—— “Acabaram de ouvir Lupe em “Paris”, marcha de sua autoria”, —— anunciou o “speaker”. Ficamos atônitos, à porta do estúdio. Como Lupe Velez estava de novo no Brasil? A nossa curiosidade durou pouco, pois a porta não tardou em se abrir para dar passagem a uma morena muito brasileira, de grandes olhos negros e cabelos grudados com “gomina”, formando uma espécie de capacete, onde, fazendo prodígios de equilíbrio e desafiando a lei da gravidade, se encontrava uma minúscula boina verde.
Lupe Ferreira representa o último tipo da garota “made in Rio for 1935”. Se fosse necessário eleger o tipo ideal da carioca de hoje, caberia a Lupe, sem dúvida, o título.
Esta “pequena” inteligente, que passa os dias enfrentando o sol em Copacabana e nas horas vagas, compõe sambas, num torneio como esse, não poderia deixar de sair triunfante. Não é por ventura a carioquinha ideal, uma morena queimada, que saiba conversar e nas horas vagas compor sambas? ...
Para uma criatura como Lupe, a apresentação é franco passadismo. Foi por isso que não procuramos intermediário para a nossa conversa. Lupe é muito amável e em se tratando de uma “carioca”, os deveres que o coleguismo impõe, fizeram com que esta amabilidade aumentasse cinquenta por cento.
—— Muita animação para o Carnaval?
Lupe preferiu responder cantando a sua marcha, que é, efetivamente, um sucesso. Basta dizer que, quando ela acabou estávamos rodeados de todo o “cast” da Tupy que fazia o coro.
—— Como fez a marcha?
—— Comecei a pensar no Carnaval. Sonhei que estava em plena folia, “puxando” um “cordão”. Veio a inspiração nesta hora e aí está o resultado.
Recordamos a Lupe, aqueles tempos em que ela cantava na Mayrink Veiga, canções francesas e ela nos respondeu:
—— Isto foi há quatro meses. Eu agora sou francamente do samba. Não quero saber de outras coisas. Nele há vários gêneros. Na canção francesa temos que nos limitar à imitação de Luciam Boyer. Além disso, creio que o samba me é mais sensível. É natural: sou brasileira.
—— A que tipo de samba pretende se dedicar?
—— Ao samba bem carioca. Aquelas batucadas de morro, onde o malandro chora eternamente as suas mágoas, num ritmo capaz de comover o mais ríspido bretão...
Lupe continua:
—— Tenho outra marcha para o Carnaval: “Uê, Uê, Macacada”. Creio, porém, que “Parei” agradará mais. Pretendo mesmo, me consagrar com ela. Tem uma letra interessante e cheia de “veneno” que o povo tanto gosta. Tenho receio porém dos outros concorrentes: “Querido Adão” é, dos conhecidos, o mais perigoso. Ainda assim creio que terei a emoção de ouvir a minha marchinha, cantada por algum “cordão”, durante os três dias...
—— Pretende continuar compondo?
—— Tenho pela música, verdadeira paixão. À ela dedico todos os momentos de lazer. Pretendo mesmo, continuar compondo. Aliás, “Parei” não é a minha primeira música. Já tenho feito muitas outras, que eu guardei para mim: inúmeras “fantasias” sobre músicas variadas e até uma vez cantei na Mayrink, uma canção de minha autoria. Agora porém, eu sou do samba e para as outras músicas só tenho uma resposta: “parei” ...
Fonte: CARIOCA, de 11/01/1936.
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