Mauro de Almeida |
Desde então, graças à divulgação chistosa feita pelos semanários O Rio Nu e O Coió, em 1914, no jornalismo, no teatro e, principalmente, no Carnaval, seu nome sério, da certidão civil, desapareceu. Quando a ele se dirigiam ou faziam referência, chamavam-no sem cerimônia Peru dos Pés Frios, optando, no entanto, algumas vezes, pela junção ‘Mauro, o Peru’. Boêmio, figura assídua do Café Suíço, do Café Teixeira e dos salões dos Democráticos, Fenianos e Tenentes, entre seus companheiros de imprensa, de palcos e de lides momescas, jamais tentou coibir ou impedir o apelido.
Da tipografia vem mais um ‘foca’
A exemplo de Machado de Assis e de muitos outros homens célebres, Mauro de Almeida saiu de uma tipografia (Casa Montealverne) para ingressar no jornalismo. Começou, em 1910, como ‘foca’ na redação de a Folha do Dia da qual era diretor Joaquim Pereira Teixeira. Muito embora o aprendizado tenha sido feito nesse órgão, ele proclamava sempre como seus mestres Candido de Campos e Vitorino de Oliveira. Pois foi, asseverava, sob a orientação de ambos que se projetou como o grande repórter da imprensa carioca.
Ágil, entrando no jornalismo quando o noticiário saía de sua placidez para a movimentação arrojada, Mauro de Almeida, em meio de uma turma famosa (Rocha Pombo, Paulo Cleto, Bernardino, Eustáquio Alves, Castelar de Carvalho, Mota Coqueiro e outros), foi um de seus integrantes. Ao invés da quietude das mesas das redações ia colher o fato in loco, sentindo-o, transmitindo-o, portanto, na vibração capaz de impressionar verdadeiramente o leitor. Coisa que fazia como resultante de seu feitio boêmio, aventuroso, avesso à rotina do burguesismo cômodo e sem riscos.
Jornalista e, principalmente, carnavalesco
Notívago, vivendo à época das madrugadas ruidosas em que se encontravam literatos, artistas e a gente dos jornais para a costumeira visita aos cabarés e aos clubes carnavalescos, Mauro acabou sendo o mais constante dessas reuniões. Os bailes dos ‘carapicus’ (Democráticos), dos ‘baetas’ (Tenentes), dos ‘gatos’ (Fenianos), assim como dos Zuavos, dos Políticos e outros clubes, tinham sempre sua presença. Participava sem cansaço do maxixe rebolativo e, nas ocasiões solenes, deitava o verbo inflamado com a taça espumante de champanha em punho.
Depois, já muito ligado ao ‘castelo’ (nome que tem a sede do Clube dos Democráticos), onde contava grandes amigos como Morcego (Norberto Amaral), Duarte Félix, Raul Goulart e mais alguns, ‘defendia’ os carros de crítica dessa agremiação nos desfiles tradicionais do Carnaval. Participação que não se tornava exclusiva, pois, quando o Barros e o Barãozinho dos Tenentes ou o Cavanellas e o Bouvier dos Fenianos o chamavam para escrever os puffs, tinham prontamente sua colaboração. Tudo feito graciosamente, no prazer da farra carnavalesca.
Um mineiro compra um bonde
De espírito folgazão, sempre disposto ao chiste, à irreverência, transmitia esse seu feitio nas palestras e nos seus escritos jornalísticos. Jamais perdia oportunidade para um gracejo, para uma tirada de sabor humorístico. Assim, quando o secretário do Diário Carioca lhe pediu uma matéria para determinada página, encontrou-a facilmente ao chegar na janela. Vendo defronte ao jornal certo sujeito que falava ao condutor apontando para o bonde com visível interesse, ‘bolou’ a reportagem salvadora.
No dia seguinte, posta em lugar de destaque, com título vistoso e foto em três colunas, aparecia a notícia “O Mineiro Comprou o Bonde”. Seguia-se, muito bem imaginado e corroborado pelo convincente flagrante da transação, o relato da inusitada operação comercial que, até hoje, desagradando a gente das alterosas ainda tem curso como coisa verídica. Resultado de brincadeira de um repórter carecente de assunto e que se acostumara às brincadeiras carnavalescas onde as cometia no próprio do ambiente folgazão e de perene alegria.
Carnavalesco morre pobre, mas alegre
Aos 75 anos de idade, pobre, morando no longínquo subúrbio de Realengo em casa tão pequena quanto modesta, presa de grave enfermidade Mauro de Almeida, o famoso Peru dos Pés Frios, encerrou sua existência. Depois de uma vida intensa na qual, além do jornalismo, foi também ator teatral, tendo trabalhado por pouco tempo e sem constância em várias companhias, ao lado de Ismêmia dos Santos, Conchita de Moraes e outros valores da época, morreu tranqüilo, conservando ainda seu bom humor.
Quando ali o foram entrevistar já em seus últimos dias, ainda o encontraram lúcido, permitindo-se a piadas: “sento-me aqui na porta para a megera da foice não ter o trabalho de me procurar lá dentro”. Não deu ao colega uma reportagem triste, chorosa, mas muitas colunas de uma conversa fluente. Falou de sua amizade com a saudosa Irmã Paula, de quem foi uma espécie de agente de relações públicas, e de seu orgulho em ser ‘bombeiro honorário’ por ato do comandante Oliveira Lírio. Confortou, ainda, sua dedicada esposa Dorinha dizendo-lhe não ter preocupações pois que ele como autêntico ‘peru’ não morreria na véspera. De fato, morreu dias após o Carnaval.
(O Jornal, 23/02/63)
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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.
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