quarta-feira, maio 24, 2017

Neusa Maria, a Rainha do Jingle


De empregada no comércio a um programa de calouros ... e do programa de calouros para a constelação da Rádio Nacional ... eis a história de como a jovem Vassiliki transformou-se em Neusa Maria. (Reportagem de Armando Migueis e fotografias de Milan no Jardim Zoológico do Rio)

Num calmo bangalô de uma tranquila rua do Grajaú, a senhora Vassiliki Purchio construiu seu “home sweet home”. E ali, no aconchego de seus discos, de seus álbuns de recortes, das cartas que recebe dos fãs, que ela passa seus momentos de lazer, entretida com sua filhinha Elizabeth. Isto, desde 1944, quando trocou o rádio bandeirante pelo carioca, atendendo a um convite do veteraníssimo Renato Murce, que, sob a influência do animador César de Alencar, não perdeu tempo em contratá-la para o “cast” da Rádio Clube do Brasil.

Mas, perguntará o leitor desavisado: quem será Vassiliki Purchio, uma vez que os locutores guanabarinos jamais pronunciaram esse esquisitíssimo nome? E, como é do nosso dever, apressamo-nos em esclarecer a dúvida. Trata-se, nada mais nada menos, do que da simpatiquíssima estrelinha Neusa Maria. Sim, da intérprete de tantas melodias de sucesso, cuja presença no elenco da Rádio Nacional, a que está presa por contrato até aos últimos dias de 1954, é uma garantia de popularidade absoluta entre os aficionados do rádio. Aliás, a popularidade de Neusa Maria está confirmada através das numerosas propostas que recebe para participar de diversos shows em diferentes cidades brasileiras.

Recentemente ainda, ao chegar de uma excursão a diversas cidades mineiras, a apreciada cantora recebeu convite para uma ligeira temporada em Curitiba. Mas a oferta não compensava a viagem, motivo por que a estrela aceitou um contrato vindo de sua terra, isto é, de São Paulo.

A exclusiva da PRE-8 iniciou-se no comércio. Por sinal, pregando uma colossal mentira ao gerente da loja que a contratou para caixa. E que ao invés de dar sua verdadeira identidade, preferiu arranjar outra, tão complicado achava o nome de Vassiliki. Por isso, quando teve de apresentar a carteira profissional, a inteligente “caixa” começou a sentir uma furiosa tremedeira. Pensou, de início, numa despedida sumária . . . mas o gerente, após ouvi-la, declarou que bastava aquele Vassiliki para perdoá-la da peta ...

Do comércio, Neusa Maria resolveu dar uma espiada no programa de calouros que o saudoso Otavio Gabus Mendes apresentava ao microfone da Rádio Record. Da espiada, veio a inscrição. Da inscrição veio o convite para ingressar no “cast” da PRB-9. Esse convite, por sinal, veio através do fio telefônico, certa vez quando Otavio Gabus Mendes, no dia do programa, se encontrava acamado. Da PRB-9 a intérprete de nossas melodias populares passou para a Tupi bandeirante, onde recebeu a consagração de “a estrela de 1943”, título obtido por intermédio de empolgante concurso levado a efeito por um dos jornais paulistas. Neusa Maria, na votação popular, ganhou de ponta a ponta.

Sua estrela a começou a brilhar num programa de calouros quando estava empregada no comércio.

Hoje a cantora paulista é um nome conhecido de Norte a Sul. Gravando para a Sinter, onde tem posto na cera sucessos indiscutíveis, como “Murmúrios”, “Marcha do beijo”, “Eu quero ver um samba” e tantos outros, e figura ainda na vanguarda daqueles que são chamados a gravar jingles. Agora mesmo, esse popularíssimo “Isto faz um bem”, deve-se a voz bonita da nossa entrevistada. Daí, possuir em seu acervo de jingles gravados nada menos de cento e cinquenta “musiquinhas”, que lhe proporcionaram o pomposo e invejável título de “Rainha do Jingle”, láurea que a estrela faz questão de usar.

Atualmente as casas de discos estão expondo à venda “Quisera”, bolero de Getúlio Macedo e Lourival Faissal; “Esperei Alguém”, samba de José Braga; “Usted”, versão de Roberto Faissal, e “Somente ilusão”, de Claribalte Passos, números esses que, como as anteriores gravações da exclusiva da Rádio Nacional, aumentarão a renda da Sinter.

Neusa Maria vive uma vida diferente fora do rádio. Não frequenta boates, nem se Interessa muito pelos jogos de futebol, e prefere a vida ao ar livre. Ela gosta do contato com a natureza. Daí, seus passeios à Quinta da Boa Vista, ao Jardim Botânico, ao Parque da Cidade e a outros recantos pitorescos da Cidade Maravilhosa. Nessas ocasiões, ela se torna uma criança grande, acompanhando sua filhinha Elizabeth, de seis anos de idade, nas diabruras que a mesma prática. Assim aconteceu por ocasião desta reportagem, em que fomos bater às portas do Jardim Zoológico. A cantora divertiu-se a valer com o hipopótamo “Nancy”, gostou de passear no camelo, e tentou fazer uns carinhos à girafa (o que não conseguiu por faltar uma escada).

Elizabeth, a filhinha de Neusa Maria, virou fã do camelo e quer voltar a visitá-lo.

A jovem artista possui um milhão de admiradores que a prestigiam com seu aplauso franco e sincero, tudo fazendo para que ela desfrute, cada vez mais, de maior prestígio no “broadcasting”, a fim de que seu nome permaneça em dia ao lado dos grandes cartazes. E Neusa Maria, compreendendo essa preferência, tudo faz para merecê-la, quer selecionando rigorosamente seu repertório, quer atendendo às solicitações daqueles que lhe endereçam um pedido para interpretar este ou aquele número. E nesse dilúvio de cartas que, muitas vezes, aparece uma declaração de amor, um pedido de casamento, ou mesmo a solicitação de um objeto de uso pessoal, a fim de ser guardado como “hobby”.

Há, por exemplo, entre os missivistas de Neusa Maria, um que é rival do acadêmico Adelmar Tavares. Todas as semanas, inspirado na bonita e agradável voz da exclusiva da PRE-8, ele compõe quadrinhas que o correio se apressa em levar.

Todas essas demonstrações de amizade a estrela corresponde com a interpretação dos bonitos números que formam seu repertório, porque seu coração, meus amigos, já está de há muito ligado ao do seu príncipe encantado, que é o paizinho dessa inteligente e viva Elizabeth.


Fonte: Revista Cinelândia, edição 20, setembro de 1953.

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