"Quando Mário nasceu, João já sabia andar, falar e empinar papagaios com os outros garotos da sua rua. Olhando o pequenino loiro que a família lhe apresentou como um presente vindo de Paris, João pensou:
— Podia ter nascido um pouco maior. Mas daqui há algum tempo será o meu companheiro de folguedos.
Mário cresceu sob o olhar cheio de simpatia e esperança do irmão mais velho, porque João adivinhava qualquer coisa naquele garotinho que fazia longos berreiros, e executava verdadeiros malabarismos para conseguir percorrer, num passo vacilante, alguns centímetros de extensão na sala de jantar...
Depois Mário cresceu um pouco — começou a ajudar o irmão a tirar toda a paciência da família. Um dia, ingressou num ginásio afim de ficar ciente das matérias desconhecidas pela sua alta compreensão: ele só estudava o globo através da esfera mínima das bolinhas de gude...
João perdendo a companhia do seu comparsa, começou a dar muito trabalho ao próprio cérebro. E, um dia, descobriu a sua verdadeira vocação. Foi ser cantor de rádio. Muita gente tem essa mesma fase na vida, que não passa de simples descoberta.
Mas João Petra de Barros, dono de uma voz que depressa se impôs ao bom gosto dos ouvintes de rádio, tornou-se, imediatamente, uma das figuras mais queridas do meio radiofônico. Surgiu no “Programa Casé”, em 1932. Gravando “Até amanhã...”, samba que obteve enorme sucesso, João passou a “astro” e foi requisitado pelas outras emissoras, que logo viram nele um cantor de primeira linha, apto a tomar conta de todo o programa da estação.
João passou a atuar na PRA-2, PRC-6 e, finalmente, na PRA-9, estação que o conserva até hoje, renovando continuamente todos os seus contratos, assim que eles se extinguem. Quando um artista chega a “astro”, dificilmente enxerga quem anda ao seu redor. A luz do seu próprio brilho ofusca-o. João Petra de Barros é, porém, positivamente diferente: começou a observar, atentamente, todas as vezes que Mário, seu irmão estudante, cantarolava qualquer canção ou samba do seu próprio repertório. E um dia declarou:
— Vais fazer uma prova de voz.
Mário preparou a garganta, estudou direitinho uma canção bonita e apresentou-se, nervosíssimo, na PRA-9, afim de “provar” a própria voz, ao microfone. Isso passou-se durante as irradiações do antigo “Programa das Donas de Casa” , da Mayrink Veiga. Como João previra, a voz melodiosa e afinada de Mário, agradou, imediatamente. E o jovem cantor passou a fazer parte do “cast” daquela emissora, sendo logo promovido e contratado, embora sem interromper os seus estudos no Instituto Rabello.
Agora, passados quase um ano, uma nova ideia surgiu, desta vez no cérebro de ambos, provocando perfeito acordo:
— Vamos formar uma dupla.
E formaram.
Irmãos na arte, na voz e na vida real, eles formaram uma dupla que certamente será, talvez a mais interessante por ser inteiramente artística e verdadeira.
Um novo repertório
— Vamos organizar agora um repertório inteiramente novo, — disseram João e Mário Petra de Barros, quando CARIOCA foi ouvi-los no dia da estreia da nova dupla na Mayrink. Cada um terá um repertório diferente.
João e Mário não deixarão de cantar separadamente em outros programas da PRA-9 mantendo, no entanto, um repertório exclusivo para o canto a duas vozes.
— Mário continuará estudando, ele precisa se aperfeiçoar em vocalizes, etc. Eu farei o possível para agradar ao público. Nós dois juntos teremos todo o gosto em corresponder a expectativa das pessoas amigas.
João respondia enquanto Mário ensaiava dizer qualquer coisa. Eles são absolutamente parecidos e seriam gêmeos inegavelmente se não houvessem nascido em épocas diferentes...
— O nosso repertório compõe-se de músicas de Humberto Porto, Nelson Castro, Custódio Mesquita, Zé Pretinho, Gastão Bueno Lobo e outros. Já lançamos “Por que não manda essa mulher embora?”, samba de Humberto Porto; “Cansei de avisar”, etc. Temos várias músicas para serem lançadas e gravadas em discos Odeon, muito brevemente.
João Petra de Barros tem três anos de atuação nos nossos microfones. Mário, quase nove meses, porém, juntos, eles parecem dois cantores veteranos, graças ao cuidado que emprestam à interpretação das suas novas músicas. Ambos nasceram no Rio. Juntos eles realizam longos ensaios, antes de se apresentarem ao microfone. E, unidos, agora, eles se retiram da estação, quando termina o último número.
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— Na minha vida particular gosto de cinema, esporte e boas literaturas, — diz-nos João Petra de Barros — Aprecio George Brent e Jorge Raft, na tela, nos esportes todos que exigem movimento, no teatro todas as boas companhias. Aprecio todos os bons compositores e tenho minhas predileções entre os artistas de rádio, destacando Carmen Miranda, Francisco Alves, e alguns outros.
Mário pensou e disse:
— Gosto de Joan Crawford no cinema. Teatro, só gênero muito elevado. Leitura, todos os livros, excluindo os de estudo... Pretendo formar-me em odontologia, mas não penso em deixar o rádio por causa disso. Continuarei sempre que o destino fornecer bons sambas e canções. O repertório é tudo na vida dos artistas. João também acha isso.
João Petra de Barros disse que “sim” com a cabeça, enquanto Mário prosseguia:
— Admiro entre os colegas: Carmen Miranda, Francisco Alves Sílvio Caldas e João Petra de Barros...
Sim, João Petra de Barros. Mário Petra de Barros é grande fã do homem com quem formou uma dupla. Isso basta para o êxito dos dois."
Fonte: CARIOCA, de 9/5/1936 (texto atualizado).
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