quarta-feira, fevereiro 19, 2014

O samba e suas intérpretes


Por que o samba é diferente na voz de cada uma de suas intérpretes?  O samba é um ritmo vitorioso. Nascido das primeiras expansões de um povo triste, conseguiu evoluir, vivendo hoje dentro do sorriso feliz de toada a gente.

Música que se modifica durante todo o ano, apresenta-se paradoxalmente durante o Carnaval, num estilo só. É o samba com a obrigação de ser alegre.

Mas as cantoras de rádio — que são as principais animadoras do ritmo fremente, sabem variá-lo de acordo com as suas próprias interpretações. O samba torna-se diferente nos lábios e na voz de cada uma, muda de aspecto, de acordo com a personalidade que o interpreta, conseguindo as mais variadas expressões.

As artistas que se dedicam ao gênero popular, devem muito ao êxito do samba o sucesso das suas carreiras. Mas também elas são reconhecidas ao ritmo que não exige muita voz, nem muito estudo para o triunfo definitivo. Apenas personalidade. E é essa mesma personalidade que se desdobra, se multiplica, dando a cada intérprete do samba uma particularidade nova.

Carmen Miranda

Carmen Miranda - 1936
O samba na voz de Carmen Miranda tem uma finalidade única: agradar, empolgando o público. Carmen canta para os seus fãs, gosta de ver muita gente em redor de si, entusiasma-se com o próprio entusiasmo que desperta.

Nos seus lábios, o samba é um ritmo brejeiro, que segue literalmente a personalidade e o temperamento da sua intérprete. Canta sorrindo, enfeitando a música, sem cuidar de vãos e efêmeros sentimentalismos.

— O samba é para mim, antes de tudo um meio fácil de conseguir uma boa situação na vida, declara a a popular cantora que é atualmente a artista mais bem remunerada do “broadcasting” carioca.

A atual estrela de PRE-3 não se inspira nos romances de todo o dia para ajudar a sua interpretação — para ela, o samba é bem a música que evoluiu ...

Aracy de Almeida

Quando Aracy surgiu cantando sambas, há algum tempo, disseram que ela estava procurando assimilar o estilo de Marília Batista. Aracy sacudiu a cabeça, onde as ideias parecem vários batalhões em marcha e continuou cantando.

Hoje, o samba tem na voz de Aracy de Almeida uma das suas principais intérpretes. O samba cantado pelo timbre da sua voz é diferente: malandro sem ser “brejeiro”, vivo porém sem rebuscamentos de “breques” fora do compasso é positivamente criado pelo seu temperamento original.

— Não faço questão de microfone, diz ela. O que eu quero é cantar, tenha público em roda, ou não, ou existam unicamente as quatro paredes do meu quarto.

Ela é o samba na sua expressão mais tropical. Um samba que sabe onde nasceu, que não nega a sua origem e tem orgulho de ser simplesmente samba ...

O microfone de PRE-8 conhece bem os caprichos da vitoriosa artista, concedendo-lhe de vez em quando férias, capazes de ajudá-la a satisfazer o seu grande desejo: cantar sempre, em toda a parte ... Agora mesmo, Aracy regressa de uma de suas excursões ao sul, continuando a encantar os ouvintes da PRE-8.

Aurora Miranda

Aurora é a artista que teve a obrigação de ser diferente: lançada e guiada pelo tirocínio de Carmen Miranda, ouvindo a todo o instante o inconfundível estilo da sua vitoriosa irmã, Aurora sentiu mais que todas as outras intérpretes de samba vontade de criar um modo pessoal, um gênero particular de interpretar o exploradíssimo ritmo. E venceu, deixando de lado toda a expansão inútil e exterior. Ela é a personificação do samba discreto, bem ensaiado, agradavelmente cantado.

Acompanhando Carmen Miranda, contratou-se recentemente na Rádio Tupy. Ali Aurora continua cantando criteriosamente, apresentando aos ouvintes do “Cacique do Ar” um samba ultracivilizado e tão bonito como o seu sorriso sem artifícios ...

Marília Batista

— “Princesinha do Samba”, chamou-a há tempos Paulo Roberto.

— “A melhor cantora”, dizem alguns fãs exaltados. — “Uma menina que ainda está começando” ... — declara Marília com o seu mais ingênuo sorriso.

Marília Batista - 1936
Mas a verdade é que Marília tem um pensamento para cada novo samba e um samba novo para cada audição. Ela é a campeã da inspiração, a esplêndida recordista da música popular, a garota para quem o samba é sempre a confissão que os lábios nunca diriam, se o samba não existisse ...

— O meu primeiro vagido foi ritmado em compasso de samba, diz Marília. Trago o samba nas veias, sinto-o pulsando dentro do meu peito em perfeita harmonia com o tic-tac do coração ...

Ela é a única artista que se dedica apaixonadamente ao sentimento das suas audições. O microfone, diante dela é um pretexto para as suas íntimas expansões e a sonhadora inquietude das suas ideias.

Garota que nasceu artista, não precisa fingir para cantar com a expressão mais verdadeira.

— Sozinha, com o meu violão, cantarolando, eu amo o samba, componho-o como se procurasse descobrir um novo mundo ou inventasse um motivo decisivo para minha felicidade, — diz Marília com um olhar dos seus olhos grandes, cheios de vivíssima luz. A esplêndida cantora conseguiu em pouco tempo um lugar marcante entre as principais intérpretes de samba do nosso “broadcasting”.

Odete Amaral

Odete também é diferente, porque segue, enquanto canta, todos os seus impulsos. Faz-se triste, sente-se verdadeiramente infeliz, enquanto interpreta um samba falando de traição e de abandono. Mas quase sempre deixa o microfone rindo e nunca se preocupa demasiadamente com a música que já cantou.  Interessa-a a nova audição — embora seja inteiramente diferente.

Na sua voz o samba é lento, lembra sempre alguém que procura por sua própria vontade retardar uma finalidade qualquer.

Mas é um ritmo vitorioso, porque a voz de Odete é bonita, a sua expressão embora falsa encanta e também porque ela possui principalmente o que é essencial para vencer no “broadcasting”: personalidade.

O seu contrato na PRD-2 foi recentemente renovado.

Alzirinha Camargo

Alzirinha Camargo - 1936
O samba foi para Alzirinha uma lição de filosofia prática. Ela interpretava canções folclóricas tristes e passadistas, quando ganhou de presente um samba cheio de vida e de alegria. Interpretou-o, logo de início, com uma voz viciada pela garoa de São Paulo. Mas venceu. A sua própria voz foi aos poucos se modificando, adquirindo um timbre decisivo para a interpretação perfeita do seu novo gênero.

Hoje, Alzirinha é diferente por muitos motivos: aprendeu com o samba a viver sorrindo, a cantar pensando com alegria nos seus últimos contratos.

— O samba é bom de ser interpretado, principalmente durante o período carnavalesco, diz a vitoriosa cantora que sempre consegue nessa época o mais sensacional êxito.

Ela é a boneca loura do samba, motivo de inspiração para a própria melodia que lhe deu sucesso.

Dircinha Batista

Diricnha Batista - 1936
A “garotinha deliciosa” ainda não firmou definitivamente a sua interpretação. Por enquanto, é ainda uma criaturinha cheia de vida, que gosta de contar ao microfone as mágoas alheias, mas sem sentir absolutamente nenhum abalo com as demonstrações sentimentais. A sua voz, cantando, é naturalmente triste. Fala talvez de uma personalidade emotiva que repousa escondida dentro dos seus sentidos juvenis. Mas é ainda uma promessa ...

— Canto samba desde pequenina. Antes, interpretava músicas do repertório de outras cantoras, hoje tenho o meu.

Dircinha agrada. Viva, inteligente, cheia de encantador desembaraço, é uma artista que poderá se firmar definitivamente no gênero escolhido. Na PRA-9 ela continua a apresentar continuamente novos sambas de vários autores. Na sua voz, o samba também é diferente: porque ensaia com vida as primeiras emoções ...


Fonte: CARIOCA, de 12/12/1936 (texto atualizado).

Aurora Miranda para os fãs do rádio

Aurora Miranda apareceu como satélite de Carmen Miranda e encorajada por Francisco Alves, que a lançou em músicas de São João, em discos, no rádio e no palco do Recreio, onde interpretou com sucesso uma das músicas premiadas no primeiro concurso de músicas de junho de "A Noite", intitulada "Cabôco do zóio grande".

Aurora Miranda cantou na Phillips, na Mayrink Veiga e, agora acompanhando sempre os passos da irmã, está na Rádio Tupy. Aurora esteve em Buenos Aires e conquistou aplausos cantando para o público portenho.


Fonte: CARIOCA, de 12/12/1936.