terça-feira, abril 24, 2012

Coelho Netto, o amigo do Carnaval

Coelho Neto
Rancho carnavalesco famoso, o Ameno Resedá teve entre seus admiradores inúmeras figuras importantes e, dentre elas, demonstrando-lhe sempre grande apreço, Henrique Maximiliano Coelho Netto. Em alguns de seus importantes eventos, pois era convidado para todos eles, o consagrado escritor esteve presente, levando também sua família, prestigiando a agremiação e sendo alvo de carinhosas homenagens. Daí o saudoso grêmio do bairro do Catete ter como persona grata, muito mesmo, tão destacado nome de nossas letras.

Nas recordações que agora, ao ensaio do centenário de seu nascimento (21 de fevereiro de 1864), estão sendo escritas em reverência ao Príncipe dos Prosadores, não poderia ser olvidado o carnavalófilo que foi. Exatamente isso que o neologismo faz entender: amigo do Carnaval. Não simples e extremado folião ou carnavalesco desses que, dando seu esforço para o brilhantismo dos festejos de Momo, não o sentem na sua grandeza folclórica. Coelho Netto foi um interessado pelo típico do recreativo momístico procurando nele influir com lições e ensinamentos.

Coelho Netto na ‘jarra’

Fazendo parte da diretoria do Ameno Resedá e sendo amigo de Coelho Netto, Manoel Aarão, independente dos convites que a sociedade sempre enviava ao escritor, encareceu-lhe quanto seria honrosa sua presença. Assim, atendendo ao que lhe era solicitado, e querendo retribuir as reiteradas provas de estima recebidas, compareceu à ‘jarra’ (nome pelo qual era designada a sede do rancho) no dia 17 de fevereiro de 1919. Comemorava-se nessa data o décimo segundo aniversário e então realizar-se-ia o que denominaram um ‘chá-tango’.

Sensibilizados por tão cativante distinção os dirigentes do ‘rancho-escola’ (denominação que lhe foi dada pela crônica carnavalesca) cercaram Coelho Netto e as pessoas de sua família de múltiplas atenções. Mais tarde, jubilosos, faziam inserir no jornalzinho que a agremiação editava uma alentada notícia na qual diziam: “... o nosso presidente de honra, Sr. Maximiano Martins, em breve alocução enalteceu o merecimento honroso...“. E, após descrever com minúcias o que foi a festa, o registro concluía: “... O Dr. Coelho Netto, em arroubos de eloqüência, agradeceu a saudação a si dirigida patenteando em alusivas frases a alegria demonstrada por todo este ameno conjunto".

O desportista e o carnavalófilo

Aficionado dos esportes, principalmente do futebol, em cuja prática no seu querido Fluminense viu brilhar seus filhos, Coelho Netto está sendo relembrado não só como literato, mas, ao mesmo tempo, como desportista. Teve, pois, de um cronista (Geraldo Romualdo da Silva), que forma entre os melhores na especialidade, a classificação de ser “um dos mais vibrantes, liberais e frenéticos defensores dos esportes". Outros jornalistas e escritores que o rememoraram exaltando seu valor literário não deixaram de aludir ao tricolor entusiasta que Coelho Netto foi, capaz, por isso de revoltado, investir contra um ‘juiz ladrão’.

Mas, se o autor de Turbilhão, Inverno em flor e tantos outros livros tinha grande paixão pelos esportes, não menor, embora pouco divulgado, era seu interesse pelas coisas do Carnaval. Disso faz prova o excerto que aqui se junta extraído de um seu artigo no Jornal do Brasil, de 13 de fevereiro de 1923, quando saudava o aparecimento dos ranchos: “... Enfim os ranchos aí estão para estimular os clubes que poderão, querendo, dar uma nova feição ao nosso Carnaval. (...) os foliões dos ranchos mergulham na tradição, digamos no folclore, e trazem à tona, não só a poesia como a música...”.

Nacionalização do Carnaval

Apontado por muitos analistas de sua vultosa obra como helenista, valendo-se em demasia dos símbolos da mitologia, Coelho Netto foi, entretanto, um pugnador pela nacionalização das manifestações carnavalescas. Afirmativa que se faz reproduzindo trecho de uma sua colaboração em A Noite de 23 de fevereiro de 1925, onde, condenando o excesso do aproveitamento de lendas gregas e romanas nos cortejos alegóricos dos chamados ‘grandes clubes’, exclamava decisivo: “... os folcloristas exultaram e entre eles foram dos mais entusiastas Sílvio Romero e Melo Moraes Filho, que até se fizeram corifeus de ranchos, senão para os acompanhar nas ruas, ao menos para inspirar-lhes idéias e ensaiá-los. E os tradicionalistas festejaram a vitória da poesia popular sobre as moxinifadas mitológicas dos grandes préstitos de papelão...

Essa sua pregação para que se desse aos divertimentos dos três dias do reinado de Momo um acentuado e puro cunho nacional e típico, logrou de pronto franca acolhida. Deu-a, justamente, o Ameno Resedá, pois, acatando-a, fez publicar no Jornal do Brasil, de 15 de março de 1924, longa carta que assim tinha início: “Ilustre escritor. — Foi logo após o Carnaval do ano passado que V.S. em interessante crônica inserida num órgão de nossa imprensa, referindo-se às chamadas pequenas sociedades, apelou para o patriotismo das mesmas...”. Prosseguia a missiva apoiando o que Coelho Netto escrevera para ter na sua conclusão a seguinte frase: ”... O Ameno Resedá deliberou apresentar a V.S., com toda a sinceridade, os motivos expostos e uma vez que o seu Carnaval externo foi idealizado e executado sob um ponto de vista patriótico apresentado pelo ilustre escritor, é que tomamos a liberdade de solicitar de V.S. o obséquio de se manifestar a respeito”.

Estima do Resedá e de outros ranchos

Persona (muito) grata do Ameno Resedá, que visitou não só em 1919, mas, outra vez, em 1922, quando o rancho inaugurou sua nova ‘jarra’, na Rua Carvalho de Sá (hoje Rua Gago Coutinho), Coelho Netto tinha da sociedade uma homenagem especial repetida todos os anos. No itinerário de seus vistosos cortejos estava sempre marcada a passagem pela Rua do Rozo a fim de que o escritor, seus familiares e pessoas amigas os vissem antes de rumar à Avenida Central (depois Rio Branco) para o confronto com os coirmãos. Reconhecidos à distinção merecida, todos quantos ali se encontravam aplaudiam calorosamente o préstito e faziam chover sobre seus integrantes densa chuva de confete.

Mas, se o escritor tinha do Ameno Resedá tal estima, graças à aproximação feita por Manoel Aarão, não era apenas o ‘escola’ que o distinguia. Outros ranchos, e eram muitos o que então abrilhantavam o Carnaval, tributavam merecida veneração ao grande vulto de nossas letras.

Isto o constatou o seu filho, Paulo, quando estudante, numa noitada de sábado, entrou em determinado rancho da Rua São Clemente (deve ter sido o Lírio do Amor), e ao pagar o seu ingresso, foi reconhecido por um dos dirigentes que exclamou: “Não senhor! O filho do grande Coelho Netto aqui não paga nada...”.

(O Jornal, 08/03/64)

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Fonte: Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007. 326p. :il.

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