quinta-feira, abril 19, 2012

Camarão, o mestre-sala

Com sua roupagem vistosa, o mestre-sala "Camarão" se exibe com a sobrinha Alice de Sousa, no rancho "Unidos do Cunha", do bairro de Catumbi (Carnaval de 1958).
Já com 62 anos, Camarão ainda saía como mestre-sala defendendo a tradição dos ranchos e de seu apelido no Carnaval carioca. Sem se deixar vencer pela idade, fazendo alarde de sua categoria que durante seis anos consecutivos (1927-1932) lhe permitiu ser escolhido como ‘o melhor mestre-sala’, mostrava-se com garbo e destreza. Exibia-se com porta-estandartes jovens e bonitas fazendo evoluções coreográficas as mais requintadas, nas quais havia um misto de acrobacia e ademanes fidalgas.

Seu nome João Pereira Subtil, substituído pela alcunha herdada de seu pai Álvaro Pereira Subtil, também conhecido como Camarão, poucos o sabiam. Prevalecia sempre a antonomásia fácil trazida desde quando garoto, aos 16 anos, saíra de caboclo, juntamente com o genitor (exímio pandeirista) no Cordão Flor da Primavera. Pouco depois, ingressando no rancho Arrepiados, do bairro de Laranjeiras, e fazendo sua estréia como mestre-sala, já estava, em definitivo, apelidado "o Camarão".

Todo apelido tem uma história

Apelido algum nasce sem uma história, ao acaso. O de Álvaro Pereira Subtil, operário da Fábrica de Tecidos Aliança, que existia na rua General Glicério nº 69, resultou de ser ele muito corado, ‘vermelho’. Assim, quando seu filho foi trabalhar na referida indústria todos o designavam: ‘o filho do Camarão’ ou, com intimidade, ‘Camarãozinho’. Levando-o para o cordão carnavalesco, onde o iniciou nos folguedos momísticos, ninguém mais o chamava pelo nome de batismo, João, optando invariavelmente pela alcunha paterna.

No rancho Arrepiados, que disputava com o seu congênere Unido da Aliança, ambos constituídos por empregados da referida fábrica, a liderança carnavalesca do bairro, todos o chamavam Camarão. A alcunha o identificava de maneira precisa em meio dos outros mestres-salas (Teodoro, João Paiva, Olympio, Gastão, etc.) contra os quais se defrontava na Avenida Rio Branco em competições promovidas pelo Jornal do Brasil. Por fim, vitorioso muitas vezes, dela já se orgulhava e proclamava mesmo os seus foros de tradição.

Camarões formam uma dinastia

Diz o ditério popular que ‘filho de peixe é peixinho’, logo, por extensão, o do crustáceo camarão deveria obedecer à regra. Se o tecelão Álvaro Pereira Subtil levou para o Carnaval seu apelido da fábrica e o transmitiu ao filho João, este, mais tarde, passou-o a um de seus alunos de nome Antônio, dando-lhe o diminutivo da descendência. Criou-se, assim, nos ranchos do Carnaval carioca a dinastia dos Camarões com quatro representantes, pois o mano de João, o Waldemar, também mestre-sala, ganhou igualmente a alcunha de Camarão.

Desaparecidos, primeiro, o velho Álvaro e agora, em 1962, o João, a dinastia ainda não encerrou seu ciclo. O Camarãozinho (o de nome Antônio), ligado aos ranchos de Catumbi e da estação de Quintino Bocaiúva, defende o apelido tradicional. Faz perpetuar-se ao mesmo tempo a autenticidade dos mestres-salas dos ranchos, no genérico chamado ‘balizas’, e que tiveram como expoentes Hilário Jovino Ferreira, Getúlio Marinho (Amor), Maria Adamastor e poucos outros.

Camarão seis vezes o melhor

No apogeu dos ranchos, quando na segunda-feira de Carnaval convergiam para a Avenida Rio Branco as mais famosas agremiações desse gênero, o Arrepiados era uma delas. Apresentando sempre cortejos faustosos, como (para simples exemplo) o fez em 1920 como subordinado ao enredo Jardim do Amor, o mestre-sala era o Camarão. Ufanoso, na elegância de atitudes coreográficas que se fazia mister, arrancava palmas calorosas, empolgava a multidão, contribuía para o êxito de seu grêmio na competição incentivada pelo Jornal do Brasil.

Graças ao garbo de suas exibições em tão renhidas disputas, João Pereira Subtil, o popular Camarão, conseguiu ser eleito seis vezes consecutivas ‘o melhor mestre-sala’. Instituído pelo citado matutino num concurso para que seus leitores apontassem o merecedor de tal qualificação, venceu-o, de 1927 a 1932, seguidamente, o do Arrepiados, o popular Camarão. Somando muitos milhares de votos (45.503 em 1932) o mestre-sala do rancho de Laranjeiras tornava-se imbatível e recebeu até um apelo do cronista carnavalesco Picareta para que não mais se candidatasse.

Camarão também não pode parar

Soldado do Momo, iniciado desde menino nas folganças dos cordões e dos ranchos, Camarão jamais se intimidou com a velhice. Com quase cinqüenta anos de militância carnavalesca, ainda não se decidira a encerrar sua carreira de folião. Formava com Teodoro e Olympio a ’trinca veterana’ dos mestres-salas ainda presente no Carnaval carioca. Vinham, ainda, até o ano findo, integrando os cortejos do Decididos de Quintino, do Unidos do Cunha, do Aliados de Quintino, do Tomara que Chova, do União dos Caçadores e alguns poucos mais.

Sua irmã Beatriz e seu sobrinho Nelson, orgulhosos dos triunfos do mano e do tio, recordam suas vitórias, suas fantasias riquíssimas “bordadas pelas órfãs do Asilo São Cornélio” da Rua do Catete. Falam também com saudade do tempo que Laranjeiras vibrava no Carnaval com as acirradas ‘guerras’ entre os ranchos Arrepiados e União da Aliança, cada um deles avocando a liderança do bairro. E, em meio da rivalidade, ela, Beatriz, dava os últimos arremates nas vistosas capas do mano Camarão para que o mestre-sala jamais deixasse de ser ‘o melhor’.

(O Jornal, 03/02/63)

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

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