K. Veirinha |
Toda a turma, já com duas ou três altas pilhas de cartões na mesa, topou a parada e resoluta, pondo em alvoroço o Bar Nacional, da famosa Galeria Cruzeiro, prorrompeu em vivas seguidos.
Nascia, desse modo, em meio de uma reunião boêmia, que acontecia normalmente, todas as tardes, o já hoje tradicional Cordão da Bola Preta, conhecido em todo o Brasil e também no estrangeiro. Ficava, igualmente, consagrado como folião, pois que já o era desde rapazola, o Álvaro Gomes de Oliveira, conhecido no Clube dos Democráticos como Trinca Espinha, apelido mais tarde substituido pelo de K. Veirinha.
À guisa de biografia
Antigamente, todos os associados de destaque dos grêmios carnavalescos adquiriam um pseudônimo sempre precedido de aristocrático Iord. Assim, Álvaro de Oliveira que, ainda garoto, de menor idade, conseguiu ser sócio dos Democráticos quando o alvinegro tinha sede no largo do Machado, ganhou a sua alcunha. Deram-na, mais tarde, já na rua do Hospício (hoje Buenos Aires), para onde o clube se transferiu, uma bem divertida: Lord Trinca Espinha. Continuou com ela na rua dos Andradas e também na do Passeio, locais em que os valorosos ‘carapicus’ estiveram instalados.
Só em 1918, depois da terrível epidemia da ‘influenza espanhola’, da qual, conseguindo escapar, ficou, no entanto, bastante magro, esquelético, perdeu sua antonomásia. Um amigo vendo-o em tal estado exclamou: “Puxa! Você parece uma caveira”. À tarde, na costumeira chopada do Bar Nacional, a turma homologou definitivamente o apelido: “Viva o K. Veirinha!” Nunca mais se deixou de chamá-lo por esse diminutivo ou de completar o seu verdadeiro nome com ele: “o Álvaro K. Veirinha”.
K. Veirinha enfrenta o chefe Leal
Carnavalesco de quatro costados, integrante de um grupo do qual faziam parte, entre outros, os irmãos Oliveira Roxo (Jair, Jorge e Joel), Chico Brício, Archimedes Guimarães (Fala Baixo), Álvaro de Oliveira era desassombrado. Ao ler nos jornais uma portaria do chefe de polícia, Dr. Aurelino Leal, achou o momento propício para mostrar sua coragem. Rigorosa, ameaçadora, a publicação dizia: “Os grupos e cordões que perturbarem a ordem pública terão as suas licenças cassadas, sendo os perturbadores presos e processados, na forma da lei”. Proibia, ainda, mais adiante, de maneira igualmente decisiva, a fundação de grupos similares.
Longe de se amendrontar e disposto a topar uma parada com o ‘chefão’ temido, o grupo das alegres reuniões chopísticas de um dos bares da Galeria Cruzeiro seguiu coeso o líder K. Veirinha. Iriam, todos, desobedecer o mandachuva. Alugaram a sede do Clube dos Políticos, na rua dos Passeio, e na noite de 31 de dezembro de 1918 com um ‘maxixético e rebolativo baile’ (como era de praxe qualificar-se as festas dançantes carnavalescas) consumavam a deliberação. Iniciava, assim, o hoje famosíssimo Cordão da Bola Preta a sua brilhante e vitoriosa trajetória.
Tradição da Bola Preta
O sucesso da noitada de nascimento do Cordão da Bola Preta, com o salão apinhado e a fachada do clube feericamente iluminada, abriu-lhe caminho fácil nos meios carnavalescos. Seus iniciadores (K. Veirinha, Chico Brício, Vaselina, Pato Rebolão, Fala Baixo, Porrete e outros) puderam levar avante o foliônico grêmio sempre com seus bailes excessivamente concorridos. Sem instalação definitiva, realizando seus fandangos na rua 13 de Maio, no Palace Clube, na Cinelândia, num salão do antigo Liceu de Artes e Ofícios, acabou, por fim, rico e poderoso, com a sede própria que ora possui.
Álvaro de Oliveira viu, desse modo, triunfar a sua iniciativa ao mesmo tempo que se firmava uma tradição levando o nome do cordão até às ‘estranjas’ como fator preponderante do fascínio de nosso Carnaval. Os turistas que aqui chegam para conhecer o nosso famoso tríduo de Momo desembarcam na Praça Mauá ou no Galego perguntando pelo baile do Teatro Municipal e também pelo do ‘Bôle Preete’. Coisa que, inegavelmente, apesar de seu feitio boêmio, desprendido, envaidece o K. Veirinha, fundador e sócio número um, benemérito, na prestigiosa agremiação.
Saudosista mas não muito
Afastado das homéricas ‘farras’ dos áureos tempos em que o Carnaval carioca conseguia dividir durante o ano inteiro a cidade em três facções: ‘baetas’, ‘gatos’ e ‘carapicus’, Álvaro de Oliveira é, agora, um homem tranqüilo. O folião K. Veirinha hoje é apenas um assistente da festa de Momo. As vezes, matando saudades, aparece no cordão e vê seus consócios vibrando, entoando o hino feito pelo maestro Vicente Paiva e Nelson Barbosa para em polgar a moçada: “Quem não chora no mama, segura, meu bem, a chupeta. Lugar quente é na cama ou, então, no Bola Preta”.
Recorda, vendo a animação reinante, os bons tempos. Lamenta não encontrar ali a ‘velha turma’, em grande parte desaparecida ou, como ele, fora da ‘linha de fogo’. Orgulha-se, porém, de ver o seu cordão vibrante, nascido de uma rebeldia momentânea, resultado de desobediência ao ‘chefão’, abrilhantando de maneira decisiva a maior festa da Cariocolândia. Caminhando para o meio século de existência o Cordão da Bola Preta, sólido e vitorioso, faz também (reconhece ele feliz e exultante) a consagração de seu apelido: K. Veirinha.
(O Jornal, 27/01/63)
_____________________________________________________________________Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.
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