Festa da Penha de 1911: Romeiros do grupo "Horror à tristeza" e que com devoção sabem cumprir a obrigação de fazer anualmente essa romaria à santa milagrosa (Revista "O Malho", do mesmo ano). |
"As festas que são realizadas nos quatro ou cinco domingos do mês de outubro, em louvor à Nossa Senhora da Penha, não só na sua igreja, lá no alto onde a edificaram, mas, principalmente, no arraial que dá acesso à longa escadaria, embora de cunho religioso, transformavam- se, também, há alguns anos, em prelúdio do Carnaval carioca.
Mais do que os fiéis, do que aqueles que acorriam aos festejos da Penha em romaria para agradecer ou pagar promessas devidas à miraculosa santa, a maior freqüência, aquela que quase na sua totalidade não subia as três ou quatro centenas de degraus para assistir aos atos religiosos, para fazer suas orações, era constituída de gente alheia ao verdadeiro caráter das comemorações.
E no imenso arraial da Penha, levados pelos pequenos e morosos trens da Leopoldina Railway ou em caminhões ornamentados, chegavam famílias de portugueses sobraçando embrulhos com a vitualha para os seus piqueniques. Piqueniques que eram realizados na relva e regados com um bom “verdasco”, bebido em chifres de boi numa revivescência dos velhos costumes pagãos. Chegavam, igualmente, e em grande número, de permeio com os portugueses, os sambistas, os grupos musicais, os malandros dos morros.
Tínhamos então ali no arraial, animado pelos conjuntos musicais, o prelúdio do Carnaval que ia acontecer poucos meses depois.
Nas barracas, em redor das mesas onde se comia e bebia à farta, lançavam-se as primeiras composições para o tríduo de Momo, soltava-se o repertório que ia ser cantado nos três dia de folia.
Outros grupos musicais passeavam pelo arraial acompanhados por uma multidão que logo se formava e transformava-se em participante cantando o estribilho dos sambas e modinhas.
Apareciam sempre na festa da Penha o Grupo Fala Baixo, de Sinhô, que vinha à frente com o seu violão; o grupo do Caninha, o grupo de Pixinguinha com alguns dos elementos que formaram o famosíssimo Oito Batutas, a Tuna Mambembe, de Raul Malagutti, da qual fazia parte também o Benjamin, exímio trombonista, e muitos outros.
O repertório musical carnavalesco tinha, assim, a sua pré-estréia no ambiente de uma festa religiosa e iniciava ali no longínquo subúrbio, a sua popularização para chegar aos dias “gordos” inteiramente conhecido em toda a cidade.
Havia também, de par com as canções de sentido carnavalesco, as que eram dedicadas à santa milagrosa numa exaltação simplória mas muito carinhosa de homenagem e veneração.
Uma delas, de autoria de Ary Barroso, anunciava que o sambista iria à Penha implorar à santa padroeira ajuda para melhorar as qualidades da mulher amada e dizia:
“Eu vou à Penha, se Deus quiser,
pedir à santa carinhosa
para fazer de ti, mulher,
de um coração, a rainha
mais poderosa e orgulhosa.
“Eu fiz uma promessa à santa milagrosa:
me livre dos maus olhados, oh! mãe carinhosa.
Eu devo a tal promessa e tenho que pagar,
vem ia festa da Penha, vou aproveitar.”
Hoje a festa da Penha, vivendo da tradição, ainda realizada no mês de outubro, já não tem essa característica. È quase que apenas uma romaria. Há, ainda, os piqueniques, as barracas vendendo pequenas lembranças — imagens e os clássicos colares de balas e roscas, mas está desfeita a sua caracteristica de prelúdio do Carnaval. Ficou a tradicional festa restrita apenas a um misto de quermesse e de romaria.
Alguns grupos musicais e as atuais Escolas de Samba, entretanto, ainda lhe emprestam um pálido e precário ambiente de festa pré-carnavalesca. Isto, porém, sem o lançamento dos sambas e marchinhas do repertório momístico, como acontecia no tempo de Sinhô, de Malagutti, e com a presença de Pixinguinha, Caninha e muitos outros..."
(Revista da Música Popular, nº 9 — Set. — 1955)
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Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.
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