quarta-feira, abril 30, 2014
Pereira Filho para os fãs do rádio
João Pereira Filho nasceu a 22 de setembro de 1914, no Distrito Federal. Seu pai, o professor João Pereira, um dos grandes artistas do violão, desde cedo ensinou a João a arte na qual ele hoje é um dos melhores do Rio.
Pereira Filho há muitos anos figura nas nossas estações de rádio e hoje é artista exclusivo da Rádio Nacional. Além de violonista é brilhante compositor, tendo em sua bagagem várias valsas de sucesso.
Tem olhos e cabelos pretos, 1m.70 de altura e pesa 75 quilos. É solteiro.
Fonte: Carioca, de 23/01/1937.
terça-feira, abril 29, 2014
A Rádio Nacional e seus "estrangeiros"
Apenas metade da equipe de cantores do primitivo "cast", ou elenco, da Rádio Nacional na década de 1930, era constituído de intérpretes da nossa música. O repertório "de fora" ficava a cargo de Rose Lee, Ben Whight e Bob Lazy, na música americana; os tangos contavam com Mauro de Almeida e Amália Diaz; o fado se fazia representar por Antônio Pimentel; Roxane cuidava das canções francesas.
A defesa dos gêneros nativos recaía sobre os ombros e as gargantas de Orlando Silva, Sônia Carvalho, Nuno Roland, Elisinha Coelho, Silvinha Melo, mais as "cantoras de samba" Marília Batista e Araci de Almeida.
A nossa música, no exterior, seria mais conhecida, a posteriori, com os arranjos brejeiros de Pixinguinha, os sambas de Ary Barroso e, finalmente, a bossa de Tom Jobim e vários outros maravilhosos ...
Tomo, como exemplo, a publicação da foto e de um pequenino artigo sobre Bob Lazy, na revista semanal Carioca de 1937, na seção "Para o Álbum do Rádio Fã":
"Bob Lazy, cujo verdadeiro nome é Ary Rosa, não nasceu em Chicago, nem em Nova York e sim, em Botafogo, no dia 7 de junho de 1911. Estudou no Collegio Pedro II e hoje é estudante de Medicina. Estreou-se no radio em 1932, no "Programma Casé", interpretando um velho "fox", "My mother eyes".
Cantou depois na Mayrink, no Radio Club, na Cruzeiro do Sul e hoje é exclusivo da PRE-8 e do "Programma Casé". A sua musica predilecta é "Night and day". Tem 1m.70 de altura, pesa 55 kilos e tem olhos e cabellos pretos. (Boneco de Lanza)."
Fontes: "Rádio Nacional, o Brasil em sintonia" - Luiz Carlos Saroldi, Sonia Virgínia Moreira - Jorge ZAHAR Editor; Revista Semanal Carioca, de 16/1/1937.
A defesa dos gêneros nativos recaía sobre os ombros e as gargantas de Orlando Silva, Sônia Carvalho, Nuno Roland, Elisinha Coelho, Silvinha Melo, mais as "cantoras de samba" Marília Batista e Araci de Almeida.
A nossa música, no exterior, seria mais conhecida, a posteriori, com os arranjos brejeiros de Pixinguinha, os sambas de Ary Barroso e, finalmente, a bossa de Tom Jobim e vários outros maravilhosos ...
Tomo, como exemplo, a publicação da foto e de um pequenino artigo sobre Bob Lazy, na revista semanal Carioca de 1937, na seção "Para o Álbum do Rádio Fã":
"Bob Lazy, cujo verdadeiro nome é Ary Rosa, não nasceu em Chicago, nem em Nova York e sim, em Botafogo, no dia 7 de junho de 1911. Estudou no Collegio Pedro II e hoje é estudante de Medicina. Estreou-se no radio em 1932, no "Programma Casé", interpretando um velho "fox", "My mother eyes".
Cantou depois na Mayrink, no Radio Club, na Cruzeiro do Sul e hoje é exclusivo da PRE-8 e do "Programma Casé". A sua musica predilecta é "Night and day". Tem 1m.70 de altura, pesa 55 kilos e tem olhos e cabellos pretos. (Boneco de Lanza)."
Fontes: "Rádio Nacional, o Brasil em sintonia" - Luiz Carlos Saroldi, Sonia Virgínia Moreira - Jorge ZAHAR Editor; Revista Semanal Carioca, de 16/1/1937.
segunda-feira, abril 28, 2014
Erik Cerqueira veio da Bahia
Aqui um artigo sobre um grande locutor — ou "speaker", como eram conhecidos na década de 30 do século passado — que animavam programas musicais daquela nossa jovem MPB ou de "sports", enviando pelas ondas dos rádios dessa época, mensagens aos radio-ouvintes.
Nosso país, diferente dos outros, não cultua valores antigos. Uma gente jovem e estranha com amnésia do passado. Mas deixemos isso pra lá .... Aqui um artigo "ipsis litteris" da revista semanal CARIOCA sobre um desses pioneiros ... (ainda publicarei sobre outro pioneiro chamado Oduvaldo Cozzi):
“Chegando da Bahia, perfeitamente despreoccupado, Erik Cerqueira viu logo, na sua frente, o microphone da Radio Transmissora.
Elle fizera um agradavel passeio viajando daquelle Estado até o Rio, deixando lá atrás, na Radio Sociedade da Bahia, seu cargo de orientador, outro cargo de "speaker" e varias lembranças entre os amigos.
Chegando ao Rio encontrou apenas a Natureza bem intencionada. Oduvaldo Cozzi, que o indicou ao “Programma Casé”, que estava sem “speaker”, e logo depois, ao microphone de PRE-3 a sua espera.
Erik falou, sem pronuncia nortista, explicando tudo e ganhou o logar. Antes delle a transmissora tivera apenas Oduvaldo Cozzi — porque outros locutores não fizeram successo — e agora, depois de Cozzi, apenas elle.
Erik Cerqueira não é, como se chama vulgarmente, um rapaz “de sorte”, que consegue tudo á custa de muita “chance”. Elle é esforçadissimo — tanto que apesar de bem installado como “speaker”, ainda se movimenta agindo muitas vezes como agente de publicidade, etc.
Ambicioso como todo o cidadão que descobre depois de um certo tempo que a vida é o resultado de um esforço bem orientado, trabalha com toda a vontade em pról da sua emancipação financeira.
Começou provisoriamente
— Comecei a falar ao microphone substituindo o locutor da Radio Sociedade aa Bahia, mas depois vi-me obrigado a ocupar definitivamente o logar.
Elle não tinha muita vontade de ser “speaker”. Mas fez successo. Tambem não acreditava na sonoridade da sua propria voz, nem que possuisse um estylo especial. Além de “speaker”, estuda technica radiophonica.
Tem saudades da Bahia
Erik Cerqueira, que ingressou no “broadcasting” em 932 e surgiu no Rio ha pouco tempo, tem saudades dos logares anteriores, onde iniciou a sua carreira.
— Voltarei a Bahia quando puder. Por emquanto, contento-me em enviar para lá uma grande correspondencia. Gosto de lêr cartas. Antes de experimentar o microphone, Erik trabalhava em jornaes da sua terra. Até hoje collabora nelles, embora distante.
— Creio que prefiro fazer improvisos ao microphone do que lêr annuricios longos — diz Erik a CARIOCA.
Mas, apesar disso, presta muita attenção a qualquer observação que lhe façam.
Erik um rapaz que não pensa em Cinema, theatro ou casamento. Empolga-se pelas grandes orchestras.
— Prefiro lêr bons livros e dirigir automovel em grande velocidade.
Elle é uma affirmação de que tambem da Bahia pode vir um bom “speaker”.
Fonte: CARIOCA, de 09 de janeiro de 1937.
Nosso país, diferente dos outros, não cultua valores antigos. Uma gente jovem e estranha com amnésia do passado. Mas deixemos isso pra lá .... Aqui um artigo "ipsis litteris" da revista semanal CARIOCA sobre um desses pioneiros ... (ainda publicarei sobre outro pioneiro chamado Oduvaldo Cozzi):
“Chegando da Bahia, perfeitamente despreoccupado, Erik Cerqueira viu logo, na sua frente, o microphone da Radio Transmissora.
Elle fizera um agradavel passeio viajando daquelle Estado até o Rio, deixando lá atrás, na Radio Sociedade da Bahia, seu cargo de orientador, outro cargo de "speaker" e varias lembranças entre os amigos.
Chegando ao Rio encontrou apenas a Natureza bem intencionada. Oduvaldo Cozzi, que o indicou ao “Programma Casé”, que estava sem “speaker”, e logo depois, ao microphone de PRE-3 a sua espera.
Erik falou, sem pronuncia nortista, explicando tudo e ganhou o logar. Antes delle a transmissora tivera apenas Oduvaldo Cozzi — porque outros locutores não fizeram successo — e agora, depois de Cozzi, apenas elle.
Erik Cerqueira não é, como se chama vulgarmente, um rapaz “de sorte”, que consegue tudo á custa de muita “chance”. Elle é esforçadissimo — tanto que apesar de bem installado como “speaker”, ainda se movimenta agindo muitas vezes como agente de publicidade, etc.
Ambicioso como todo o cidadão que descobre depois de um certo tempo que a vida é o resultado de um esforço bem orientado, trabalha com toda a vontade em pról da sua emancipação financeira.
Começou provisoriamente
— Comecei a falar ao microphone substituindo o locutor da Radio Sociedade aa Bahia, mas depois vi-me obrigado a ocupar definitivamente o logar.
Elle não tinha muita vontade de ser “speaker”. Mas fez successo. Tambem não acreditava na sonoridade da sua propria voz, nem que possuisse um estylo especial. Além de “speaker”, estuda technica radiophonica.
Tem saudades da Bahia
Erik Cerqueira, que ingressou no “broadcasting” em 932 e surgiu no Rio ha pouco tempo, tem saudades dos logares anteriores, onde iniciou a sua carreira.
— Voltarei a Bahia quando puder. Por emquanto, contento-me em enviar para lá uma grande correspondencia. Gosto de lêr cartas. Antes de experimentar o microphone, Erik trabalhava em jornaes da sua terra. Até hoje collabora nelles, embora distante.
— Creio que prefiro fazer improvisos ao microphone do que lêr annuricios longos — diz Erik a CARIOCA.
Mas, apesar disso, presta muita attenção a qualquer observação que lhe façam.
Erik um rapaz que não pensa em Cinema, theatro ou casamento. Empolga-se pelas grandes orchestras.
— Prefiro lêr bons livros e dirigir automovel em grande velocidade.
Elle é uma affirmação de que tambem da Bahia pode vir um bom “speaker”.
Fonte: CARIOCA, de 09 de janeiro de 1937.
sábado, abril 26, 2014
Jorge Fernandes para os fãs do rádio
"Jorge Fernandes é um dos veteranos do rádio carioca. Intérprete e dos melhores das nossas músicas folclóricas, desde as canções de Hekel Tavares às de Joubert de Carvalho, desde os frevos do Norte às canções nostálgicas do Sul.
Jorge Fernandes já atuou em quase todas as nossas emissoras: Phillips, Tupy e outras. Excursionou pelos Estados, com sucesso, e teve o mesmo êxito em Buenos Aires. Outros artistas do gênero vieram e passaram. Ele, não. Porque é um artista inteligente, estuda, se aperfeiçoa e se apresenta cada vez melhor.
Jorge Fernandes atualmente aprimora sua excelente voz em estudos especiais de canto a sério, com a reputada professora Madame Roxy King Shaw. E obteve grande sucesso no recente recital dos alunos dessa ilustre professora."
Fonte: Revista semanal CARIOCA, de 9/1/1937.
Neide Martins, uma intérprete nova
Neide Martins - 2/1/1937 |
Neide Martins, por exemplo, uma garota bonita e suave de dezesseis anos, descobriu certo dia que dando uma determinada entonação à voz, tornando-a mais brejeira ou expressiva, conseguia depois calorosos aplausos.
Desde aí, Neide se tornou cantora de sambas, embora o seu olhar continuasse dezesseis anos mais infantil que ela e seu encanto. Neide Martins é, por esse motivo, uma artista verdadeiramente interessante. Surgindo na Transmissora, pela mão de Renato Murce, logo se impôs à curiosidade e admiração dos fãs.
Hoje ela já é uma estrela pequenina, radiosa promessa que surge sobre os melhores auspícios.
CARIOCA foi ouvi-la na PRE-3, estação que descobriu a nova cantora de sambas e marchas, a contratando com exclusividade.
Começou cantando fados
— Quando eu era menor — diz Neide Martins — gostava muito de cantar fados, que também era a música predileta dos meus pais. Devido a isso, e como demonstrasse grande inclinação para a arte, me estreei no "Programa Infantil" da Rádio Guanabara, com a idade de treze anos. Dei-me bem junto das outras crianças, mas não previ, no momento, o resultado da brincadeira: cresci num instante, e fui obrigada a deixar esse programa, continuando, no entanto, a cantar sempre que podia, pois já me encontrava afeiçoada ao microfone.
Depois, veio um longo período de descanso. Neide foi aos poucos aperfeiçoando a sua vozinha infantil, e numa ocasião, aparecendo num festival artístico no Teatro Recreio, conseguiu interessar vivamente Renato Murce, que imediatamente obteve permissão para contratá-la para o elenco da Rádio Transmissora.
— Mudei de gênero, quando descobri que não era inteiramente sem graça na interpretação de sambas e marchas. Hoje ainda não possuo um repertório exclusivamente meu, mas hei de fazê-lo, aos poucos.
Neide é uma artista que interessa aos compositores, uma vez que demonstrando inegável jeito para a interpretação da música popular, aprende muito depressa diversas melodias.
O estúdio é uma brincadeira
— Gosto de vir ao estúdio — diz Neide — Considero emocionante cantar ao microfone, quando ainda não se está habituada. Depois, torna-se muito simples e agradável. Eu aprecio sinceramente todos os meus colegas, sendo grata à atenção e confiança que Renato Murce demonstrou logo de início, pelas minhas aptidões artísticas.
Neide já tem recebido várias propostas de outras emissoras cariocas, porém não pretende deixar a PRE-3. Ela é uma garota alegre e simples que tem um grande amor aos seus pais e não pensa ainda em outra qualidade de afetos.
— Talvez algum dia pense em me casar, naturalmente, porém, me preocupo muito pouco com isso, atualmente.
Ela é entusiasta pela sua carreira. Gosta do cinema americano e alemão: Robert Taylor e Martha Eggerth detém sua preferência sobre artistas cinematográficos. Não aprecia teatro, nem cogita aparecer em filmes brasileiros, por enquanto.
Neide é uma suava garota para quem a vida é uma estrada lisa e reta, cheia de panoramas bonitos pelos lados. Ela não procura se interessar pelos empecilhos do caminho.
— Gosto do rádio principalmente porque nunca precisei me preocupar muito com ele.
Ela é uma artista que venceu rapidamente."
Fonte: CARIOCA, de 2 de janeiro de 1937 (foto mais texto atualizado).
sexta-feira, abril 11, 2014
Déo, a baiana que nasceu em São Paulo
"No tabuleiro da baiana tem ..." E Déo Maia "abafou a banca". Era professora pública em São Paulo e São Bernardo. No bairro industrial, ela ia ensinando aos pequeninos pobres, com voz macia, o sentido das letras e das figurinhas. E também as contas de dois e dois, quatro; quatro e quatro, oito.
Dos números veio talvez o sentido do ritmo, e ela se surpreendeu uma dia a cantar: "Dois e dois, quatro". Foi seu primeiro samba.
Um dia descobriram que ela cantava como ninguém em São Bernardo. A antiga aluna da Escola Normal de São Paulo passou a cantar em festinhas de amadores. A Rádio Record a teve em seu microfone. Déo Maia era um sucesso restrito às rosas mais íntimas.
Um dia Jardel passou por São Paulo e descobriu a "baiana" paulista. No Carlos Gomes, Déo Maia foi um sucesso estrondoso. Em "Maravilhosa" passou instantaneamente a ser a estrela preferida da companhia. Quando assoma no palco a casa se enche com a vibração dos aplausos.
"No tabuleiro da baiana tem ...". Depois foi o Cassino Atlântico que descobriu os seus encantos. Agora todo o mundo canta com ela, rodopia em torno dela, pelos salões.
"No tabuleiro da baiana tem ...". Tem o que? Tem o encanto faceiro desses quadris que desenham no espaço curvas fechadas no ritmo estonteante do maxixe. Tem essa voz, aguda e macia ao mesmo tempo, que interpreta o samba com um ar novo e diferente.
— Quem me ensinou a cantar? — E ela se espanta, diante da curiosidade do repórter ... — Quem me ensinou a cantar ... Ninguém. Nunca tinha ouvido nenhum sambista quando comecei a cantar. O que eu faço é meu. E agora, depois que conheço o Rio, parece que tenho uma nova alma e um novo coração. Este povo adorável é adorado por mim. É o público melhor do mundo ... Que bom que ele é. Imagine que no Atlântico me fazem bisar oito, noves vezes ...
— Mas você foi de fato formidável na "Maravilhosa". De repente passou a ser a estrela mais brilhante da constelação do Jardel ...
— Qual o quê — e a "baiana" faz um muxoxo. — Qual o quê! Não valho nada. Isto é bondade de vocês. Nem sei porque me aplaudem tanto! Estudo muito e talvez um dia chegue a ser perfeita. Talvez ... Talvez não. Vou chegar a ser perfeita. Mas até lá ... vai custar muito.
Déo Maia quer trabalhar e progredir. Quer a França, a Inglaterra, Portugal, a Espanha. O Grande Otelo, seu "partner" no "Tabuleiro da baiana", já andou pelo outro lado do Atlântico e lhe conta coisas estupendas. "Oropa, França e Bahia" ... Tudo isso a "baiana" quer ver e sentir.
O contrato do Atlântico está dando lhe dando uma fortuna. Mas não consegue diminuir sua paixão pelo teatro. Ela passa o dia inteiro nos bastidores ensaiando, observando, estudando. Tem uma paixão doida pela cena e pela companhia de revistas do Jardel.
— Estudo o mais que posso. Sei que o teatro no Brasil terá um grande futuro em todos os gêneros e nós devemos fazer o possível para torná-lo cada vez melhor. Que coisa boa fazer teatro para a nossa terra ...
Déo Maia fez como César na Gália. Chegou, viu ... e venceu. Venceu e está na ponta, como revelação estupenda de 1936. O público já a consagrou definitivamente e contra a voz do povo ... não adianta reclamar. O tabuleiro da baiana a consagrou definitivamente como a estrela do samba no teatro nacional, uma estrela perigosa, cujo brilho anda a entontecer muita gente. Déo Maia, a "baiana" paulista, que descobriu a alma do samba".
Fonte: Texto e foto adaptados da revista semanal CARIOCA, de 26/12/1936.
Dos números veio talvez o sentido do ritmo, e ela se surpreendeu uma dia a cantar: "Dois e dois, quatro". Foi seu primeiro samba.
Um dia descobriram que ela cantava como ninguém em São Bernardo. A antiga aluna da Escola Normal de São Paulo passou a cantar em festinhas de amadores. A Rádio Record a teve em seu microfone. Déo Maia era um sucesso restrito às rosas mais íntimas.
Um dia Jardel passou por São Paulo e descobriu a "baiana" paulista. No Carlos Gomes, Déo Maia foi um sucesso estrondoso. Em "Maravilhosa" passou instantaneamente a ser a estrela preferida da companhia. Quando assoma no palco a casa se enche com a vibração dos aplausos.
"No tabuleiro da baiana tem ...". Depois foi o Cassino Atlântico que descobriu os seus encantos. Agora todo o mundo canta com ela, rodopia em torno dela, pelos salões.
"No tabuleiro da baiana tem ...". Tem o que? Tem o encanto faceiro desses quadris que desenham no espaço curvas fechadas no ritmo estonteante do maxixe. Tem essa voz, aguda e macia ao mesmo tempo, que interpreta o samba com um ar novo e diferente.
— Quem me ensinou a cantar? — E ela se espanta, diante da curiosidade do repórter ... — Quem me ensinou a cantar ... Ninguém. Nunca tinha ouvido nenhum sambista quando comecei a cantar. O que eu faço é meu. E agora, depois que conheço o Rio, parece que tenho uma nova alma e um novo coração. Este povo adorável é adorado por mim. É o público melhor do mundo ... Que bom que ele é. Imagine que no Atlântico me fazem bisar oito, noves vezes ...
— Mas você foi de fato formidável na "Maravilhosa". De repente passou a ser a estrela mais brilhante da constelação do Jardel ...
— Qual o quê — e a "baiana" faz um muxoxo. — Qual o quê! Não valho nada. Isto é bondade de vocês. Nem sei porque me aplaudem tanto! Estudo muito e talvez um dia chegue a ser perfeita. Talvez ... Talvez não. Vou chegar a ser perfeita. Mas até lá ... vai custar muito.
Déo Maia quer trabalhar e progredir. Quer a França, a Inglaterra, Portugal, a Espanha. O Grande Otelo, seu "partner" no "Tabuleiro da baiana", já andou pelo outro lado do Atlântico e lhe conta coisas estupendas. "Oropa, França e Bahia" ... Tudo isso a "baiana" quer ver e sentir.
O contrato do Atlântico está dando lhe dando uma fortuna. Mas não consegue diminuir sua paixão pelo teatro. Ela passa o dia inteiro nos bastidores ensaiando, observando, estudando. Tem uma paixão doida pela cena e pela companhia de revistas do Jardel.
— Estudo o mais que posso. Sei que o teatro no Brasil terá um grande futuro em todos os gêneros e nós devemos fazer o possível para torná-lo cada vez melhor. Que coisa boa fazer teatro para a nossa terra ...
Déo Maia fez como César na Gália. Chegou, viu ... e venceu. Venceu e está na ponta, como revelação estupenda de 1936. O público já a consagrou definitivamente e contra a voz do povo ... não adianta reclamar. O tabuleiro da baiana a consagrou definitivamente como a estrela do samba no teatro nacional, uma estrela perigosa, cujo brilho anda a entontecer muita gente. Déo Maia, a "baiana" paulista, que descobriu a alma do samba".
Fonte: Texto e foto adaptados da revista semanal CARIOCA, de 26/12/1936.
Déo Maia
Déo Maia em 1936 |
Em 1936, atuou na revista Maravilhosa, de Jardel Jércolis e Geysa Bôscoli na qual interpretou o choro Quem é?, de Custódio Mesquita e Joraci Camargo, que foi sucesso na gravação de Carmen Miranda e Castro Barbosa e que nessa revista recebeu o título de Cena doméstica.
Ainda na revista Maravilhosa alcançou grande sucesso ao lançar em dueto com Grande Otelo a batucada No tabuleiro da baiana, de Ary Barroso, que fora gravada antes por Carmen Miranda e Luiz Barbosa mas cujo disco somente foi lançado depois da batucada já ter sido lançada na revista Maravilhosa. No ano seguinte, atuou com Apolo Correa na revista Sempre sorrindo, de Luiz Peixoto e Gilberto Goulart, apresentada no Teatro Recreio. Por essa época, contratada da Companhia de Revistas de Jardel Jércolis, apresentou-se na Argentina e no Chile.
Em 1939, atuou com Grande Otelo na opereta Mestiça. Na ocasião os dois cantaram o samba Rosinha e Tico-Tico, de Ary Barroso, que nunca chegou a ser gravado. Apresentou-se por diversas vezes no Cassino da Urca.
Em 1942, atuou no filme Astros em desfile, dirigido por José Carlos Burle e que contava ainda em seu elenco com Grande Otelo, Emilinha Borba, Luiz Gonzaga, Manézinho Araujo e o grupo Quatro Ases e Um Coringa.
Embora atuando no teatro de revistas com bastante sucesso desde a década de 1930, somente gravou seu primeiro disco em 1953, pela gravadora Odeon, cantando em dueto com Pimentinha, e com acompanhamento de conjunto regional, o choro Vou à Paris, de Vicente Paiva e Luiz Peixoto e o samba Dengo, de Ary Barroso. Ainda em 1953, atuou no espetáculo Esta vida é um carnaval montado por Carlos Machado na boate Casablanca.
No ano seguinte, lançou um segundo disco no qual cantava sozinha o samba Carlota, de Denis Brean e em dueto com Pimentinha o samba Nois precisemo, de Ary Barroso. Ainda nesse ano, gravou com acompanhamento de orquestra a macumba Beira mar, de sua autoria e Getúlio Marinho e o samba Não tenho ambição, de Man Victor. Também nesse ano, participou com Grande Otelo da revista Esta vida é um carnaval.
Na ocasião o Jornal do Brasil publicou a seguinte nota: "Grande Otelo e Déo Maia, eis a dupla que está revolucionando Copacabana, com seus números de grande comicidade que é um dos maiores êxitos do ano, "Esta vida é um carnaval", espetáculo puramente nacional que o Teatro Jardel está apresentando e que conta com a participação de Russo do Pandeiro, Dulcinéa e as pastoras da escola de samba Imperio Serrano".
Em 1955, fez temporada na boate Plaza no Rio de Janeiro. Na ocasião, escreveu Ary Barroso em sua crônica em O Jornal: "Ninguém desconhece a categoria artística de nossa admirável Déo Maia. A mulata é ouro em pó".
Obra
Beira mar (c/ Getúlio Marinho)
Discografia
(1954) Carlota / Nois precisemo • Odeon • 78
(1954) Beira mar / Não tenho ambição • Odeon • 78
(1953) Vou à Paris / Dengo • Odeon • 78
Bibliografia Crítica
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982; CABRAL, Sérgio. No tempo de Ary Barroso. Rio de Janeiro: Lumiar, 1993.
Fontes: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira; Foto: CARIOCA, de 26/12/1936.
segunda-feira, abril 07, 2014
Linda Batista para os fãs do rádio
"Nem sempre os nomes correspondem as pessoas. Deve haver muito Gentil grosseiro e neurastênico, muito Pacífico belicoso, muito Leão covarde, muita Bela feia.
No caso de Linda Batista, porém, o nome não contradiz a pessoa: ainda de ser como de nome, inspira-nos um plágio ao soneto de Magalhães de Azeredo sobre Fra Angélico.
Filha de um ventríloquo, o conhecido artista de "vaudeville" Baptista Júnior, ela e sua irmã Dircinha Batista, são as bonecas mais inteligentes que aquele artista já apresentou ao público.
Uma e outra dispensam cordéis. Agem por sua própria inspiração, com autonomia, e não somente falam, como também cantam. E cantando bem.
Daí Linda Batista vir escravizando legiões de fãs de Belém ao Rio, na sua excursão vitoriosa. Rainha do rádio carioca, seu mandato termina no próximo carnaval. Mas, de qualquer maneira, Linda Batista ficará reinando ainda ..."
Fonte: CARIOCA, 26/12/1936 (texto atualizado).
No caso de Linda Batista, porém, o nome não contradiz a pessoa: ainda de ser como de nome, inspira-nos um plágio ao soneto de Magalhães de Azeredo sobre Fra Angélico.
Filha de um ventríloquo, o conhecido artista de "vaudeville" Baptista Júnior, ela e sua irmã Dircinha Batista, são as bonecas mais inteligentes que aquele artista já apresentou ao público.
Uma e outra dispensam cordéis. Agem por sua própria inspiração, com autonomia, e não somente falam, como também cantam. E cantando bem.
Daí Linda Batista vir escravizando legiões de fãs de Belém ao Rio, na sua excursão vitoriosa. Rainha do rádio carioca, seu mandato termina no próximo carnaval. Mas, de qualquer maneira, Linda Batista ficará reinando ainda ..."
Fonte: CARIOCA, 26/12/1936 (texto atualizado).
Assinar:
Postagens (Atom)