sexta-feira, abril 13, 2012

O maestro Eduardo Souto

Eduardo Souto
Embora seus biógrafos (entre eles Vasco Mariz e José Lino Grünewald) informem que Eduardo Souto “aos seis anos já tocava piano e possuía rudimentos de música”, o sucesso só começou a bafejá-lo muito mais tarde. Evidentemente, a revelação de magnífico compositor que ele acabou sendo veio desde cedo, e segundo informes conhecidos, logo aos quatorze anos a valsinha Amorosa, primeira da sua vasta e variada produção, foi expressivo marco. O garoto, apesar de descendente de nobre (Visconde do Souto) acabaria tornando-se figura representativa de nossa música popular.

Mas, o verdadeiro interesse pelas composições do jovem músico, o apelo à atenção ao futuroso maestrino, como o qualificaram, veio de Niterói, ou da Praia Grande, no dizer dos tradicionalistas. E, de modo mais exato, do "Éden", que não era aquele descrito no Gênesis, mas um grêmio dramático com essa denominação (Éden Clube) localizado na vizinha cidade.

O Rio, para onde Souto se transferiu com 11 anos de idade, ainda não o conhecia na sua pujança musical, pois o fato deu-se em 1906. Paulista, de Santos, nascido em abril de 1882, foi na terra de Araribóia que começou a brilhar.

Amadores teatrais ocupam Niterói

Em 1906 Niterói contava com um punhado de agremiações destinadas a incentivar as vocações teatrais. Numa rápida revista poderão ser citadas as seguintes: Grêmio Dramático, Escola Dramática Artur Azevedo, Niterói Clube, Clube Dramático Vasquez e Clube Dramático Dias Braga. Assim, com tantos palcos à disposição os amadores da arte dramática haviam, de fato, ocupado a capital do Estado do Rio. Alguns atravessavam a Guanabara à noitinha, depois de seus afazeres, para os ensaios semanais que precediam à representação. A maioria, porém, era residente no local.

Todos os sábados, domingos, vésperas de feriados e mesmo durante a semana realizavam-se espetáculos em alguns dos clubes aludidos ou em outros que não foram nominados. Quase sempre, terminada a récita mensal, feita de preferência com um dramalhão choroso ou farsa para “rir às bandeiras despregadas” (consoante informação do programa) iniciava-se um animado baile. Era a partida mensal, constante do estatuto e que tinha a animá-la, dando ritmo às danças (polcas, valsas, chótis, etc.), um exímio pianista ou “excelente orquestra de professores”.

Brilha o maestrino Souto

Transferida da noite de 9, a comédia A Receita dos Lacedemônios, imitada (sic) do francês por Carlos Borges, foi encenada dias depois, a 12 de junho de 1906, no Éden Clube, sob a direção do ensaiador Augusto Cruz. No segundo ato o tenor Santucci surgiu no palco e cantou a ária da Tosca acompanhado pela orquestra que tinha como regente Eduardo Souto. A perfeita afinação entre o cantor e o conjunto musical provocou demorada e calorosa salva de palmas na insistência do bis!, bis! prontamente concedido e recompensado com novos e pródigos aplausos. Santucci e Souto em curvaturas seguidas agradeciam a entusiástica ovação.

Presente ao espetáculo um redator do diário A Tribuna, que então integrava a imprensa carioca, na edição do dia 14 relatava-o aos leitores. Externava, então, todo seu entusiasmo: “... a orquestra foi dirigida pelo maestrino Eduardo Souto, um compositor que quando aparecer aqui no Rio, escrevendo músicas para uma opereta, há de conquistar de golpe um nome dos mais invejáveis.” Fazia o jornalista decisivo vaticínio com a confiança de vê-lo confirmado. Para alegria sua e da música brasileira, isso aconteceu. O jovem que empunhando a batuta fez vibrar toda a platéia do Éden Clube teve, como fora previsto, a merecida consagração de seu nome.

Fracassou o engenheiro, firmou-se o compositor

Fascinado pela música, absorvendo bem os ensinamentos que lhe ministrava “um vizinho alemão” (no informe de Vasco Mariz) e, supõe-se, o mesmo professor Derbelly, citado por Ary Vasconcelos em seu Panorama da Música Popular Brasileira, o jovem Eduardo Souto a ela se dedicou inteiramente. Quando foi compelido a deixar a Escola Politécnica, que cursava já no 3° ano, fazendo fracassar o futuro engenheiro, a necessidade do ganha-pão tornou-o em bancário e guarda-livros sem no entanto fazê-lo esquecer o piano. Foi dedilhando teclas brancas e pretas que compôs as bonitas músicas até hoje lembradas e de cujo rol ressalta invariavelmente O Despertar da Montanha.

Versátil, de farta inspiração, ao morrer no dia 18 de agosto de 1942, causou à música popular brasileira sensível perda. Teve tempo, porém, de deixar confirmado o vaticínio feito em 1906 quando um jornalista afirmou que ele, o maestrino Eduardo Souto, haveria “de conquistar de golpe um nome dos mais invejáveis”. Aquele seu primeiro brilhareco no Éden de Niterói, ou Praia Grande foi, de fato, o início de uma série consagradora que por ser tão evidente dispensa o desperdício de enumeração.

(O Jornal, 8/8/1965)

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Fonte: Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira / Jota Efegê. - Apresentação de Carlos Drummond de Andrade e Ary Vasconcelos. — 2. ed. — Rio de Janeiro - Funarte, 2007.

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