Um sem número de marchinhas e de sambas já foi feito. Seria difícil, quase impossível, rememorá-los todos com precisão. Todos foram cantados pela cidade inteira e passaram, muitas vezes, de um Carnaval para Outro, a despeito de canções novas que apareciam, de outros sambas e marchinhas mais recentes que traziam, ainda, a figura do condutor como assunto de suas letras.
Uma dessas canções feitas, há já bastante tempo, por J. Cascata e Leonel Azevedo, tinha o seguinte estribilho:
“Não pague o bonde iáiá,
Não pague o bonde iôiô,
Não pague o bonde
Que eu conheço o condutor...
Quando estou na brincadeira
Não pago o bonde,
Nem que seja por favor.”
Era uma marchinha bonita, de música simples, que os foilões retinham no ouvido. E, depois, em blocos, grupos e cordões, trepados no estribo ou sentados nas costas dos bancos do bonde, entoavam bem alto, animados, enquanto o condutor, a custo, suando muito, equilibrando-se no balaústre, recolhia os níqueis, apanhava os tostões dos passageiros, ou seja das “iáiás” e dos “iôiôs”. Estes e aquelas, atendendo ao que pedia a canção, fazendo o que a marchinha mandava, esquivavam-se ao apelo do “faz favor”, relutavam em pagar a passagem.
Alvarenga e Ranchinho, os dois caipiras que o falecido Duque (Amorim Diniz) trouxe de São Paulo para apresentar ao Rio quando dirigia a Casa de Caboclo, que funcionou durante muito tempo no Teatro Phoenix, também usaram o condutor numa marchinha feita para animar um de nossos Carnavais passados.
Os dois conhecidos artistas, hoje já muito aplaudidos em nossos cassinos, teatros e auditórios de emissoras em que têm atuado com grande êxito, apresentaram, então, nessa canção carnavalesca, o condutor num segundo plano, pois que a letra se demorava passando em revista a nomenclatura e o itinerário dos bondes:
“O bonde da Lapa
É cem réis de chapa.
o bonde Uruguai
Duzentos que vai.
o bonde Tijuca
Me deixa em sinuca
E o Praça Tiradentes
Não serve pra gente.”
A letra, engraçada, divertida, além de focalizar o recebedor da passagem, criticar os nomes das linhas, glosava o preço das viagens. Na composição, para lhe dar característica própria, para colori-la, entrou como efeito musical o “tim-tim” da campainha, recurso que a tornou espontânea e interessantíssima.
Era assim o seu estribilho:
“Seu condutor, tim-tim,
Seu condutor, tim-tim,
Pára o bonde
Pra descer o meu amor.”
Nos idos de 46, no “Carnaval da Vitória”, assim chamado por ser o primeiro que se realizou após o término da Segunda Guerra Mundial, o mesmo Alvarenga, já então dissociado do seu companheiro Ranchinho e agora em parceria com Felisberto Martins, lançaram os dois uma sátira musicada ao sempre lembrado condutor. Era em ritmo de marcha a nova composição carnavalesca que teve o título de Canção do Condutor.
Reproduzimos aqui seus maliciosos e satíricos versos:
“Seu condutor,
Ali right!
Você assim
Vai acabar sócio da Light.
Seu motorneiro
Toca o bonde, toca o bonde,
o meu amor está esperando por mim.
Senão eu canto a canção do condutor
Que é sempre assim:
Um pra Light,
Um pra Light,
E dois pra mim.”
Duvidamos que o condutor, mesmo abusando dessa percentagem de “tubarão” acabe sócio da Light como os autores da marchinha preconizavam.
O condutor continua, até hoje, pendurado no balaústre dos bondes, usando o seu clássico “faz favor” como convite ao pagamento da passagem, como apelos aos caronas que se fazem surdos ou distraídos.
Após o “Carnaval da Vitória” os compositores deixaram em paz por muito tempo os condutores não os trazendo mais para motivo de suas produções. Cremos que nenhuma marchinha ou sambinha voltou a satirizá-los nesses oito anos.
Eis porém que A. Netto, Aldacir Louro e Rubens Fausto resolvem fazer ressurgir o inefável condutor e, quase reeditando as velhas canções, usando frases características de tais composições: o “tim-tim”, o “dois pra Light e um pra mim”, deram-nos no Carnaval deste ano o “Conduta do Taioba”.
o condutor veio apresentado na corruptela que a gíria usa e o veículo de segunda classe acompanhou-o também vindo na sua designação pitoresca.
Eis a letra em questão:
“O conduta deste taioba,
diz que é honesto quando cobra,
mas toda vez que faz fim . . . fim...
logo vai dizendo, dois pra Light e um pra mim.
Ele anda pendurado o ano inteiro.
É muito vivo e não tem nada de otário.
Fazendo tim... tim ...
Fazendo fim... tim ...
Este conduta acaba milionário.”
(Revista da Música Popular, n° 5 — Fev. — 1955)
______________________________________________________________________Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.
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