Eis a bem vivida de Carmen Barbosa, uma das avelhas desta vasta colmeia que é o meio radiofônico:
— Comecei como corista das gravações de Carmen Miranda, na Victor. Sempre tive um ouvido ótimo e aprendia, com grande facilidade, os sambas lançados em primeira mão nos estúdios da Victor. Cantava-os, depois, aos microfones de rádio, quase sempre no mesmo dia em que os ouvira. A música, a popular, principalmente, pertence a todos. É um patrimônio da humanidade que a concebeu. Era com a consciência absolutamente livre de qualquer culpa que eu lançava mão dessas músicas, utilizando-as em meu proveito. Mas a Victor não tem as mesmas ideias que eu, e devido a essa divergência de opiniões eu fui pra rua ...
— E depois? ...
— Depois, fiquei na rua bastante tempo, vivendo a vida amarga dos "chômeurs" do rádio; de estúdio em estúdio, cantando em audições experimentais para diretores apressados e distraídos, a minha existência era a mesma dos falidos, dos que não alcançaram o ideal e que se desesperançaram de alcançá-lo.
— Mas ...
— Mas ... Não pode haver um vocabulário mais decisivo na sua expressão indecisa. Surgiu-me um "mas" certa noite, na Rádio Cruzeiro. Uma infelicidadezinha de Madelú de Assis foi toda a minha felicidade. Madelú ficou ligeiramente doente e, à última hora, avisou o estúdio de que não lhe seria possível participar do programa para o qual estava escalada. Eu estava presente, e aproveitaram-me. Agradei, e a direção da Rádio Cruzeiro contratou-me imediatamente.
Carmen, pela "Carioca" - Junho/1937 |
A estação da rua Santo Cristo me deu a oportunidade felicíssima de conhecer bem de perto Benedito Lacerda, o celebrado compositor popular. Eu venho sendo a criadora das suas músicas, gravando-as na Victor e as lançando ao público, pelo microfone, em primeira mão. Sem dúvida alguma essa fato empresta um grande prestígio à minha atuação.
De tudo o que lhe disse, o senhor concluirá, por certo, que muito vale a perseverança na carreira radiofônica; e estará certo. Por minha parte ficarei satisfeitíssima se esta entrevista, lida por alguém que neste momento sofra as mesmas contrariedades que já sofri, tenha a utilidade de lhe reavivar a esperança, guiando-o para um chance qualquer — Termina Carmen Barbosa.
E a estrela de hoje, com a mesma simpaticíssima modéstia de seus tempos "brabos" nos estendeu a mão, com aquele sorriso que faz lembrar a expressão espiritual de Marian Anderson, a sacerdotisa negra."
Fonte: "Carioca", edição 88, de 26/6/1937.
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