Henrique Batista - Carioca, 6/3/1937 |
— Professor Baptista!
— Boa noite ...
Eram oito horas da noite. Muito movimento na rua. O repórter entrou. Abancou-se à mesa. Papel. Lápis.
— Desejava resposta a umas tantas perguntas ...
— Relacionadas com ...?
— "Maria Bonita", rádio ...
— Estou, infelizmente, com muita pressa. Mas posso conceder-lhe cinco minutos ...
— É muita bondade ... Olhe-me, contento-me com quatro perguntas. Pode até fiscalizá-las ...
— Estou de acordo se forem apenas quatro. Farei o possível por lhe ser agradável.
O professor Henrique Baptista é irmão da conhecida intérprete de sambas Marília Baptista. E, como esta, também ele fez parte do elenco de artistas que aparecerem na filmagem "Maria Bonita" em "location" em Barra Mansa e atua no rádio carioca, dirigindo dois programas, um na Rádio Transmissora, outro na Rádio Educadora. Aliás ele e sua irmã sempre trabalham juntos em todos os setores da atividade radiofônica, constituindo mesmo uma dupla de sucesso no concernente a desafios e improvisos. Aquele interessante programa de improviso "É de babado ..." é de criação da dupla. E agora, com o temporário afastamento de Noel Rosa do nosso "broadcasting", ficando Patrício Teixeira parado, a dupla Henrique-Marília Baptista é a única nesse gênero de irradiação.
— Como foi a filmagem de "Maria Bonita"? -- perguntou o repórter.
— Eu cheguei de Barra Mansa na semana passada para não faltar ao meu programa radiofônico da Educadora, todas as quintas-feiras. Marília veio comigo. A rodagem das nossas partes no filme terminaram no mesmo dia. E desde aí ficamos mais ou menos livres ... Você quer que eu lhe diga como foi tudo: foi esforçada e foi bem dirigida por Julien Mandel. Não tive oportunidade de ver nenhuma prova da película, porém, assisti a algumas encenações e as achei muito boas.
— Diziam qua a principal protagonista feminina seria sua irmã, mas na verdade ...
— Não, não foi minha irmã. Aliás CARIOCA não se guiou pela voz corrente. Não foi minha irmã. E não estaria direito se o fosse. Ela é uma principiante, como sabemos, e embora se esforçasse muito não estaria ainda adaptada ao meio cinematográfico para lograr o grande êxito desejado por Mandel, como heroína de seu primeiro filme. A figura principal, Eliana Angel, é boa artista. Marília, no entanto, cantou um samba que deve agradar quando aparecer "Maria Bonita". Quanto a mim faço o papel de profeta ...
— E por isso usa estas barbas?
— Sim, fui obrigado a deixar crescer a barba. Onde se viu um profeta que se preza sem ela bem comprida e esvoaçante? Quando se é profeta, pelo menos e, filme, o apuro pessoal fica de lado ... Mas é como eu lhe estava dizendo. "Maria Bonita" deve agradar. A cotação que eu dou a esse filme, à parte de quaisquer interesses, é boa. Julien Mandel fez da obra literária de Afrânio Peixoto, uma obra cinematográfica à altura da fama e dos méritos que ele, Mandel, tem nos nossos meios artísticos. A rodagem geral da película deve ter terminado quinta-feira. E é muito provável que já em meados de abril ela possa ser exibida na Cinelândia. A respeito de "Maria Bonita" é só o que tenho a dizer ...
O repórter fez a sua terceira pergunta:
— Acerca do rádio?
— Agora estou outra vez numa atividade mais ampla. Antes eu tinha dupla ocupação e dupla preocupação, aos pulos, aqui e em Barra Mansa. A filmagem de "Maria Bonita" obrigou-me a um regular esforço. Mas creio bem que me sai ... assim ... assim ... da prova -- pelo menos envidei toda a minha boa vontade no sentido de não perder o gosto pelo cinema. De retorno ao rádio tenho a declarar que prossigo, aos domingos, no "Programa Casé" da Transmissora, e às quintas-feiras no "Sambas e outras coisas ..." da Educadora. Estou contente com o caráter, embora ainda pouco definido, que as coisas de rádio estão tomando esse ano. Todo mundo fala em novidades, em originalidades, em grandes empreendimentos ...
— E você também quer falar?
— Nem por isso. Talvez eu tenha muita coisinha passável por dentro do cérebro, mas por enquanto vou deixar tudo como está para evitar aborrecimentos. Marília continua comigo em todos os programas em que atuo e dirijo. E sei que ela vai lançar, brevemente, um novo repertório de sambas ...
— Pode me informar mais alguma coisa, coisa concreta, sobre esse repertório?
— Não, porque isso não se refere diretamente a mim, e além disso já passaram os cinco minutos que eu lhe concedi. Com a agravante desta sua última pergunta já deve ser a quinta ...
— Mas não pode ...
O professor Henrique Baptista levantou-se e apertou rapidamente a mão do repórter. Tinha um olho neste e o outro no relógio.
— Você está enganado pelas minhas barbas compridas, rapaz. Eu, na verdade, não sou profeta, nem de Cascadura ...
Cofiou a barbaça e ... desapareceu.
Fonte: Revista Semanal CARIOCA, de 6/3/1937, no artigo "Cinco Minutos com o Propheta" (texto atualizado).
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