sábado, maio 17, 2014
Baptista Júnior e sua família Resmungo-Chorão
"Baptista Júnior, o grande ventríloquo brasileiro que todos os aficionados do teatro conhecem e todos os fãs do rádio estão agora conhecendo, em qualquer meio em que exerça as suas faculdades de artista se torna logo querido.
Muito tempo ele se exibiu nos palcos nacionais, arrancando aplausos da plateia. Seus bonecos a que ele dá o dom da palavra e dom do humor, tornaram-se o ídolos das crianças de cinco a cinquenta anis. No mês que passou, Baptista Júnior foi contratado pela PRE-8, Rádio Nacional, onde atuou aos domingos com toda a sua família de bonecos, com toda a família Resmungo-Chorão. E isto lhe granjeou muito mais admiradores de sua arte de ventríloquo, ficando ele famoso não só no teatro como no rádio também.
Foi mais um passo gigantesco na vida de sucessos desse artista e mais um pulo na vida não menos cheia de sucessos de toda a companhia dos Resmungo-Chorões.
CARIOCA procurou ouvir a palavra de Baptista Júnior sobre essa sua mudança de setor artístico e sobre algum caso pitoresco de sua vida. E ouvir, também, a palavra dos bonecos falantes ...
Baptista Júnior mora no Catete, com sua família. E aí o fomos procurar. Tivemos, então, a agradável surpresa de encontrar em casa as irmãs Linda Baptista e Dircinha Baptista, filhas do grande ventríloquo, e, como ele, agora animadoras do nosso broadcasting. Cumprimentos.
— Como vai a família Resmungo-Chorão?
— Bem, obrigado. Ela não sente calor, não adoece. E, se não fosse o Joãozinho poderia dizer que não reclama de nada. Mas o Joãozinho reclama a toda a hora ...
— Pois vamos conhecer o pessoal.
Imediatamente Baptista júnior foi acordar os três principais membros da família. São eles o Joãozinho, o Juquinha e o Benedito. Logo que sentiu sua cabeça em cima dos ombros o Joãozinho nos fuzilou com o olhar. O Juquinha é o mais santo da turma. Menino obediente, simpático, faz tudo o que o seu mestre manda. Benedito tem um caráter muito complexo. Catadura feroz, um pedaço de pau na mão, mas não parece mau rapaz. Não há dúvida que o mais traquinas é o Joãozinho, o Chorão. O mais traquinas e o mais mal educado.
Antes de interrogar os bonecos e depois de tirar umas fotografias, conversamos com Baptista Júnior.
— Quantos anos de teatro?
— Antes de ventríloquo eu me iniciei no gênero caipira. Foi insto ainda quando eu era solteiro. Há 19 anos pouco mais ou menos. Desde então senti o gosto pelo teatro ...
— Quando foi que descobriu a sua faculdade de ventríloquo?
— Isso é uma história. Só depois de casado. E por um fortuíto acaso. Foi há 16 anos. Minha filha Linda tinha apenas três meses de idade. Ora, certa vez, brincando com ela, procurei imitar suas respostas às minhas perguntas. E logrei sucesso. Então comecei a falar sem mover os lábios. A ventriloquia é um dom natural, porém, precisa de treinos e ensaios. Finalmente, brincando ainda com a Linda, eu lhe tocava o estômago e falava por ela. A título de brincadeira chamei minha esposa e lhe disse que a nossa filha, somente com três meses, já dizia "papai", "mamãe" e "titio". Foi um alvoroço lá em casa. Todos queriam ver a menina-prodígio. Minha esposa levou um susto enorme. E foi um custo eu serenar os ânimos ...
— E desde aí o senhor aproveitou ser ventríloquo para engrandecer ainda mais o teatro?
— Exatamente. Mas então eu apenas tinha uma única segunda voz correta. Fui treinando até conseguir selecionar diversas vozes. Hoje em dia consigo nove vozes diferentes ...
— Como criou a sua companhia?
— A pouco a pouco. Recordo-me que o primeiro boneco feito por mim se chama Bastião. Era um preto muito engraçado. Até hoje guardo a sua cabeça como recordação ...
É interessante notar aqui que Baptista Júnior em pessoa fabrica os seus bonecos, para o que tem uma verdadeira oficina de mecânico em casa. Além disso ele próprio compõe o repertório anedótico da família Resmungo-Chorão. Desta forma os bonecos, embora não tenham vida como se fossem de carne e osso, dão mais trabalho ao mestre do que se a tivessem. Obrigam-no a uma lufa-lufa incessante e ainda por cima resmungam contra tudo e contra todos ...
— Quais os seus bonecos mais queridos?
— Eu gosto de todos em geral. Se não gostasse não os teria fabricado. Mas, verdadeiramente, aprecio mais o Joãozinho, o Juquinha e o Benedito, estes três. Eles são as figuras de proa da família toda. Isto, porém, não quer dizer que eu não simpatizasse com os outros ... Se não fosse o conjunto a família não teria tanta graça.
— E o que pensa do teatro e do rádio? Acha que eles têm algum ponto análogo entre si?
— Certamente. Parecem-me muito. Mas eu, agora, tenho a convicção de que o rádio é mais difícil de lidar do que o teatro. Por causa da voz. No teatro basta uma voz medíocre para ter efeito. No rádio, não. É preciso mais técnica para se conseguir o efeito desejado. Quero dizer com isto que qualquer pessoa pode ter sucesso no teatro enquanto que no rádio só um número muito restrito ...
— E está satisfeito com o rádio?
— Muito. Embora o ouvinte não possa apreciar de "de visu" os meus bonecos, as vozes que eu lhes dou devem servir para mostrar que eu já as posso selecionar perfeitamente. Isto obriga a mais trabalho artístico, mas por outro lado me faz adquirir outros conhecimentos dispensáveis ao teatro. A mímica que eu, no palco, lhes dava, por exemplo, auxiliava muito a expressão adequada para a cena. No rádio só posso me apoiar no diálogo. Por isto o rádio é mais difícil. E por isto eu fiquei satisfeito com ele ...
— Espera para breve alguma novidade no seu programa da Rádio Nacional?
— A única novidade digna de nota é o aparecimento do meu novo personagem, o boneco japonês. Depois deste mais virão, mas por ora apenas o japonês monopoliza minha atenção. Ele deve ser bem recebido pelo público ouvinte. É inimigo fidagal do Chorão. Aliás o Chorão tem diversos inimigos por causa do seu caráter rixento ... Este novo boneco japonês, chama-se Kutuka-Na-Kara. E não quero dizer mais nada ...
— Muito bem. Consigo era só o que tínhamos a falar. Agora vamos bater uma chapa da família Resmungo-Chorão almoçando e perguntar umas tantas coisas a um dos componentes dessa encrencada família ...
Tirada a fotografia, tentamos receber algumas respostas de Benedito e do Juquinha. Infrutiferamente. O primeiro deu a entender que não gostava de entrevistas, brandindo o seu cacete perigosamente. O segundo, menino educado, preferiu o silêncio. Como não havia alternativa, pois o novo boneco japonês ainda se achava recolhido ao leito, dirigimos a palavra ao Joãozinho, o Chorão, do seguinte modo:
— Quantos anos tem você?
— Oito anos, — respondeu.
— Oito anos? Já está um mocinho ...
— É ...
— Mas por que você não cresce?
— Não. Eu nasci com oito anos. Não cresço, porque não quero.
— Não quer?
— Não.
— E por que você de vez em quando abre a boca e chora como um desesperado?
— Porque gosto. É ...
— Você gosta dos ouvintes?
— Não.
— Não gosta dos ouvintes, Joãozinho?
— Não; gosto mas é das ouvintes. Tem cada pequena boa ...
— Quando você foi falar pela primeira vez no microfone não teve medo?
— Tive.
— O que lhe aconteceu?
— Tive uma tremedeira ... Mas agora me acostumei e não tenho mais tremedeira, não. É ...
— Bem, Joãozinho, nós vamos embora. Se quiser enviar alguma saudação aos ouvintes, nós a levaremos ...
— Não. Eu envio pessoalmente ...
Estava finda a nossa missão. Antes de sairmos, porém, ainda fotografamos um conjunto composto por Baptista Júnior, seus principais bonecos, Dircinha e Linda Baptista. Depois nos despedimos do grande ventríloquo, de sua família e da família Resmungo-Chorão.
Quando já íamos na rua, Joãozinho, o Chorão, avisou:
— Olhe, moço. Veja se os retratos me favorecem. Não é por nada, mas eu não quero que me chamem de feioso... É ..."
Fonte: Semanário CARIOCA, de 13/3/1937 (fotos desta revista e artigo atualizado).
A atividade dupla de Henrique Batista
Henrique Batista - Carioca, 6/3/1937 |
— Professor Baptista!
— Boa noite ...
Eram oito horas da noite. Muito movimento na rua. O repórter entrou. Abancou-se à mesa. Papel. Lápis.
— Desejava resposta a umas tantas perguntas ...
— Relacionadas com ...?
— "Maria Bonita", rádio ...
— Estou, infelizmente, com muita pressa. Mas posso conceder-lhe cinco minutos ...
— É muita bondade ... Olhe-me, contento-me com quatro perguntas. Pode até fiscalizá-las ...
— Estou de acordo se forem apenas quatro. Farei o possível por lhe ser agradável.
O professor Henrique Baptista é irmão da conhecida intérprete de sambas Marília Baptista. E, como esta, também ele fez parte do elenco de artistas que aparecerem na filmagem "Maria Bonita" em "location" em Barra Mansa e atua no rádio carioca, dirigindo dois programas, um na Rádio Transmissora, outro na Rádio Educadora. Aliás ele e sua irmã sempre trabalham juntos em todos os setores da atividade radiofônica, constituindo mesmo uma dupla de sucesso no concernente a desafios e improvisos. Aquele interessante programa de improviso "É de babado ..." é de criação da dupla. E agora, com o temporário afastamento de Noel Rosa do nosso "broadcasting", ficando Patrício Teixeira parado, a dupla Henrique-Marília Baptista é a única nesse gênero de irradiação.
— Como foi a filmagem de "Maria Bonita"? -- perguntou o repórter.
— Eu cheguei de Barra Mansa na semana passada para não faltar ao meu programa radiofônico da Educadora, todas as quintas-feiras. Marília veio comigo. A rodagem das nossas partes no filme terminaram no mesmo dia. E desde aí ficamos mais ou menos livres ... Você quer que eu lhe diga como foi tudo: foi esforçada e foi bem dirigida por Julien Mandel. Não tive oportunidade de ver nenhuma prova da película, porém, assisti a algumas encenações e as achei muito boas.
— Diziam qua a principal protagonista feminina seria sua irmã, mas na verdade ...
— Não, não foi minha irmã. Aliás CARIOCA não se guiou pela voz corrente. Não foi minha irmã. E não estaria direito se o fosse. Ela é uma principiante, como sabemos, e embora se esforçasse muito não estaria ainda adaptada ao meio cinematográfico para lograr o grande êxito desejado por Mandel, como heroína de seu primeiro filme. A figura principal, Eliana Angel, é boa artista. Marília, no entanto, cantou um samba que deve agradar quando aparecer "Maria Bonita". Quanto a mim faço o papel de profeta ...
— E por isso usa estas barbas?
— Sim, fui obrigado a deixar crescer a barba. Onde se viu um profeta que se preza sem ela bem comprida e esvoaçante? Quando se é profeta, pelo menos e, filme, o apuro pessoal fica de lado ... Mas é como eu lhe estava dizendo. "Maria Bonita" deve agradar. A cotação que eu dou a esse filme, à parte de quaisquer interesses, é boa. Julien Mandel fez da obra literária de Afrânio Peixoto, uma obra cinematográfica à altura da fama e dos méritos que ele, Mandel, tem nos nossos meios artísticos. A rodagem geral da película deve ter terminado quinta-feira. E é muito provável que já em meados de abril ela possa ser exibida na Cinelândia. A respeito de "Maria Bonita" é só o que tenho a dizer ...
O repórter fez a sua terceira pergunta:
— Acerca do rádio?
— Agora estou outra vez numa atividade mais ampla. Antes eu tinha dupla ocupação e dupla preocupação, aos pulos, aqui e em Barra Mansa. A filmagem de "Maria Bonita" obrigou-me a um regular esforço. Mas creio bem que me sai ... assim ... assim ... da prova -- pelo menos envidei toda a minha boa vontade no sentido de não perder o gosto pelo cinema. De retorno ao rádio tenho a declarar que prossigo, aos domingos, no "Programa Casé" da Transmissora, e às quintas-feiras no "Sambas e outras coisas ..." da Educadora. Estou contente com o caráter, embora ainda pouco definido, que as coisas de rádio estão tomando esse ano. Todo mundo fala em novidades, em originalidades, em grandes empreendimentos ...
— E você também quer falar?
— Nem por isso. Talvez eu tenha muita coisinha passável por dentro do cérebro, mas por enquanto vou deixar tudo como está para evitar aborrecimentos. Marília continua comigo em todos os programas em que atuo e dirijo. E sei que ela vai lançar, brevemente, um novo repertório de sambas ...
— Pode me informar mais alguma coisa, coisa concreta, sobre esse repertório?
— Não, porque isso não se refere diretamente a mim, e além disso já passaram os cinco minutos que eu lhe concedi. Com a agravante desta sua última pergunta já deve ser a quinta ...
— Mas não pode ...
O professor Henrique Baptista levantou-se e apertou rapidamente a mão do repórter. Tinha um olho neste e o outro no relógio.
— Você está enganado pelas minhas barbas compridas, rapaz. Eu, na verdade, não sou profeta, nem de Cascadura ...
Cofiou a barbaça e ... desapareceu.
Fonte: Revista Semanal CARIOCA, de 6/3/1937, no artigo "Cinco Minutos com o Propheta" (texto atualizado).
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