Foi assim que ele se celebrizou no exterior: seu pandeiro e malabarismo o levaram à Hollywood |
Começou a tocar o instrumento que lhe deu fama na Festa da Penha — Estreou como profissional no regional de Benedito Lacerda — Excursionará brevemente aos principais países da América do Sul e à Europa.
Pouca gente há de saber tão bem contar sua história como Antônio Cardoso Martins, o popular Russo do Pandeiro que, depois de viajar pela Europa e pelas Américas, está hoje com seu futuro assegurado graças aos seus malabarismos e à sua capacidade rítmica.
Russo está no Rio, depois de quase oito anos de ausência, interrompida, há dois anos atrás, com uma rápida viagem ao Rio a fim de contratar um orquestrador. Chegou à cidade na segunda-feira de carnaval e ficou na Urca onde pode matar um pouco das saudades acumuladas por tantos e tantos anos.
Foi lá na casa de seus pais, Rua Cândido Gaffré, que fomos encontrá-lo, e, entre um cafezinho servido na varanda, as anedotas e os "casos" ocorridos em Nova York com brasileiros que visitavam a América, Russo nos contou sua vida. A primeira pergunta do repórter, sobre como ele aprendera a tocar pandeiro, recebeu a mais surpreendente de todas as respostas:
- Por acaso!
- Por acaso?! Repetimos estranhando.
- Sim, meu velho. Nasci em São Paulo e fui criado no Estácio. Meu pai me colocou na Light para aprender o ofício de mecânico. Um dia, porém, quando eu me encontrava debaixo de um ônibus ajeitando a caixa de mudanças, tive um sono terrível e adormeci. O chefe da oficina me pegou dormindo e eu saí do emprego.
- Mas, que tem isso com pandeiro?!
- Espere um pouco e você verá! Chegando em casa tive uma discussão com papai e fui morar na Praia das Virtudes, dormindo debaixo das canoas, na falta de um abrigo melhor...
- E o pandeiro? Interrogamos novamente.
- Calma, irmão! Uma tarde, depois de muitos dias de fome, eu estava na Praça Tiradentes vendo se arrumava qualquer coisa quando apareceu um rapaz conhecido apelidado de Rollo, que me convidou para ir vender medalhinhas, na Festa da Penha.
- E você aceitou?
- Claro. De imediato pedi uns níqueis e, com dois cruzeiros no bolso, procurei um restaurante chinês, onde almocei por oitenta centavos, comprei duzentos réis de cigarros e fiquei na cidade até o instante de ir para a Penha me encontrar com o rapaz. Cheguei à Penha às 5 horas da manhã e fiquei esperando Rollo; mas as horas passaram e não consegui ver meu quase patrão. Às 10 horas, cansado e morto de fome, me encostei perto de uma árvore e fiquei observando um conjunto composto de piston, saxofone, trombone, banjo e bateria que tocava na Penha. Horas e horas fiquei ali até que despertei a atenção do baterista, meu amigo Newton e ele, talvez vendo meu aspecto de fome, e meu interesse pela música, me chamou para seu lado e me encarregou de servir o “chopp” e os sanduíches aos músicos.
- Seu primeiro contato com a música foi pela bomba de "chopp", não foi?
- Justamente. Servi os "chopps", comi e bebi também e, lá para as tantas, eu, que nunca tinha visto um pandeiro, comecei a bater no couro de um que o Newton tinha na bateria.
- Ficou músico numa festa da Penha?
- Sim, de Nossa Senhora da Penha, minha padroeira e madrinha.
- E depois dessa estréia, como foi que você se consolidou como pandeirista?
- Fiz as pazes com papai e voltei para casa. Nesse tempo Benedito Lacerda era músico do Exército e, volta e meia, gravava com um conjunto que formava no momento. Eu comprara um pandeiro de um polícia que morava na Rua Maia Lacerda, numa casa de cômodos, ou por outra: trocara o pandeiro por uma cerveja de mil e duzentos! Benedito me viu batucando no pandeiro e convidou-me para gravar na Bruswick. Ao terminar a gravação eu já me considerava músico profissional!
- E daí?
- Fiquei com Benedito longo tempo. Atuei na Tupi, Guanabara, Transmissora, e Philips. Excursionei à Argentina e Uruguai com Chico Alves e Alzirinha Camargo. Fui à França com Josefine Backer, a quem ensinei a tocar pandeiro. Atuei na Urca, no Icaraí, em Petrópolis e organizei uma orquestra com Carlos Machado que me levou aos Estados Unidos.
— E na América do Norte?
— Fui contratado para atuar duas semanas no Copacabana Night Club de Nova York e acabei ficando nove meses seguidos! Do Copacabana, para a Broadway, tomei parte no show de George Jessel, onde fiquei quatro semanas e do palco da Broadway segui para Hollywood. Comecei no filme “Copacabana”, terminando com “A Bela do Velho México”, filme que está agora sendo exibido em Nova York.
— Você pretende voltar, Russo?
— Agora pretendo descansar um pouco. Depois irei a Buenos Aires, Montevidéu, Europa e novamente, Estados Unidos.
Dizendo isso, mostra-nos um álbum onde figuram várias fotos de artistas da América, com dedicatórias expressivas, terminando com uma fotografia de sua casa em Hollywood, casa que pertenceu a Rodolfo Valentino e que ele comprou por 600 mil dólares!
Orson Wells, Russo do Pandeiro e Frank Sinatra num night club de Hollywood (R. da Semana/1947) |
(Reportagem da Revista do Rádio, em abril de 1951)
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Fontes: Revista do Rádio, de 13/04/1951; Revista da Semana, de 18/11/1947.
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