Antônio Velloso, o K. Noa |
Aceitando com bom humor, sem ‘queimação’ a alcunha, tornou-a depois em pseudônimo jornalístico como cronista carnavalesco e desportivo. Firmava seus escritos com ela, grafando-a à maneira exótica e trocadilhesca então em voga entre os que na imprensa tinham o encargo da ‘cobertura’ (como hoje se diz) dos acontecimentos momísticos. O mesmo acontecia nos relatos dos jogos de futebol, a que comparecia para assistir às pelejas travadas entre os famosos Fluminense, Flamengo, Botafogo, ainda existentes, ou Mangueira, Palmeiras e outros já desaparecidos.
No princípio o aprendiz, o ‘foca’
Em 1916 ou 18, pois ele mesmo não sabia o certo, Antônio Velloso iniciava-se no jornalismo tendo como mestre K. K. Reco (Norberto Bittencourt), encarregado das seções esportiva e carnavalesca de A Época. Nesse matutino, com redação e oficina instaladas na rua do Rosário, começou, levado pelo seu chefe, folião de quatro costados, promotor de estrondosas batalhas de confete, a freqüentar os redutos momescos. Dividia, assim, sua atividade de ‘foca’ entre a mesa de trabalho, os campos de prática do association (como se dizia) e os salões das sociedades recreativas.
Nestas últimas, principalmente as carnavalescas, até hoje divididas em ‘grandes’ (que fazem carros alegóricos) e ‘pequenas’ (ranchos e blocos), Antônio Velloso, depois K. Noa, sentia-se à vontade. Boêmio, bebedor de cerveja, fumando sempre um grosso charuto, era mais do que empertigado e cerimonioso jornalista. Despia-se de tal condição para ser um participante animado dos bailes e ‘bródios’ nelas levados a efeito seguidamente nas proximidades do reinado de Momo. Numa só noite, com fôlego e entusiasmo raros, visitava cinco a dez dessas agremiações.
Da dança veio o apelido
Foi justamente numa dessas festas carnavalescas, realizada na Kananga do Japão, no Lírio do Aragão, nos Fenianos de Cascadura, ou no Iáiá Formosa (ele não recordava qual), que nasceu o seu apelido. Como era de praxe, dedicava-se uma dança aos cronistas presentes e todos eles, escolhendo as ‘rainhas’ dos grêmios ou as moças mais bonitas, faziam sua apresentação coreográfica. Dançando sem elegância, tombado como um frágil barco impelido pelo vento, sugeriu a comparação. E um dos colegas, irreverente, apontou-o: “Olha o Velloso! Parece uma canoa!” Desde aí nunca mais o chamaram de outro modo.
Aceitando entre risotas o cognome, passou a adotá-lo dando-lhe a forma gráfica correntia na crônica carnavalesca, onde, além de seu mestre K. K. Reco, havia K. Peta, o K. Rapeta, o K. Zinho e outros ‘Kás’. Pouco depois, desaparecia em definitivo o nome que lhe haviam dado na pia batismal e ele ficou sendo apenas o K. Noa. Até mesmo na Alemanha, onde esteve acompanhando a delegação esportiva do Brasil às olimpíadas ali realizadas, o apelido prevaleceu. Nas recepções, mesmo as solenes, chamavam-no respeitosamente Herr K. Noa.
Folião e incentivador do Carnaval
Jornalista de assuntos carnavalescos, tendo exercido tal mister em A Época, A Pátria, A Manhã, Diário de Notícias, Diário da Noite, Correio da Noite e, por fim, O Dia, era um verdadeiro animador de nossa festa máxima. Promoveu diversas competições, dentre as quais o ‘Dia dos Blocos’ que se efetuava no domingo anterior ao do Carnaval e tinha a participação de grande número de concorrentes, sobressaindo-se dentre eles os famosos Caçadores de Veado e Eles te Dão. Organizou também, paralelo ao tradicional certame do Jornal do Brasil, disputas entre os ranchos sob o patrocínio de A Pátria, quando ali trabalhou.
Afora o incentivo que fazia pelas colunas dos jornais onde militava, era, ainda, participante de ‘sujo’ (grupos improvisados) quando então o víamos na saudosa Galeria Cruzeiro, de cara pintada, dando trote nos amigos. Ao tempo de integrante da redação do Diário da Noite, na rua 13 de Maio, puxava o cordão que dali saía no sábado de Carnaval chefiado pelo diretor daquele vespertino, Mário Magalhães, iniciando a festança momesca. Metido numa velha fantasia de morcego, K. Noa, à frente, era dos mais endiabrados.
Mais uma vez a ‘cigarra’ do La Fontaine
Falando-se ou escrevendo-se sobre um carnavalesco e boêmio, há de se recorrer, embora que cediço ou chavão, ao símbolo da ‘cigarra’ do poeta João, o de La Fontaine. Também o K. Noa cantou, dançou, folgou nas farras de Momo sem amealhar o seu ‘algum’ para o fim da vida. Ajudou a alegrar a cidade incentivando sua gente para as festanças do rotundo ‘rei’, hoje personificado por um perito fazedor de quibes, e morreu pobre, tristemente, num asilo destinado aos que estão na indigência.
Levaram-no a uma cova rasa, das bem humildes, e lá, ao descer o seu corpo inerme, sem aquela agitação que o caracterizava nas noitadas de boemia esvaziando garrafas de ‘fidalga’ e de ‘hanseática’, foram ainda os carnavalescos que lhe disseram adeus. Os que discursaram, chorando, exaltando os seus dotes, que ele os tinha bastante, chamaram-no sempre e simplesmente de K. Noa. Prevalecia ainda o apelido ganho no Carnaval, onde, denodado, sem ambições, defendeu galhardamente a tradição dos ‘kás’ no jornalismo momesco.
(O Jornal, 10/02/63)
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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.
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