Custódio com sua mãe - 1936 |
— Os jornalistas são grandes diplomatas — disse Custódio quando CARIOCA foi bisbilhotar a sua vida — sempre dizem coisas amáveis, quando não fazem inteiramente o contrário.
Custódio é o homem das frases imprevistas.
— Nasci precisamente no dia em que vim ao mundo — isso há vinte e tantos anos. Se vocês virem pelas ruas um guri chorão, amigo da mamadeira e de fazer grandes pirraças, podem fotografá-lo e publicar como sendo eu... Fui igual a todas as crianças assim. As minhas maiores originalidades foram estudar piano com fúria, já crescidinho, e servir de sacristão numa igreja. Depois mudei de hábitos — comecei a fazer coisas banais: namorar pequenas bonitas, sonhar alto com um amor verdadeiro e alimentar a esperança de guardar a felicidade nas mãos. Quem alimenta a esperança morre de fome. Descri da felicidade e fiquei com os momentos alegres.
Custódio é muito loquaz. Sozinho entretém um auditório inteiro, fazendo “blagues” e mudando constantemente de assunto. Custódio fez amizade com Ramon Novarro, que cantou aqui no Palácio sua marcha “Se a lua contasse” ... Ramon escreve, de quando em quando, para Custódio Mesquita e, agora mesmo, de Londres, desmente a notícia de seu fracasso e miséria. Vai muito bem, trabalhando no teatro com Doris Kenyon, e agora vai filmar na Inglaterra. Mas, passemos sobre isto, o que interessa, agora, é Custódio.
— Quem vive sempre na cidade acaba intoxicado — diz ele — pela poeira das ruas, pelo movimento humano que parece intervir no próprio ar. Eu passei esses últimos meses longe do Rio.
Olhamos o novo Custódio Mesquita — legítimo Tarzan, como o classificou Cesar Ladeira.
— Trouxe músicas novas?
Custodio sorriu.
— Aponte canções para Elisa Coelho: “No tempo do imperador”, “Porque”, “Lamento”, “Canção de uns olhos tristes”. Compus para João Petra de Barros: “Se eu pudesse falar”, “Conheço um lugar onde se sonha”, “Almofada de cetim”. Para Aurora Miranda: “Juntei meus trapinhos”, “Passe bem”, “Quem te fez assim tão prosa” e “É noite”, sambas e marchas. Carmen Miranda lançará: “Cuíca e tamborim”, “Pretinho” e “O que os olhos não veem...”.
Custódio Mesquita durante os oito meses em que esteve afastado do meio radiofônico deu inteira expansão aos seus instintos artísticos.
— No meio do mato, um plano, um cachorro.
— E a vida aqui, Custódio?
— É simples. Café pela manhã, durante o dia... quanta coisa a gente faz num dia?!
Custodio até certo tempo dormia quase de manhã. Acordava às 13 horas e até essa hora não existia para ninguém.
— Não gosto de atender telefones. Às vezes são criaturas que inventam coisas incríveis: imaginam até traçar o programa dos nossos atos durante a tarde ou à noite.
Ele preza a liberdade acima de tudo.
— Um homem livre vale por uma população inteira. Atualmente só tenho um compromisso: o meu contrato com a Mayrink Veiga, com a nova PRA-9. Estrearei na estação moderna.
Uma originalidade. Custodio prefere passear, conversando com amigos — O “Bando da Lua”, etc. — a contemplar a natureza ou fazer declarações apaixonadas.
— Por que? — perguntamos.
— Porque já passei da idade das ilusões pueris. Porque sou um cidadão desencantado que procura fugir da vida para criar um mundo próprio, interior. Porque...
Ele ia explicar mais. Depois mudou de assunto.
— Gosto de cinema mas somente os filmes de boa música. Prefiro, porém, os “desenhos animados”. Não gosto de cores berrantes. Prefiro a tristeza do lilás, a nostalgia de uma cor sem opinião.
— Mas você é alegre ou triste?
Ele teve um sorriso de esfinge.
Custódio é secretário da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e vice-presidente da Casa dos Artistas. Por esse motivo não quis referir-se as suas recentes composições musicais para o teatro. Podemos adiantar que são duas.
O pianista das composições tristes ou alegres, mas todas bonitas, não conhece o Custódio Mesquita que anda por aí. Este é um cidadão paradoxal: que não crê na ilusão, mas procura fugir da vida. Prefere a alegria e vive sempre com os olhos cheios de sonhos. Tem outra particularidade: dedica um carinho imenso a sua mãe e é inteiramente devotado ao lar.
— No entanto gosto da liberdade das ruas. Prefiro viver sempre preso dentro da minha liberdade...
Fonte: CARIOCA, de 11/04/1936 (fotos e texto atualizado).
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