostou de Sylvinha Mello. Mas ela não abandonou definitivamente o "broadcasting". O cinema ainda não é aqui no Brasil uma segura e contínua colocação.

A conhecida intérprete do nosso folclore veio, afinal, a ser contratada pela PRE-8, Rádio Nacional. Seu desempenho neste emissora era muito bom. Sua expressão, ótima. Ela continua a cantar no rádio com a sua voz bonita. E a agradar a quem a vê com a sua figura graciosa.

Agora, Sylvinha Mello voltou para o cinema. Enfim, o cinema a chamou de novo, para celebrizar quiçá como estrela de primeira grandeza. Ela deve partir dentro destes dias para o Ceará, disposta a ser filmada numa nova produção cinematográfica brasileira. A companhia que a convidou, uma sociedade americana de cinematografia, vai tentar mais um sucesso na nascente indústria cinematográfica brasileira. Sylvinha Mello vai tentar mais uma vez um outro sucesso em frente da câmera. Se desta vez ela desempenhar com apuro o seu papel, é quase certo que mais cedo ou mais tarde deixará mesmo o rádio de parte.

Todos os artistas têm grandes aspirações. Quem não vai gostar é o radiouvinte exclusivo de Sylvinha Mello ..."


Fonte: CARIOCA, de 13/3/1937 (texto atualizado e foto).