Os "speakers" Afonso Scola, César Ladeira, Cristóvão de Alencar, Aurélio de Andrade, Dilo Guardia e Gastão do Rego Monteiro, avaliam as músicas carnavalescas de 1936 - Fotos: CARIOCA, 01/02/1936. |
“O Carnaval está se aproximando rapidamente. O carioca já está começando a se sentir invadido pelo entusiasmo que lhe desperta a presença de Momo — soberano do Riso e da Alegria. As músicas de Carnaval já dominam a cidade. No rádio, nas batalhas de confete e nos bailes.
Era fama na velha Grécia, que o vinho e a música são os dois fatores da alegria humana. A eles dois, devem os foliões render as suas homenagens. Os compositores populares já mostraram as melodias que vão ser cantadas nos três melhores dias do ano. Umas boas, outras más. Todas com esperanças de êxito. Todas com pretensões a sucesso.
CARIOCA, que interpreta o pensamento do nosso povo, quis ter uma impressão acerca das músicas que seriam mais cantadas. Para isto, procurou os “speakers” das nossas estações de rádio. O “speaker” é quem melhor conhece os gostos e preferências do público com quem está sempre em contato através o microfone. Eles podem dizer, com segurança, quais os sucessos de 1936. Várias músicas foram indicadas. Vencerão umas, falharão outras. É muito difícil descobrir a preferência do público, quando se sabe que o sucesso, às vezes, é devido a uma insignificância.
Dilo Guardia, o “speaker” da Rádio Transmissora — a estação mais nova da cidade, declara:
— “A marcha que julgo ser o mais formidável sucesso neste Carnaval é a “Marcha do grande galo”, uma criação de Almirante. Seus autores, Paulo Barbosa e Lamartine Babo foram felizes, pois possui esta música o fator principal para a vitória — originalidade.
Outras marchas existem que também eletrizam pelas suas melodias, pelas suas letras, mas... os seus estribilhos são menos fáceis de serem cantados pela massa popular carnavalesca da cidade. Refiro-me à “Cadência”, de Nássara, e “A. M. E. I.”, de Nássara e Frazão, ambas lançadas por Francisco Alves. O “Marido da Eva”, só pelo título é quase que uma cartada certa. Gosto bastante da marcha de Oswaldo Santiago “Você ainda não me deu”, que Gastão Formenti gravou. Também promete.
Sambas? ... Este caso é bastante complicado para se resolver. Não quero que se julgue que pretendo antever sucessos, mas, a julgar pelo que vejo, tenho a impressão que “Palpite infeliz”, de Noel, não deve perder este páreo: “Carnaval de 1936”. Aracy de Almeida lançou-o com grande precisão e depois (dizem os mais entendidos a Vila é o reduto dos sambas que nascem para vencer. Vai daí o meu prognóstico. Orlando Silva também possui criações suas que devem trazer surpresas e não sei como ficará definida tão grande prebenda”.
“Marchinha do Grande Galo”, de Lamartine Babo:
O galo de noite cantou,
Toda gente quis ver
O que aconteceu!
Nervoso, o galinho respondeu:
Có, có, có, có, có, có, có, ró
A galinha morreu...
Có, có, có, có, có, có, có, ró
Có, có, có, có, có, có, có, ró
O galo tem saudade
Da galinha carijó. (Bis)
A minha vizinha também
Certa noite gritou
Toda gente acordou!
Nervoso, o marido respondeu:
Có, có, có, có, có, có, có, ró
Hoje o galo sou eu!
Cesar Ladeira dispensa apresentações. Mais do que ninguém, pode ter autoridade para responder à nossa enquete. Cesar Ladeira é, porém, muito “diplomata” e não quer desgostar ninguém:
— “A experiência já me ensinou a não fazer profecias. Por temperamento, sou realista: amo as coisas positivas. Por isso não gosto de “palpites”. Todas as marchas e sambas que são apresentadas para o Carnaval têm, como objetivo, é claro, vencer, o páreo difícil da preferência pública. Dar “palpites” nesse caso é descontentar os meus particulares amigos — os compositores, prodígios de inspiração carnavalesca. Prefiro gostar de todas. Meu coração é grande: “deixai vir a mim as marchinhas” ... E por falar nisso, que marchinha formidável a do Noel Rosa “Pierrot apaixonado”, hein? Chi! menino, está “abafando”.
Assim falou o mais querido dos “speakers” da cidade.
“Pierrot apaixonado”, marcha de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres:
Um Pierrot apaixonado
Que vivia só cantando
Por causa de uma Colombina
Acabou chorando, acabou chorando (bis).
A Colombina entrou no botequim
Bebeu, bebeu, saiu assim, assim....
Dizendo: Pierrot “cacete”
Vá tomar sorvete
Com o Arlequim.
Um grande amor tem sempre um triste fim
Com o Pierrot aconteceu assim
Levando esse grande “shoot”
Foi tomar “vermouth”
Com amendoim.
Aurélio de Andrade tem sobre os outros “speakers” da cidade a vantagem de haver vencido em torneio deste gênero, derrotando inúmeros adversários, quando da inauguração da Rádio Tupy. Eis o que nos disse:
— Fazer prognósticos sobre sucessos é quase impossível, por enquanto. O concurso das “ruas” só se decide em definitivo, na quarta-feira de cinzas. Aí é que se conhece o vencedor. Mas... creio que “O marido da Eva” e “Querido Adão” são concorrentes bastante sérios. Ambas as marchas possuem grandes credenciais para o triunfo, tem características de vitória, em sua composição. Assis Valente, que todos nós conhecemos de um sem número de sucessos anteriores, tem “A infelicidade me persegue”, que é um samba ótimo. Não está ainda, é verdade, bastante conhecido. Em pouco tempo porém, sê-lo-á, e então...
“Querido Adão” — Marcha de Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago:
Meu querido Adão
Todo mundo sabe
Que perdeste o juízo
Por causa da serpente tentadora
O nosso mestre te expulsou, do Paraíso.
Mas em compensação
O teu pobre coração
Que era pobre, pobre,
Muito pobre de amor
Cresceu e eternizou, meu Adão
O teu pecado encantador.
Gastão do Rego Monteiro é um dos novos na sua arte. Tem pouco tempo de “speaker”, porém, está agradando e dentro em breve será, por certo, um dos primeiros da cidade. Novo como “speaker”, não o é, porém, no rádio. Ao contrário, conhece-o a fundo e sabe o que agrada ao público.
— “Marchinha do Grande Galo” é a que tem mais chance de vencer. Tem mais “carnaval” que qualquer outra e possui uma alta dose de originalidade. Sei que ela está fazendo sucesso, não só pelos pedidos que me vêm às mãos, como também, pelo que tenho observado nas festas. Há outras que devem também agradar, como: “Pierrot apaixonado”, “Vem meu amor” e “Oh! Oh! Não” que, por sinal, é ótima! Em sambas, destaco “Samba”, de Hervé Cordovil, música que tem no nome, o reflexo exato de seu valor. “As lágrimas rolavam”, que é muito carnavalesco e “Palpite infeliz”, são, também concorrentes muito autorizados.
“As lágrimas rolavam” — Samba de Kid Pepe, Germano Augusto e Guará:
As lágrimas rolavam
Na face da mulher
Que eu mais amava e deixei
A meus pés ajoelhada
Ela me implorava... implorava
Perdoa... perdoa.
E eu rude, embrutecido
Fui me embora convencido
E não tive explicação
Desde daí tenho amargado
Por ela ter chorado
A nossa separação.
Eu agora vou voltar
A teus pés para implorar
Com uma dor no coração
Nesta vida me maldigo
Do que aconteceu comigo
Tenho que pedir perdão...
Pouca gente conhece Armando Reis. Muita gente conhece Cristóvão de Alencar. O primeiro é conhecido pelo “pessoal” do rádio. O segundo é conhecido pelo público. A diferença existente entre ambos é que o Armando é compositor e o Cristóvão é o “speaker” da PRC-8, Duas personalidades distintas, numa só criatura — aquele que aos sábados “canta” ao microfone da Guanabara as músicas de sucesso. Como o Armando Reis, não está este ano inscrito no “Grande Prêmio Carnaval de 1936”, o Cristóvão sente-se à vontade para falar:
— Três marchas há, que são dignas de grande sucesso: “O marido da Eva”, “A. M. E. I.” e “Pierrot apaixonado”. Cada uma dela apresenta uma característica distinta: “O marido da Eva” é toda alegria e vivacidade, “A. M. E. I.” é a marcha sentimental, tipo “Formosa” e, por isso mesmo, capaz de grande sucesso. O “Pierrot” está entre as duas: tem uma parte sentimental que é o estribilho e logo nos versos sente-se a alegria e o bom-humor do autor.
Quanto a sambas, destaco “Palpite infeliz”. Sou aliás, suspeito para falar porque se trata de um samba dedicado à Vila Isabel, bairro que é “do coração”. Reconheço, porém, que “As lágrimas rolavam”, tem muito ritmo carnavalesco e pode mesmo, “abafar”, no Carnaval de rua, no Carnaval popular. Poucas vezes, tenho visto um samba com caráter tão carnavalesco e tão bom para “ranchos” e “cordões”.
“Marido da Eva” Marcha de Nássara:
Você ganhou mas não leva
Eu sou o marido da Eva.
Certidão de casamento
Não resolve de momento
A questão
Se ainda tenho no pescoço
“Entelado” este caroço
Eu sou mesmo, “Seu” Adão.
Descobri no fim da festa
Que a maçã era indigesta
Fiz asneira,
Se a serpente não me engana
Eu comia, era banana
Sobremesa brasileira.
Afonso Scola é o dono daquela voz simpática, a que já se habituaram os ouvintes da PRD-2. Um dos organizadores dos programas de discos, da Cruzeiro do Sul, conhece perfeitamente quais as preferências do público, com quem está sempre em contato pela numerosa correspondência que diariamente lhe chega às mãos, com pedidos de músicas. A sua resposta foi breve, porém expressiva:
— Creio que “Carnaval é rei” é sério concorrente. Possui o nosso ritmo e tem um acento nitidamente carnavalesco. “Pierrot apaixonado”, também é perigoso — mexe com os nervos do carioca. Há ainda uma marcha que está pouco falada porque ainda não está bastante conhecida. É “Fra Diavolo no Carnaval”, da autoria de Carlos Dix. Creio que ela está no páreo. Sambas? ... Acho que para o Carnaval, a marcha é que se impõe. Em todo o caso, dos sambas apresentados “Palpite infeliz” e “As lágrimas rolavam”, são os mais cotados.”
“O Carnaval é rei” — Marcha — Letra de Ernani Campos; música de Antenógenes Silva:
O Carnaval é rei
O rei da animação
Quando ele vem chegando
Todos nós vamos perdendo
Do juízo a noção (bis).
O seu amor garota
Firmeza nenhuma tem
É como o nosso Carnaval
De duração tão curta
e deixa a gente mal.
Quando você vier
Buscar o meu coração
Você o encontrará pisado
Junto aos confetes
a rolar no chão.
Fonte: CARIOCA, de 01/02/1936
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