quinta-feira, abril 19, 2012

K. Noa, folião e carnavalesco

Antônio Velloso, o K. Noa
De fato, o Antônio Velloso dançava mal. Talvez um pouco melhor do que o Bicanca (Jayme Corrêa), seu confrade e funcionário da Polícia Civil que o compositor Careca (Luís Nunes Sampaio) popularizou em cantadíssima marchinha do Carnaval de 1921. Seu apelido de K. Noa, entretanto, foi sugerido quando ele se exibia nos volteios de uma valsa, daquelas bem langorosas e vulgarmente classificadas de ‘para piano’, e nunca mais dele se despegou. Ficou sendo, até no discurso que proferiram à beira de seu túmulo pobre, de boêmio, o simples K. Noa.

Aceitando com bom humor, sem ‘queimação’ a alcunha, tornou-a depois em pseudônimo jornalístico como cronista carnavalesco e desportivo. Firmava seus escritos com ela, grafando-a à maneira exótica e trocadilhesca então em voga entre os que na imprensa tinham o encargo da ‘cobertura’ (como hoje se diz) dos acontecimentos momísticos. O mesmo acontecia nos relatos dos jogos de futebol, a que comparecia para assistir às pelejas travadas entre os famosos Fluminense, Flamengo, Botafogo, ainda existentes, ou Mangueira, Palmeiras e outros já desaparecidos.

No princípio o aprendiz, o ‘foca’

Em 1916 ou 18, pois ele mesmo não sabia o certo, Antônio Velloso iniciava-se no jornalismo tendo como mestre K. K. Reco (Norberto Bittencourt), encarregado das seções esportiva e carnavalesca de A Época. Nesse matutino, com redação e oficina instaladas na rua do Rosário, começou, levado pelo seu chefe, folião de quatro costados, promotor de estrondosas batalhas de confete, a freqüentar os redutos momescos. Dividia, assim, sua atividade de ‘foca’ entre a mesa de trabalho, os campos de prática do association (como se dizia) e os salões das sociedades recreativas.

Nestas últimas, principalmente as carnavalescas, até hoje divididas em ‘grandes’ (que fazem carros alegóricos) e ‘pequenas’ (ranchos e blocos), Antônio Velloso, depois K. Noa, sentia-se à vontade. Boêmio, bebedor de cerveja, fumando sempre um grosso charuto, era mais do que empertigado e cerimonioso jornalista. Despia-se de tal condição para ser um participante animado dos bailes e ‘bródios’ nelas levados a efeito seguidamente nas proximidades do reinado de Momo. Numa só noite, com fôlego e entusiasmo raros, visitava cinco a dez dessas agremiações.

Da dança veio o apelido

Foi justamente numa dessas festas carnavalescas, realizada na Kananga do Japão, no Lírio do Aragão, nos Fenianos de Cascadura, ou no Iáiá Formosa (ele não recordava qual), que nasceu o seu apelido. Como era de praxe, dedicava-se uma dança aos cronistas presentes e todos eles, escolhendo as ‘rainhas’ dos grêmios ou as moças mais bonitas, faziam sua apresentação coreográfica. Dançando sem elegância, tombado como um frágil barco impelido pelo vento, sugeriu a comparação. E um dos colegas, irreverente, apontou-o: “Olha o Velloso! Parece uma canoa!” Desde aí nunca mais o chamaram de outro modo.

Aceitando entre risotas o cognome, passou a adotá-lo dando-lhe a forma gráfica correntia na crônica carnavalesca, onde, além de seu mestre K. K. Reco, havia K. Peta, o K. Rapeta, o K. Zinho e outros ‘Kás’. Pouco depois, desaparecia em definitivo o nome que lhe haviam dado na pia batismal e ele ficou sendo apenas o K. Noa. Até mesmo na Alemanha, onde esteve acompanhando a delegação esportiva do Brasil às olimpíadas ali realizadas, o apelido prevaleceu. Nas recepções, mesmo as solenes, chamavam-no respeitosamente Herr K. Noa.

Folião e incentivador do Carnaval

Jornalista de assuntos carnavalescos, tendo exercido tal mister em A Época, A Pátria, A Manhã, Diário de Notícias, Diário da Noite, Correio da Noite e, por fim, O Dia, era um verdadeiro animador de nossa festa máxima. Promoveu diversas competições, dentre as quais o ‘Dia dos Blocos’ que se efetuava no domingo anterior ao do Carnaval e tinha a participação de grande número de concorrentes, sobressaindo-se dentre eles os famosos Caçadores de Veado e Eles te Dão. Organizou também, paralelo ao tradicional certame do Jornal do Brasil, disputas entre os ranchos sob o patrocínio de A Pátria, quando ali trabalhou.

Afora o incentivo que fazia pelas colunas dos jornais onde militava, era, ainda, participante de ‘sujo’ (grupos improvisados) quando então o víamos na saudosa Galeria Cruzeiro, de cara pintada, dando trote nos amigos. Ao tempo de integrante da redação do Diário da Noite, na rua 13 de Maio, puxava o cordão que dali saía no sábado de Carnaval chefiado pelo diretor daquele vespertino, Mário Magalhães, iniciando a festança momesca. Metido numa velha fantasia de morcego, K. Noa, à frente, era dos mais endiabrados.

Mais uma vez a ‘cigarra’ do La Fontaine

Falando-se ou escrevendo-se sobre um carnavalesco e boêmio, há de se recorrer, embora que cediço ou chavão, ao símbolo da ‘cigarra’ do poeta João, o de La Fontaine. Também o K. Noa cantou, dançou, folgou nas farras de Momo sem amealhar o seu ‘algum’ para o fim da vida. Ajudou a alegrar a cidade incentivando sua gente para as festanças do rotundo ‘rei’, hoje personificado por um perito fazedor de quibes, e morreu pobre, tristemente, num asilo destinado aos que estão na indigência.

Levaram-no a uma cova rasa, das bem humildes, e lá, ao descer o seu corpo inerme, sem aquela agitação que o caracterizava nas noitadas de boemia esvaziando garrafas de ‘fidalga’ e de ‘hanseática’, foram ainda os carnavalescos que lhe disseram adeus. Os que discursaram, chorando, exaltando os seus dotes, que ele os tinha bastante, chamaram-no sempre e simplesmente de K. Noa. Prevalecia ainda o apelido ganho no Carnaval, onde, denodado, sem ambições, defendeu galhardamente a tradição dos ‘kás’ no jornalismo momesco.

(O Jornal, 10/02/63)

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

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