Noel Rosa mudou os rumos da Música Popular Brasileira. Colocou na medida exata, o peso da poesia nas composições. Tudo o que aconteceria em nossa música nas décadas seguintes teria, de alguma forma, sua marca ou sua influência.
Noel de Medeiros Rosa nasceu no chalé da rua Teodoro Silva, em Vila Isabel (RJ), no dia 11 de dezembro de 1911 e lá morreu, em 4 de maio de 1937. Filho de Manoel Garcia de Medeiros Rosa, funcionário público, e de Martha de Medeiros Rosa, professora que o iniciou nas primeiras letras na escolinha que mantinha na sua própria casa. Nasceu de um parto muito difícil, arrancado a fórceps sofreu afundamento e fratura do maxilar o que lhe causou uma paralisia parcial no lado direito do rosto, como consequência carregou o defeito no queixo, o qual acentuava nas suas auto-caricaturas, ao mesmo tempo que manteve-se sempre tímido em público, evitando ser visto comendo.
Quando ainda era pequeno, o pai foi trabalhar em Araçatuba (SP) como agrimensor numa fazenda de café. A mãe abriu uma escola em sua própria casa, no bairro de Vila Isabel, sustenta do assim os dois filhos — o menor, Henrique, nascera em dezembro de 1914. Foi alfabetizado pela mãe e, aos 13 anos, entrou para o colégio Maisonnette, cursando depois o São Bento, onde ficou até 1928, conhecido pelos colegas como Queixinho.
Aos 13 anos, começou a tocar bandolim de ouvido, logo passando para o violão, que aprendeu com o pai e com amigos de casa: seu primo Adílio, Romualdo Miranda, Cobrinha e Vicente Sabonete, entre outros. Por 1925, já dominando o instrumento, tocava em serenatas do bairro acompanhado pelo irmão.
Em 1929, terminado o ginásio, preparou-se para entrar na Faculdade de Medicina, sem deixar de lado o violão e as serenatas. Em Vila Isabel, estudantes do Colégio Batista e moradores do bairro haviam formado um conjunto musical, o Flor do Tempo, que se apresentava em festas de família. Convidados a gravar em 1929, o grupo foi reformulado, com o novo nome de Bando de Tangarás (figura ao lado: charge de Nássara dos Tangarás), conservando João de Barro, Almirante, Alvinho e Henrique Brito, componentes da primitiva formação, e incluindo-o, pois, embora jovem, era conhecido no bairro como bom violonista.
Participou assim das primeiras gravações do Bando de Tangarás, o samba Mulher exigente, seguido de uma embolada e um cateretê (todos de Almirante). No mesmo ano escreveu suas primeiras composições, a embolada Minha viola e a toada Festa no céu, que gravou em 1930 nas duas faces de um 78 rpm da Parlophon. Compôs ainda, em 1931, duas canções sertanejas, Mardade de cabocla e Sinhá Ritinha (com Moacir Pinto Ferreira); decidiu-se depois, definitivamente, pelo samba.
Frequentando o Ponto de Cem Réis, bar de Vila Isabel, entrou em contato com sambistas dos morros cariocas. Entre eles conheceu Canuto, do morro do Salgueiro, seu parceiro em algumas composições, como o samba Esquecer e perdoar, de 1931, e intérprete das primeiras gravações deste e de Eu agora fiquei mal (com Antenor Gargalhada); este último parceiro era o principal dirigente da Escola de Samba Azul e Branco, do Salgueiro. Dividindo-se entre a música e a medicina, Noel freqüentava a faculdade, que abandonou em 1932, restando dessa experiência de estudante o “samba anatômico” Coração, gravado no ano seguinte.
Em 1930 surgiu seu primeiro sucesso, o samba Com que roupa? apresentado pelo autor em espetáculos do Cinema Eldorado, e que já trazia na letra a observação crítica e humorística da vida carioca que marcaria toda a sua obra. No ano seguinte, essa música entrou em diversas revistas, entre as quais Deixa esta mulher chorar (dos irmãos Quintiliano), Com que roupa? (de Luís Peixoto) e Mar de rosas (de Velho Sobrinho e Gastão Penalva).
Ainda em 1931, lançou diversos sambas, entre os quais Mulata fuzarqueira, Cordiais saudações e Nunca... jamais e conheceu Marília Batista, que se tornaria sua intérprete favorita. Por essa época várias composições suas foram aproveitadas em revistas musicais: por exemplo, em Café com música, de Eratóstenes Frazão, apareceram os sambas Eu vou pra Vila, Gago apaixonado, Malandro medroso e Quem dá mais? (ou Leilão do Brasil), e a marcha Dona Araci; em Mar de rosas, de Gastão Penalva e Velho Sobrinho, os sambas Cordiais saudações, Mulata fuzarqueira e Mão no remo (com Ary Barroso).
Ainda como componente do Bando de Tangarás, estreou na Rádio Educadora; depois de passar pela Mayrink Veiga, nesse ano de 1931 atuou na Rádio Philips, em que trabalhou como contra-regra do Programa Casé, apresentando-se também como cantor, ao lado de Almirante, Patrício Teixeira, Marília Batista e João de Barro. Formando com Lamartine Babo e Mário Reis o conjunto Ases do Samba, apresentou- se em São Paulo SP; o sucesso obtido animou-o a excursionar ao Sul do país, com Mário Reis. Em Porto Alegre RS exibiram-se no Cine Teatro Imperial com Francisco Alves, o pianista Nonô e o bandolinista Peri Cunha. Voltaram ao Rio de Janeiro em junho de 1932, depois de apresentações em cidades gaúchas, Florianópolis SC e Curitiba PR.
Convidado por Francisco Alves, passou a integrar, juntamente com Ismael Silva, um trio que participou de diversas gravações na Odeon, usando os nomes de Turma da Vila, Gente Boa e Bambas do Estácio. Formaram também uma tripla parceria, na qual, segundo consta, Francisco Alves teria entrado sobretudo com seu prestígio de cantor, embora seu nome apareça como co-autor, sendo as primeiras, surgidas em 1932, os sambas Adeus e Uma jura que fiz, e a marchinha Assim, sim!. Somente com Ismael Silva, lançou 11 composições, entre as quais os sambas Para me livrar do mal (1932), Ando cismado (1933) e Quem não quer sou eu (1933), gravando com ele diversas dessas composições na Odeon.
O ano de 1932 marcou ainda o início de outra parceria responsável por sucessos antológicos, iniciada quando conheceu na Odeon o compositor paulista Vadico. Juntos fizeram Feitio de oração (1933), Feitiço da Vila (1934), Conversa de botequim (1935) e muitas outras, em que apareceu como letrista.
O ano de 1933 é dos mais fecundos da vida do compositor, registrando mais de 30 músicas gravadas. Além dos sucessos carnavalescos Até amanhã, Fita amarela e Vai haver barulho no chatô (com Valfrido Silva), outras produções importantes desse ano foram os sambas Onde está a honestidade?, O orvalho vem caindo (com Kid Pepe), Três apitos e Positivismo (com Orestes Barbosa).
No mesmo ano teve início a polêmica com Wilson Batista, em torno da qual seriam produzidos diversos sambas famosos: Lenço no pescoço (Wilson Batista) fazia a apologia do sambista malandro, imagem que contestou com Rapaz folgado; Wilson Batista retrucou com Mocinho da Vila, encerrando a primeira fase da polêmica, que continuou depois de algum tempo com novos sambas de parte a parte.
Em 1934 excursionou com Benedito Lacerda, Russo do Pandeiro, Canhoto e outros componentes do grupo Gente do Morro. De volta ao Rio de Janeiro, em junho de 1934 conheceu num cabaré da Lapa a dançarina Ceci (Juraci Correia de Araújo), de 16 anos, a grande paixão de sua vida e a inspiradora de muitos sambas: Pra que mentir (com Vadico), O maior castigo, Só pode ser você (com Vadico), Quantos beijos (com Vadico), Quem ri melhor, Cem mil réis (com Vadico) e Dama do cabaré e Último desejo. Ainda em 1934 a marcha Linda pequena (com João de Barro) foi gravada por João Petra de Barros; a música, com a letra ligeiramente alterada por João de Barro, foi gravada depois por Sílvio Caldas com o nome de Pastorinhas, vencendo o concurso carnavalesco de 1938, promovido pela prefeitura do então Distrito Federal.
Apesar da notória paixão por Ceci, casou com Lindaura, em 1934. Essa união não alterou em nada sua vida boêmia e as noitadas na Lapa, que acabaram por comprometer sua saúde. Em janeiro de 1935, com lesão nos dois pulmões, foi obrigado a se retirar do Rio de Janeiro para tratamento, indo para Belo Horizonte MG, onde continuou a boêmia, frequentando bares e o meio artístico da cidade, e apresentou-se na Rádio Mineira. Com a morte do pai no mesmo ano, voltou para o Rio de Janeiro.
Ainda em 1935, Araci de Almeida gravou seu samba Riso de criança, dando início a uma série de gravações que a tornaram uma de suas principais intérpretes. Ingressou então na Rádio Clube do Brasil, onde elaborou o programa humorístico Clube da Esquina, para o qual escreveu revistas radiofônicas que alcançaram sucesso: O barbeiro de Niterói, paródia da ópera II Barbieri di Siviglia, de Gioacchino Rossini (1792-1868), e Ladrão de galinha, em que utilizou músicas populares da época, além de A noiva do condutor, terminada em 1936 pelo maestro Arnold Glückmann, autor dos arranjos. Foi convidado pela produtora Carmen Santos para escrever músicas para o filme Cidade-mulher, dirigido por Humberto Mauro; e compôs então a marcha Cidade-mulher, a valsa Numa noite a beira-mar e os sambas Dama do cabaré, Maria Fumaça, Morena sereia (com José Maria de Abreu) e Tarzan (O filho do alfaiate) (com Vadico).
Prosseguia a polêmica com Wilson Batista, que lançou Conversa fiada, respondendo ao seu Feitiço da Vila (com Vadico), de 1934; contra-atacou com Palpite infeliz (1935), mas não respondeu a dois outros sambas, Frankenstein da Vila e Terra de cego.
Da produção de 1935 destacam-se ainda os sambas João Ninguém, Cansei de implorar (com Arnold Glückmann), Conversa de botequim (com Vadico) e a marcha Pierrô apaixonado (com Heitor dos Prazeres). Em 1936 produziu uma única composição, o samba Você vai se quiser, que gravou em dupla com Marília Batista, e que foi um de seus grandes êxitos naquele ano, ao lado de O 'x' do problema, gravado por Araci de Almeida e incluído na revista Rio follie (Jardel Jércolis, Geysa Boscoli e J. Otaviano) e De babado (com João Mina), gravado por Marília Batista. Ainda em 1936, Não resta a menor dúvida (com Hervé Cordovil) e Pierrô apaixonado foram incluídas na trilha sonora do filme Alô, alô, Carnaval, de Ademar Gonzaga.
Em fevereiro de 1937, viajou para Nova Friburgo RJ. Apesar da doença, apresentou-se no cinema local e frequentava os bares da cidade. De volta ao Rio de Janeiro em março, compôs Último desejo (gravado por Araci de Almeida), e logo em seguida o samba Eu sei sofrer, sua última composição, gravada por Araci de Almeida e Benedito Lacerda exatamente no dia de sua morte.
Em abril viajou novamente, para Barra do Piraí RJ, mas voltou às pressas, em estado muito grave. A 4 de maio morreu em Vila Isabel, aos 26 anos, deixando 230 composições (mais as que vendeu).
Lindaura chora sobre o túmulo de Noel logo após o sepultamento, em 1937. O mito nunca morreu no meio do povo, mas partiu deixando uma grande lacuna na vida de sua jovem viúva. |
Veja também:
Noel Rosa - O Feitiço da Vila
Mais detalhes da vida de Noel Rosa e de Vila Izabel.
Noel Rosa - Algumas letras, cifras e músicas
Algumas das músicas de Noel, letras, cifras e gravações antigas.
Noel Rosa - A Obra Completa
Relação das músicas em ordem alfabética de Noel, de seus parceiros, constando o ano da composição.
Fontes: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e PubliFolha - São Paulo, 1998; MPB Compositores - Noel Rosa - Editora Globo.
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