Gaó, em 1936 - Foto da CARIOCA |
"Mesmo o fã de rádio, que gosta de saber os mínimos detalhes da vida dos artistas ou que se gaba de conhecer fatos que eles próprios desconhecem, não sabe quem é Odmar Amaral Gurgel. As criaturas que às noites vão para as nossas estações de rádio e esperam uma palavra do astro predileto, certamente nunca ouviram falar em tal criatura.
Não sabem se Odmar é moreno ou louro, alto ou baixo. Ignoram se ele é violinista ou canta sambas com o chapéu de palha. Desconhecem qual a sua música predileta e como entrou para o rádio. E no entanto Gaó pode ser considerado um dos pianistas mais populares do Brasil. Em São Paulo, no Rio, ou em Porto Alegre, o seu nome é objeto de comentários sempre favoráveis.
Há oito anos atrás, era fundada, em São Paulo a Rádio Educadora. Era a primeira estação de rádio que surgia na encantadora capital bandeirante. As dificuldades da estação nova, eram, porém, inúmeras. Não havia artistas e os diretores da atual PRB-9 resolveram lançar mão dos alunos do Conservatório de Música. Alguns deles falharam. Outros venceram e, no número destes, estava Gaó, que após alguns ensaios foi contratado pela emissora paulista.
Não ficou, porém, Gaó, muito tempo no rádio. Trocou-o, durante meses, pela gravação de disco. A inauguração da Rádio Cruzeiro do Sul levou-o, porém, novamente ao microfone. Desta vez, porém, com a direção artística da estação. Quando a Cruzeiro juntou-se à Cosmos, ele assumiu a direção artística das duas. Hoje, porém, não pertence a São Paulo. O Rio foi buscá-lo por intermédio da Rádio Ipanema e incorporou-o ao “broadcasting” carioca. Dizem as más línguas que houve quem o chamasse de “ingrato”, quando deixou São Paulo. Resta-lhe porém o consolo de saber que houve lencinho que teve de enxugar lágrimas saudosas.
— Aos onze anos de idade, fiz a minha primeira música. — diz-nos Gaó, sorridente — Era uma mazurca que recebeu o título de “Primeira inspiração”. Se era boa ou má, não sei. Lembro-me, porém, que fez algum sucesso nos serões de família e nas festas da vizinhança.
Gaó interrompe, por alguns momentos sua palestra, e prossegue:
— Mais tarde, ouvindo os discos maravilhosos de Paul Whitman e alguns outros valores da música americana, ocorreu-me a possibilidade de fazer as orquestrações e adaptações que eles fazem. Achei-me capaz de realizar alguma coisa de aproveitável neste setor da música popular. E assim, compus um arranjo tirado da “Thais” de Massenet. Tive sucesso. Adaptei então outras músicas e compus então o meu “Brasil Antigo”, que é uma seleção das velhas melodias brasileiras.
— De tudo que compôs, que mais lhe agrada?
— A partitura musical do “Caçador de diamantes” — um filme feito em São Paulo, cuja parte musical foi toda feita por mim. Deu-me muito trabalho, porém, o resultado não foi mal.
— Qual a sua mais recente composição?
— A “Sinfonia inacabada” trouxe grande popularidade às músicas de Schubert. Todos se impressionaram. Houve até música carnavalesca inspirada na célebre “Sinfonia” ... Eu também não pude fugir à onda e fiz a “Rapsódia mal começada” que é uma estilização das músicas do grande compositor.
— Por que se dedicou ao “fox”?
— Sempre gostei muito da música americana, como disse há pouco. O “fox”, quando comecei a compor, era o ritmo que eu sentia. Logo, a ele dediquei-me. Note-se: considero a música brasileira mais bonita que outra qualquer. Falta-lhe, porém, um acabamento perfeito. Ela não é trabalhada como o “fox”. E’ verdade que nós não tratamos a nossa música com o carinho que ela merece. O americano tem quase veneração pelo “fox”. Trata-o como se fosse uma melodia célebre. E o resultado deste entusiasmo, não se faz esperar: os compositores assim estimulados procuram desenvolver os temas, realizando, às vezes, verdadeiras obras de arte. E aí, reside o grande segredo da vitoria do “fox”: aparentemente uma melodia maluca, mas, na realidade, cheia de inspiração e com muito conjunto e harmonia.
— E que pensa do “broadcasting” no Rio e em São Paulo?
Gaó calou-se. Sentimos que a pergunta era indiscreta e o antigo diretor artístico da Cruzeiro tinha receio de magoar alguém.
— Procurarei ser sincero. Acho os programas de São Paulo mais variados. As estações procuram sempre novidades: ou companhia de “sketches” ou artistas novos. É possível que isto seja devido ao desinteresse do público, que não é entusiasta como o carioca. É necessário, talvez, variar muito para chamar a atenção do ouvinte paulista. Agrada-me, também, muito, em São Paulo, a estreita correlação existente entre a parte artística e a publicidade das estações. Enquanto aqui, são entidades inteiramente independentes entre si, lá, estão unidas, a ponto de serem sempre consultados os diretores artísticos, sobre a publicidade. O Rio possui porém, sobre São Paulo, a grande vantagem dos artistas, superiores, quer qualitativa quer quantitativamente. Há, aqui, nomes de cartaz, por si sós suficientes para garantir o êxito de uma irradiação. Lá, infelizmente, ainda não existe disso.
— E do público?
— O daqui é mais sincero e expansivo. Estimula os artistas que se sentem capazes de realizar sempre coisas melhores. Este assunto, aliás, é muito perigoso, pois o público não quer, nunca, saber o que nós pensamos dele ... — concluiu Gaó, despedindo-se."
Fonte: CARIOCA, de 28/03/1936.
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