A verdade, porém, é que o Jura antes de ser gravado, e ter assim maior difusão, registrou o seu primeiro e grandioso sucesso no teatro lançado como quadro de uma revista musicada pelo Sinhô e por um maestro português que se encontrava no Brasil.
Quem o cantou, então, logrando calorosa salva de palmas e tendo de trisá-lo para satisfazer ao numeroso público que lotava toda a platéia, foi Aracy Côrtes, “A Mulata”, como a chamavam seus milhares de fãs sempre presentes aos espetáculos que a tinham como vedete.
No velho Teatro Phoenix
Em 1928, no velho Teatro Phoenix, existente na Rua Almirante Barroso, e há pouco demolido, estreava na noite de 28 de setembro a revista Microlândia. Eram seus autores os mais famosos revistógrafos da época: Marques Pôrto, Luís Peixoto e Afonso de Carvalho, três nomes que ficaram ligados ao histórico de nosso teatro popularesco.
A revista, com a qual fazia sua estréia naquela casa de espetáculos a companhia dirigida por Norka Rouskaya, tinha, ainda como fator de grande atração, seus números musicais que eram de Sinhô e do maestro Antônio Rada, este tido como de nacionalidade portuguesa e que tinha a originalidade de reger a orquestra dançando e fazendo vibrar uma espécie de chocalho metálico.
Havia ainda, e isto como garantia de seu êxito, o nome de Aracy Côrtes estrelando o elenco ao lado do ator cômico Grijó Sobrinho. Tudo posto em destaque nos anúncios e cartazes anexados à porta do teatro pelo empresário M. Franciscus.
“Jura! Jura!”
No programa, onde, como era de praxe, vinham os retratos das principais figuras do conjunto e a enumeração dos quadros da revista, constava no segundo ato, como seu terceiro número, o samba Jura! Jura! Não se indicava, no entanto, que seria Aracy Côrtes a intérprete, e muito menos esperava-se que a nova composição de José Barbosa da Silva, já cognominado o “Rei do Samba” se tornasse no grande sucesso do espetáculo.
Correu o primeiro ato com agrado geral sucedendo-se os quadros musicais e de comicidade sob palmas entusiásticas. E, portanto, foi num ambiente de alegria e satisfação que se iniciou o ato final onde aparece na Aracy Côrtes, que já vinha sendo aplaudida nas intervenções que tivera antes, para depois da introdução faustosa do novo samba de Sinhô, começar com sua voz rica de nuances melódicas: “Jura! Jura!, pelo Senhor... Jura!, Jura!, pela imagem do redentor prá ter valor a tua jura...”.
Passou da primeira para a segunda parte do samba sempre cantando com aquela bossa bem própria, e ao chegar aos versos finais: “... os sonhos meus, bem junto aos teus, para livrar-nos das aflições da dor”, todo o teatro em delírio gritando: “bis!, bis!, bis!”, insistia para que Aracy cantasse novamente uma, duas, três vezes, em verdadeira consagração, à nova composição do já vitorioso autor de tantos sucessos musicais populares.
Sinhô, presente ao espetáculo, apareceu no palco e abraçado a criadora do seu novo samba, a quem beijara efusivamente, agradecia comovido, quase chorando de alegria, os aplausos e as exclamações de júbilo dos espectadores.
A mulata e o português
Figuras tradicionais de nossas antigas revistas teatrais, a mulata e o português, que sempre apareciam nos quadros de comicidade juntavam-se naquela noite ao sucesso de um samba bem carioca.
A mulata Zilda Espíndola, que no teatro tomara o nome de Aracy Côrtes, lançava vitoriosamente uma nova composição do Rei, que até hoje, em gravações sucessivas, em interpretações as mais diversas, se faz ouvir com agrado.
o português Antônio Rada (1), regente exótico, que conduzia a orquestra gingando e dançando ao ritmo da música executada, integrando-se inteiramente no balanço do samba carioca, contribuíra também para a vivacidade interpretativa comunicando aos músicos que dirigia o seu allegro molto vivo. O ritmo brasileiro, contagiante, agressivo, positivava-se de maneira absoluta.
Os jornais disseram
No dia imediato, fazendo a consagração para a posteridade, definitiva e documentária, as colunas dedicadas ao teatro pela imprensa diziam do sucesso do novo samba. Na unanimidade que marca o êxito absoluto, os jornais ressaltavam nas críticas feitas á revista Microlândia o sucesso da composição que vinha enriquecer a bagagem de Sinhô.
Um dos jornais, O Globo, cuja crítica vinha assinada por um simpIes Erre, dizia, depois de louvores iniciais:
“... Quanto à música do maestro Rada e aos sambas buliçosos de Sinhô, seria injusto dizer-se que não agradam vastamente, suscitando aplausos e bis, como aquele “Jura! Jura!” em que a desenvoltura morena da senhora Arcy Côrtes obteve êxito franco...”.
Hoje, decorridos mais de trinta anos, o Jura! Jura! continua registrando o mesmo sucesso obtido num teatro que as picaretas do progresso demoliram, quando a “mulata” Aracy Côrtes e o “português” Rada contribuíam para o lançamento estrondoso desse inesquecível samba do “Rei” Sinhô.
(1). o maestro Rada (Antônio, Serafim) embora fosse espanhol, era tido como português por ter vindo para o Brasil como regente de uma companhia portuguesa de revistas liderada pela atriz Laura Costa e estreou no Teatro República a 21 de abril de 1926.
(O Jornal, 23/12/1962)
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Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.
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