domingo, abril 01, 2012

Vagalume: capitão do samba e do carnaval

Mais do que o seu nome prevalecia o pseudônimo: "Vagalume". Com ele assinava as reportagens policiais e as seções carnavalescas nos vários jornais em que trabalhou na imprensa carioca. Vez por outra, no entanto, antes ou após o apelido, reforçando-o, pespegava o seu jamegão solene: Capitão Francisco Guimarães. Com qualquer das duas identidades, a legítima — constante do documento civil — ou a que criara no jornalismo, gozava, reconhecidamente, de sólido prestígio entre a gente do samba e os adeptos de Momo.

Tido como o pioneiro do colunismo dedicado ao Carnaval, freqüentando os seus redutos e as agremiações que lhe davam contribuição precípua e ostensiva, Vagalume acabou sendo um autêntico expert. Além da amizade que o ligava aos mais destacados foliões, estava a par de todos os acontecimentos relacionados com a nossa festa máxima e, como sempre acontecia, furava no seu noticioso todos os colegas. Até mesmo a confecção dos préstitos das alegorias dos grandes clubes e os enredos dos ranchos, realizados sob segredo que supunham impenetrável, o Capitão Guimarães os desvendava e trazia-os para sua seção carnavalesca.

De ferroviário a jornalista

O primeiro emprego de Francisco Guimarães logo que saiu do Instituto Profissional, foi o de auxiliar de trem, em 1877, na antiga Estrada de Ferro D. Pedro II. Pouco depois, porém, por intermédio de Luiz Gama, iniciava-se no jornalismo com o encargo de noticiar os fatos ocorridos não só na ferrovia onde fora trabalhar, mas, igualmente, na Rio Douro e na Leopoldina Railway.

Passou a ser o que hoje, no escalonamento profissional jornalístico, chama-se “repórter de setor”. Ativo, integrando-se rapidamente naquilo que era sua vocação, não se demorou preso por muito tempo a tal incumbência e tornava-se repórter policial e de assuntos gerais, ou seja, todos os de interesse dos leitores.

Já integrado na redação do Jornal do Brasil, numa época em que apenas a imprensa escrita era o único veículo informativo, Guimarães ganhava destaque para suas matérias e recebia, então, convites de outros periódicos. Aceitou o de A Tribuna e ali começou a assinar uma seção intitulada “Vagalume” que acabou sendo o pseudônimo com o qual se popularizou em toda a cidade e dominou nas rodas dos sambistas e dos carnavalescos. Foi com essa alcunha que no Jornal do Brasil tendo a seu dispor toda uma página (às vezes duas) passou a dar amplo incentivo ao Carnaval e atingiu à liderança entre os cronistas surgidos em outras folhas.

Um Capitão a serviço de Momo

Francisco Guimarães que se alistou como voluntário no Batalhão Tiradentes e nele, em 1893, participou da revolta chefiada por Custódio de Mello defendendo a legalidade, mereceu de Floriano Peixoto excepcional distinção. O Marechal de Ferro “cingiu-lhe ao punho o galão de ouro de Alferes Honorário do Exército”, segundo o escrito de um relato da época. Militarizado por deferência especial, o jornalista ganhou, passados alguns anos, uma promoção, pois, em nova homenagem, o governo lhe dava o posto de capitão de um dos batalhões da Guarda Nacional. Orgulhoso dessa patente, embora — supõe-se — jamais houvesse envergado a farda da corporação, gostava que a declinassem quando a ele se referiam.

Assim, portanto, como capitão e jornalista, Vagalume foi um denodado entusiasta do samba e do Carnaval, setores nos quais conviveu durante toda sua vida de imprensa. Pôde por isso, quando morreu a 10 de janeiro de 1947, deixar valiosos subsídios, apreciável contribuição para investigações que se venham a fazer a respeito do folclore carioca.

Seu livro Na Roda do Samba, de pequena edição e hoje raro, sem ser erudito ou de grande apuro de escrita, tem reconhecido valor como documentário. Do mesmo modo, o folhear das coleções dos jornais (Diário Carioca, Crítica, Diário de Notícias, Rio Jornal, etc. inclusive os já citados) onde Francisco Guimarães foi cronista carnavalesco, atestará a assertiva aqui feita.

Ligado aos pretos e às suas religiões

Fiel à sua cor, Vagalume sempre se incorporava aos movimentos que visassem a elevar os pretos e dar-lhes dignificação social. Dentro desse propósito fez parte de várias associações destinadas a tal fim. E quando o jornalista negro norte-americano Robert Abott, em 1913, visitou o Brasi!, realizando uma campanha anti-segregacionista, Guimarães foi um de seus recepcionistas. Incorporou-se também a todas as homenagens que lhe prestaram.

Posteriormente (1933) além de dedicar o seu livro a dois famosos pais-de-santo, como o foram Henrique Assumano Mina do Brasil e Tenente Hilário Jovino Ferreira, escreveu na Crítica uma série de reportagens intitulada Mistérios da Mandinga. No seu estilo leve, despreocupado, contou coisas interessantíssimas falando dos terreiros que freqüentou e de seus contatos com alufás e feiticeiros alquimistas de despachos e ebós os mais exóticos.

Resta ainda muito a ser escrito rememorando-se o cronista carnavalesco que tanto serviu à maior festa do povo carioca. E para que não paire dúvida de exagero transportemos aos nossos dias os termos com que o Clube dos Zuavos, na noite de 3 de fevereiro de 1918, dedicou-lhe “farandólico guizantíssimo e poli-desengonçadérrimo baile à fantasia”. Recorrendo a tão estranha adjetivação chegavam ao motivo da homenagem que era o de “profundo tributo aos incomensuráveis préstimos do mais lídimo apóstolo da propaganda ao Deus da Troça, o jornalista Capitão Francisco Guimarães, o Vagalume”.

(O Jornal, 10/01/1965)
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Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.

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