quarta-feira, maio 24, 2017

Nora Ney, a Iracema da Voz de Mel


Da "cantina" de César de Alencar até aos pináculos da carreira radiofônica - Um contrato que teve a duração de vinte e quatro horas (Reportagem de Armando Migueis - Foto de Milan).

Tudo não passou de simples brincadeira. Dona Iracema Pereira Maia, numa dessas noites bem cariocas cismou de distrair o espirito, e foi, em companhia de pessoas amigas, dar um giro pela “cantina” do César de Alencar. Gostou do ambiente. Gostou dos frequentadores e por fim gostou do pedido que lhe fizeram os presentes: para que cantasse alguma coisa. Viu que o ambiente pedia música francesa. Por essa razão, foi buscar no repertório do irrequieto Charles Trenet uma de suas bonitas canções. No final, pediram “bis”, e pediram também outros números deliciosos.

Como complemento, um convite de César de Alencar para que aparecesse no sábado seguinte em seu programa. Ele gostaria de experimentá-la em “Será que eles vão?” Dona Iracema prometeu que ia, e foi realmente. Como na “cantina”, escolheu música francesa. César e o auditório vibraram com aquela voz inconfundível.

Haroldo Barbosa, porém, vibrou ainda mais. Tanto, que não se afastou do aparelho receptor um só segundo, apesar de estar na horinha do Teófilo de Vasconcelos dar o resultado de mais um páreo corrido. E, valendo-se do telefone, fez um convite a dona Iracema: Desejava sua presença nos programas da Rádio Tupi. Como compensação, oferecia cem cruzeiros de cache pelas audições diurnas. A noite, dobrava a parada, isto é, o cache seria de duzentos cruzeiros. Dona Iracema pediu vinte e quatro horas para resolver.

Nessas vinte e quatro horas, deixou de preparar o jantar, esqueceu-se de telefonar para a costureira, e não conseguiu pregar olhos, embora se deitasse mais cedo.

As seis horas da manhã do dia imediato, sua resolução estava tomada: Trocaria os afazeres domésticos pela carreira radiofônica. Deixaria de ser formiga para se tornar cigarra. E, quando Haroldo Barbosa abriu a porta de sua sala de trabalho, lá encontrou dona Iracema. Ela madrugara nos
estúdios da PRG-3, embora soubesse que o produtor de “Semana em Revista” sempre chega atrasado.

Houve o costumeiro bate-papo. Haroldo falou numa carreira promissora. Disse que a Tupi era o caminho aberto para o estrelato. Por fim, prometeu um contrato, desde que ela correspondesse.

Nessa altura dos acontecimentos, dona Iracema Ferreira Maia passou a ser Nora Ney. Um nome simples, porém radiofônico. Ela gostou, e os ouvintes também.

Nora Ney correspondeu. Haroldo Barbosa cumpriu a promessa. Deu-lhe um contrato. Três mil cruzeiros por mês. Esse contrato, porém, teve a curta duração de vinte e quatro horas: é que a Rádio Nacional, no afã de contratar elementos de valor para seu “cast”, dobrou a quantia oferecida pela
PRG-3.

E lógico que a estrela preteriu quem pagava mais. Todavia, teve de permanecer “na cerca” durante trinta dias, afim de conseguir a rescisão do contrato que assinara. Feito isso, passou-se com armas e bagagens para a PRE-8, sua atual estação.

Nora Ney é urna criatura diferente. Nela há naturalidade nos gestos, nas palavras, e nas atitudes. Não faz segredo dos contratempos, nem esconde os dissabores por que tem passado. Dos seus triunfos, porém, quase não fala. Parece ficar encabulada quando tem de mencioná-los.

A estrela tem uma profissão liberal: Formou-se contadora pela Escola Amaro Cavalcanti. Do contato com os estudos nasceu uma certa ojeriza pelos afazeres domésticos, a ponto de preferir os quitutes que outros fazem a ter de enfrentar a cozinha. No lar, divide seu tempo entre Vera Lúcia, uma garota de nove anos, e Hélio, um menino de cinco. Fora disso, cuida de sua coleção de xícaras e de seus selos.

Não acorda cedo nem por um decreto. Justifica-se: é que saí do Copacabana às três horas da manhã. Sim, porque Nora Ney é uma das atrações máximas do show que essa boate oferece a seus frequentadores. Interpretando como ninguém as bonitas composições do notável Antônio Maria, a exclusiva da Rádio Nacional criou um público bastante invejável. E, quando a cantora anuncia “Menino Grande” ou “Ninguém me ama” um frenesi domina completamente a turma.

Por falar em “Ninguém me ama”, esse número constitui um recorde de vendagem de gravações. Antônio Maria e Fernando Lobo não poderiam ser mais felizes quando fizeram esse grande samba. Do Leblon até Santa Cruz, toda a população cantarola a melodia. Sucesso quase tão grande teve “Menino Grande”. As casas de discos não tem mãos a medir. Quanto disco apareça, quanto disco é vendido.

Com trinta anos de idade, um ano e pouco de rádio, e um futuro promissor à sua frente, Nora Ney promete, agora, depois do carnaval, uma nova gravação. Como sempre, Antônio Maria está no meio. Trata-se de “Onde anda você”, em que aparece também Reinaldo Dias Leme. Na outra face, um número de Luiz Bonfá, intitulado “De cigarro em cigarro”. A julgar-se pelas gravações anteriores, e pelo nome dos compositores, teremos um novo sucesso.

Iracema Ferreira Mata, que cedeu lugar a Nora Ney, calça sapatos número 35, usa manequim 42, não tolera bebidas e é francamente da comida italiana. Aliás, descende de italianos e alemães. Fuma cigarros Hollywood, e, nas refeições, bebe cerveja preta. Sua cor predileta é o verde.

Por estranho que pareça, a feliz intérprete de “Ninguém me ama” aspira, no futuro, a possuir uma bomba de gasolina, mesmo não tendo nenhum “cadillac”.


Fonte: Revista Cinelândia, edição 14, junho de 1953.

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