quarta-feira, janeiro 29, 2014

A inauguração da Rádio Nacional

Em 1936, durante a ditadura Vargas, nasce a Rádio Nacional, no Rio de Janeiro. Durante a repressão, torna-se a voz do governo, que deve muito de seu sucesso ao trabalho de massa desenvolvido pela rádio. Em 8/3/1940, ao adquirir o veículo, Getúlio tornou-a a rádio oficial do Brasil. A Rádio Nacional recebia uma verba do governo para manter o melhor elenco da época, dentre eles músicos, cantores e radio atores (Canal da Imprensa).

Abaixo transcrevo a reportagem da revista CARIOCA de 12/9/1936, data da inauguração da Nacional do Rio de Janeiro, em texto atualizado:

"Um grande acontecimento na radiofonia brasileira. Inaugura-se hoje a PRE-8, Rádio Nacional, a mais forte estação do país. O cast notável da nova emissora".

"A data de hoje se destina a marcar uma etapa nova da evolução da radiofonia no Brasil, com a inauguração da Rádio Nacional, a grande e potente emissora que o Brasil inteiro esperava. Os radiouvintes estão, hoje, de parabéns, por esse festivo acontecimento, pois a Rádio Nacional, com seus 22 quilowatts, será ouvida por todo o país, desde o Amazonas ao Rio Grande do Sul, abrangendo, num grande elo sonoro, numa cadeia de vibrações etéreas, todas as nossas fronteiras.

Aracy de Almeida - 1936
Mas esse regozijo não deve ser inspirado somente pela potencialidade da nova estação, como, também, pelas suas finalidades educativas e culturais, de vez que é a maior realização particular já tentada no país para fazer do "broadcasting" um instrumento poderosíssimo de difusão da arte musical, de informações e debates proveitosos.

A Rádio Nacional aparece ligada ao grande consórcio jornalístico integrado pela "A Noite", o mais lido e mais prestigioso vespertino brasileiro, e pelas revistas de maior tiragem do nosso país, "A Noite Ilustrada", CARIOCA e "Vamos Ler!", a última apenas com pouco mais de um mês de vida, mas já galhardamente vitoriosa. Não é a Rádio Nacional um órgão dependente de "A Noite", mas um elemento autônomo, perfeitamente sincronizado com aquele diário e suas revistas, nutrindo-se dos mesmos recursos de informação, das mesmas fontes que a todos garante a divulgação completa e palpitante dos fatos de maior repercussão nacionais ou estrangeiros.

Sylvinha Mello - 1936
A Rádio Nacional terá o maior e mais escolhido "cast" de artistas exclusivos, dele fazendo parte, entre outros, os seguintes elementos: Abigail Parecis, soprano lírico de mérito, que conquistou aplausos internacionais e realizou brilhante temporada em Nova York; Sônia de Carvalho, festejada intérprete de música brasileira, que em São Paulo conquistou justo prestígio; Aracy de Almeida, a nova e mais perfeita intérprete do samba; Dolly Enol, intérprete de canções; Marília Batista, a menina que estilizou e deu ao samba uma expressão nova; Elisa Coelho, cantora de estilo próprio, que os fãs muito admiram; Silvinha Mello, a voz jovem do folclore brasileiro; Amália Diaz, o tango em pessoa; Bob Lazy, intérprete de fox; Ben Wright, intérprete de fox-blue; Mauro de Oliveira, intérprete de canções internacionais; Nuno Roland, intérprete de canções; Joaquim Pimentel, intérprete de canções portuguesas; e Pasquale e Gambardella, cantor lírico.

Terá a Rádio Nacional três "speakers": Ismênia dos Santos, Celso Guimarães e Oduvaldo Cozzi, e três diretores de orquestra: Romeu Ghipsman, Gaó e Radamés Gnatalli. As orquestras são nove: Orquestra Sinfônica, Orquestra Vienense, Orquestra Havaiana, Orquestra de Jazz, Orquestra Regional, Orquestra Típica Argentina, Orquestra Típica Portuguesa, Orquestra Serenata, Orquestra de Cordas. No grupo de instrumentistas, há nomes como Pereira Filho, o mágico do violão, e Luiz Americano, o homem que faz o saxofone falar. Genolino Amado, redator-chefe da "Hora do Brasil", é o cronista da Rádio Nacional, e Rosário Fusco o redator. O som é controlado pelo hábil e competente engenheiro L. R. Evans.

Nuno Roland - 1936
A PRE-8 também irradiará, matinalmente, aulas de ginástica do professor Oswaldo Diniz de Magalhães, com acompanhamentos de piano, para ritmar os exercícios, pelo pianista Jorge Paiva.

CARIOCA se congratula com os radiouvintes de todo o Brasil, — que tem tido nesta revista uma tribuna para a manifestação de seu pensamento, — pelo expressivo acontecimento de hoje, a inauguração da PRE-8, Rádio Nacional, a grande emissora, a mais nova e a maior estação do país."


Fontes: CARIOCA, de 12/9/1936; Canal da Imprensa.

Um craque do saxofone

Luiz Americano - CARIOCA 12/9/1936
Quando um homem nasce fadado a ser artista de valor, começa em pequenino a fabricar instrumentos dos galhos de mamoeiro, fazendo flautas, cometas, etc. Luiz Americano foi um caso assim.

Nascido em Sergipe, demonstrou desde garoto invulgar predileção pela música. Estudando saxofone, progrediu assombrosamente, em pouco tempo. Hoje, que além de saxofone Luiz Americano toca também eximiamente clarinete e bandoneon, já tem alcançado na vida êxitos capazes de consagrá-lo.

Exibindo-se em cassinos, dirigindo orquestras, no Brasil e na Argentina, além de atuar em várias estações de rádio, Luiz tornou-se em pouco tempo um nome admirado e conhecido.

Rádio Nacional contratou-o, recentemente.

Uma carreira feliz

— Divido a minha carreira em duas etapas — diz Luiz Americano. — Uma no Brasil, outra na Argentina. Tive em Buenos Aires uma vida artisticamente atribulada. Sucesso também dá trabalho. . . As emoções experimentadas aqui não foram renovadas lá. Simplesmente foram vividas de outra maneira. O povo argentino não é tão fácil ao aplauso como o brasileiro. Mas quase sempre é acolhedor para a música brasileira.

Na Argentina, Luiz Americano exibiu-se em muitos teatros, cassinos, estações de rádio, obtendo grande êxito.

— Também gravei vários discos. Composições minhas. Tenho, aliás, mais de trinta, todas elas felizmente bem sucedidas.

Entrando para o Rádio

— Se o cinema falado e sincronizado veio até certo ponto prejudicar a atuação de muitos artistas que viviam das orquestras dos cinemas, o rádio, progredindo, chegou para compensar esse fato. Observo que existem hoje, colocados nas orquestras dos estúdios muitos artistas que exploraram aquele outro ramo de vida.

Pela sua parte Luiz Americano, que sempre se exibiu em vários lugares ao mesmo tempo, também tocou durante longo tempo na orquestra de um dos nossos principais cinemas. Há quatro anos passados ingressou para o rádio, estreando-se num programa de Renato Murce e Gramury, na Rádio Sociedade.

Um fã dos outros artistas

No nosso “broadcasting” Luiz Americano já atuou em várias estações, sendo um admirador do progresso apresentado pelos programas.

Distingo entre os bons dirigentes Renato Murce. Capacidade e talento além de espírito batalhador. Na parte musical, devo declarar que observo muito apreciando os verdadeiros valores. Entre os intérpretes de saxofone, por exemplo, admiro Dedé e Sandoval, artistas de valor. Violinista, Pereira Filho, o mais movimentado, inspirado e admirável. Na flauta, reconheço um artista absoluto: Pixinguinha. Entre os cantores e cantoras, Sílvio Caldas, Francisco Alves, Carmen Miranda e Aracy de Almeida.

Música sinfônica

— Estou, no entanto, muito longe de apreciar unicamente o gênero popular. Prefiro mesmo a música sinfônica a qualquer outra, admirando Cesar Franco, Wagner, Beethoven e Rimisk Kovsakowisk — aliás um dos mais apreciáveis compositores da música árabe.

Luiz Americano gosta do ritmo árabe. Nas suas composições executa toda espécie de música. Atualmente tem composto muitas valsas e choros, sendo uma das suas últimas produções uma linda música intitulada “Yolanda Pereira”, que é aliás a sua predileta.

— Dedicada a Miss Universo 1930?

— Não ... — respondeu-nos Luiz Americano. — Dediquei-a à senhorita Yolanda Pereira, graciosa irmã de Pereira Filho.

Luiz Americano, que será um dos bons elementos da Rádio Nacional, dirige também um dos principais dancings do Rio e é um homem perfeitamente amável e simpático.

— Sinto-me perfeitamente bem no meio radiofônico, apreciando todos os colegas.

Ele referiu-se também entusiasticamente ao talento de Radamés Gnatalli, o surpreendente pianista da PRE-3.
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Fonte: CARIOCA, de 12/9/1936.

segunda-feira, janeiro 27, 2014

O compositor e cantor J. Cascata

J. Cascata: um compositor triunfante e um cantor de mérito - Foto: Carioca - Setembro/1936

"O verdadeiro nome de J. Cascata é Álvaro Nunes. Ele ganhou esse outro em pequenino, devido à sua grande predileção pelos repuxos da rua, as pequenas cascatas improvisadas pela Prefeitura. Gostava de brincar na água, e por isso deram-lhe o apelido de “Cascata”, ao qual foi acrescentado, mais tarde, um J. à guisa de nome próprio.

Hoje J. Cascata é uma personalidade que se firmou como bom compositor da nossa música regional e que vem agora se impondo como apreciável intérprete das suas próprias composições. Compondo ou cantando ele é um artista vitorioso. CARIOCA foi ouvi-lo, fazendo jus ao interesse que já vem despertando entre os fãs.

Sobre as suas tendências musicais J. Cascata declara o seguinte:

— O amor e as aperturas da vida sempre foram, em todas as épocas, as maiores causas das inspirações poéticas. Os meus sambas sempre se basearam nesses dois motivos. Amando, compus “Minha palhoça”, samba que obteve êxito, lançado por Luiz Barbosa e gravado por Sílvio Caldas. “Mágoas de caboclo”, de parceria com Leonel Azeredo. “Tristezas”, samba feito com Cristóvão de Alencar e muitos outros. Também compus, de parceria com J. Barcellos, “Pra Deus somos iguais”, samba que procura estabelecer teoricamente nivelamento entre as classes.

J. Cascata sorri e continua:

— Reconheço que o bolso é, inegavelmente o nosso maior inimigo. Vazio, torna-se famigerado. Mas às vezes fornece inspirações bonitas. É o lado bom das coisas ruins.

J. Cascata nasceu em Vila Isabel — a vila do samba — no dia 22 de novembro de 1912. Iniciou-se no rádio cantando no programa de Renato Murce. Isto em 1932. Depois veio um longo período de descanso, onde somente a sua “bossa” de compositor não sossegou. Tornou-se em pouco tempo conhecido e requisitado como compositor.

Guardando a voz dentro da garganta, heroicamente — porque isso é um sacrifício muito grande para essas cigarras humanas — J. Cascata limitou-se durante longo tempo a fornecer lindas músicas para os seus colegas. Mas um dia, visitando um programa de Luiz Vassalo, então na Rádio Guanabara, ele cantou de novo, brincadeira. Agradou. Luiz Vassalo, com seu tino de perfeito organizador, chamou-o para o seu “cast”. E assim reiniciou-se a sua carreira radiofônica.

Essa brincadeira de cantar ao microfone tem-me fornecido grandes emoções, porque reconheço que sou nervoso. Cada novo telefonema surpreende: quase sempre é uma voz amável, de fã desconhecida, dizendo palavras animadoras. Reconheço nessas criaturas admiráveis dotes de coração. A vida do artista se resume nisto: incentivo."


Fonte: CARIOCA, de 12/9/1936.

Ary Barroso: desde os tempos de guri

"Ary Barroso, em menino, estudava piano a força. Porém isso valeu-lhe de alguma coisa: embora tomando aversão ao instrumento, durante certo tempo, conseguiu aprender música — fato que o distingue de muitos outros pianistas do nosso rádio que tocam genialmente, de ouvido ... A sua primeira música foi composta com a idade de 9 anos e conseguiu ser executada pela orquestra de Ubá — “Ubaenses Carnavalescos”, obtendo grande sucesso.

Ary Barroso nasceu em Ubá, sendo portanto mineiro, embora o não pareça. Hoje, ele se distingue pela firmeza com que exprime as suas opiniões e a sua reconhecida capacidade para inventar lindas melodias. Os seus grandes sucessos nunca são esquecidos pelo público — porque se repetem constantemente. Começaram brincando de fazer música ...

— O verdadeiro artista é um boêmio da sua arte. A inspiração comercializada perde esse nome — diz-nos Ary Barroso — passando a ser um negócio como outro qualquer. Eu já fui um artista inspirado.

No tempo em que as suas composições enchiam todo o seu aposento, sobrando pelas gavetas. Muitas não tinham nome. É difícil batizar, arranjar um nome, para uma porção de emoções diversas.

— No dia em que alguém descobriu certo valor nessas músicas — o falecido Wantuil de Carvalho — dispus-me levar doze originais a uma casa editora em São Paulo. Porém, foram recusados. Trouxe-os então para o Rio, deixando-os na gaveta de outra casa de músicas. Aí surgiu-me a primeira “chance”: a companhia que representava no Recreio precisou de composições inéditas. Os meus originais foram apreciados e escolhidos.

Entre eles se achavam: “Vamos deixar de intimidade”, “Dá nela”, “Vou à Penha” e muitos outros que conseguiram, depois, um grande êxito.

Encontrando Sílvio Caldas

Ary Barroso, tocando sambas, possui qualquer coisa particular que a gíria classifica deliciosamente: é a “bossa”. “Bossa” de sambista autêntico. Encontrando Sílvio Caldas, achou o seu intérprete ideal.

— Conheci Sílvio Caldas por um acaso, e logo notei a afinidade de sentimentos artísticos que existe entre nós. Levei-o a uma companhia teatral. Pouco depois Sílvio cantava com um assombroso sucesso o meu samba “Faceira”, sendo bisado todas as vezes que aparecia no palco. Isso ajudou-o a ser o meu intérprete preferido — o intérprete perfeito para o qual eu fazia músicas cônscio da vitória. Durou algum tempo a dupla. Depois Sílvio desgarrou...

Ary Barroso não esconde o seu pesar diante da perda do seu intérprete. Comenta o fato:

— Um artista que interpreta tão bem o sentimento alheio não deve ser um compositor.

Lembra sempre uma estátua que depois de pronta, cuidadosamente esculpida, foge das mãos do escultor, ficando consigo alguns bocados de barro ...

Contra os “medalhões”

— Acho que a rádio atual atravessa um período de estacionamento. Os valores novos que surgiram pararam. E os valores antigos não apresentam nada de particular. Sou contra os “medalhões” — declara Ary Barroso. — Não sei se pelo meu instinto criador, de fazer “coisas novas”. Qualquer artista apagado pode fazer sucesso, de posse de uma boa música — a música, que é o verdadeiro motivo do êxito.

Apresenta exemplos:

— Francisco Alves gravou “Foi ela”, obtendo sucesso. Também interpretou: “Sem ela”, obtendo êxito quase nenhum. Evidentemente a culpa foi da superioridade da melodia da primeira composição sobre a segunda, porque o cantor foi o mesmo.

Existem casos comuns — a maioria deles — de artistas se consagrarem à custa de músicas que, sozinhas, mesmo sem cantor, fariam sucesso ...

A voz em primeiro lugar

— Não procuro, no entanto, com essa opinião, desmerecer o mérito próprio de cada um. Admiro a voz e a interpretação de Francisco Alves, Sílvio Caldas, Elisinha Coelho.
Entre os valores novos, promissores, destaco o menino Albertinho Fortuna e Odette Amaral.

Ary Barroso experimentando o teatro deu-se bem. Várias peças suas exibidas obtiveram êxito. Agora mesmo ele pretende apresentar outras.

Uma opinião sobre os outros compositores

— Orgulho-me de ser perfeitamente brasileiro nas minha composições — diz Ary Barroso. — O estilo do samba “Por causa dessa cabocla” é o meu preferido. Mas reconheço um verdadeiro gênio na música popular: “Sinhô” — o homem que até inventou palavras novas nos seus sambas. Dos compositores atuais admiro a originalidade de Assis Valente e a inspiração de Humberto Porto.

Ary é o homem que nasceu destinado a lidar toda a vida com o piano, música e composições.

— Quando fiquei homem, tomei aversão ao piano. Mas, um dia, resolvi fazer as pazes. Tinha que ganhar a vida. Utilizei-o como pá ...


Fonte: CARIOCA, de 29/8/1936.

domingo, janeiro 26, 2014

Confissões de Almirante

Almirante, cognominado “maior patente do rádio” é, sem favor, um dos nossos mais expressivos homens de rádio. Cantor, criador, redator e animador de grandes programas, realizou “Histórias das Danças”, “Curiosidades Musicais”, “Tribunal de Melodias”, “Anedotário das Profissões” e outras notáveis realizações.

“Meu primeiro ordenado foi de noventa cruzeiros por mês, como ajudante de balcão. Entrava às sete da manhã e trabalhava até às sete da noite, e aos sábados lavava os vidros da casa.

Mais tarde, com dezoito anos, acentuou-se minha inclinação pelo comércio, a qual já me tinha permitido aprender. Sozinho, com estudo e dedicação, contabilidade, escrita fiscal, enfim, a organização de uma casa comercial.

Meu pai faleceu, e ajudava mamãe nas despesas da família, e foi quando surgiu o problema da convocação do Exército, que não me permitiria continuar contribuindo com boa parte do meu ordenado em casa. Havia, então, os Tiros de Guerra e eu me inscrevi na Reserva Naval.

Desde criança, eu gostava multo de cantar, mas não tinha tido companheiros nem liberdade para dar grande expansão às minhas cantorias. Na Marinha entretanto, eu não fazia outra coisa. Por esse tempo o rádio estava tomando incremento e proliferavam os conjuntos musicais. E também organizamos o nosso, o “Bando dos Tangarás”, que se exibiu um dia em frente ao microfone, de onde não saí desde então.

Das duas fases da minha vida — a Marinha e o comércio trouxe duas coisas: da primeira, o apelido, Almirante, do segundo, o espírito de organização e de trabalho que me permite dispender um ano inteiro no estudo e na meticulosa feitura de um programa — receita que sempre tenho seguido e que até hoje tem dado o melhor resultado”.


Fonte: Artigo de "O Malho", de julho/1953.

Sérgio Britto

Sérgio Britto (Sérgio de Britto Álvares Affonso), instrumentista, compositor, cantor, tecladista e violonista, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18/09/1959. Segundo filho de Lygia e Almino Affonso viveu até os cinco anos de idade entre Rio e Brasília onde o pai foi deputado federal, líder do PTB na Câmara e finalmente ministro do trabalho do governo João Goulart.

Em 1964, alguns meses após o golpe de estado que instaurou a ditadura militar no Brasil, Sérgio partiu com a mãe e os irmãos Rui, Gláucia e Fábio rumo ao exterior para reencontrar o pai já no exílio.

Foi alfabetizado em espanhol e viveu por quase dez anos em Santiago, no Chile. Seu pai nesse período foi funcionário das Nações Unidas e diretor da FLACSO (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais).

Sérgio Britto mostrou, desde muito cedo, inclinação pelas artes, especialmente por pintura. Durante o final da infância e o começo da adolescência dedicou-se a pintar e desenhar com rara aplicação.

De volta ao Brasil (logo no início do processo de redemocratização do país), em 1974, passou a estudar piano, violão e começou a esboçar as primeiras composições. Por volta dessa mesma época cursou ainda as faculdades de Artes Plásticas na FAAP e Filosofia na USP sem chegar a concluir nenhuma das duas: àquela altura sua única vontade era a de ser "compositor popular".

No começo dos anos oitenta junto com ex-companheiros do Colégio Equipe, onde cursara o ensino médio, formou a banda Titãs. Em 1982 o primeiro disco do grupo é lançado com grande êxito. Além do hit Sonífera ilha, este trabalho incluia Go back e Marvin (ambas de sua autoria), que também marcariam época.

Em 1986 os Titãs lançam Cabeça Dinossauro tido , até hoje, como um dos mais importantes discos de rock da história da música popular brasileira.

Sérgio tem 28 anos de carreira e durante esse tempo, junto aos Titãs, vendeu, literalmente, milhões de discos, ganhou inúmeros prêmios e conquistou o respeito da crítica e do público. É compositor (em parceria ou como único autor) de grandes sucessos como por exemplo Enquanto houver sol, Diversão, Homem primata, Flores, Porque eu sei que é amor, Nem cinco minutos guardados, A melhor banda de todos os tempos da última semana, etc.

Em 2001 Sérgio Britto lançou o seu primeiro disco solo A minha cara e cinco anos mais tarde, em 2006, Eu sou 300 do qual se destacou o single Raquel (D.D.D).

É, entre seus colegas de banda, quem tem o maior número de músicas gravadas. Algumas delas como por exemplo Epitáfio, Comida, Miséria, Go Back e Desordem foram inclusive regravadas por grandes nomes da MPB tais como Gal Costa, Maria Bethania, Jorge Vercilo, Marisa Monte, Fabio Jr, Paralamas do Sucesso, Fafá de Belém, Adriana Calcanhoto e Ney Matogrosso, entre outros.

Atualmente Sérgio está lançando pela Midas Music o seu terceiro disco solo intitulado SP55. Este trabalho conta com as participações especiais de Wanderléa, Marina de La Riva, Negra Li e a dupla de DJs Drumagick e é um cruzamento feliz entre MPB, Bossa-Nova e música POP.

Obra

A minha cara (c/ Marcelo Fromer), AA - UU (c/ Marcelo Fromer), Amanhã não se sabe, Bichos escrotos (c/ Arnaldo Antunes e Nando Reis), C. V. V. Boa noite, Cama, mesa e banho, Carrossel, Dentes (c/ Branco Mello e Marcelo Fromer), Desordem (c/ Marcelo Fromer e Charles Gavin), Deus e o diabo (c/ Paulo Miklos e Nando Reis), Diversão (c/ Nando Reis), Domingo (c/ Toni Belotto), Epitáfio, Era uma vez (c/ Marcelo Fromer, Toni Bellotto, Branco Mello e Arnaldo Antunes), Eu e você, Flores (c/ Charles Gavin, Antonio Belloto e Paulo Miklos), Go back (c/ Torquato Neto), Igual a todo mundo (c/ Marcelo Fromer), Insensível, Lugar nenhum (c/ Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Marcelo Fromer e Toni Bellotto), Marvin (R. Dunbar e G. N. Johson - Versão: Sérgio Britto e Nando Reis), Massacre (c/ Marcelo Fromer), Miséria (c/ Arnaldo Antunes e Paulo Miklos), O bem, o mal (c/ Torquato Neto), O que querem que eu faça (com tanto sol), Os olhos do sol (c/ Arnaldo Antunes), Palavras (c/ Marcelo Fromer), Pedras preciosas, Pensamento 2, Só lembrança.


Fonte: Wikipédia.

sábado, janeiro 25, 2014

Arnaldo Black

Arnaldo Black, compositor, é casado com a cantora Tetê Espíndola e pai do compositor e cantor Dani Black. Obteve muito destaque nos anos 1980 como autor da canção Escrito nas estrelas, de sua parceria com Carlos Rennó, vencedora do Festival dos Festivais (Rede Globo, 1985) na voz de Tetê Espíndola.

A própria Tetê conta que conheceu o marido, Arnaldo, por meio do letrista Carlos Rennó, com quem sua irmã Alzira havia sido casada e tem uma filha, a hoje também cantora Iara Rennó.

E foi o ex-cunhado quem escreveu os versos das duas canções que, em 1985, Tetê inscreveria no Festival dos Festivais. A primeira, Visão da Terra, tinha melodia da própria cantora. Sofisticada demais, foi desclassificada. A segunda, Escrito nas estrelas, com música de Black, venceria o festival.

"A letra conta exatamente a história de amor que eu vivia com meu marido. Era a nossa vida", diz Tetê. Para as eliminatórias na TV, preparou uma roupa que mais parecia uma rede. "Era um macacão de macramê feito no meu corpo. Hoje, está na última moda de novo. Quando ficou pronto, achei que estava muito pelado. Então, botei franjas prateadas."

Arnaldo Black é autor de várias outras canções, entre as quais: Ajoelha e reza, Mais uma e Nossos momentos, todas com Carlos Rennó, Águas irreais, Balanço, Garrincha da chuva, Ópera da Natureza e Voz, todas com Tetê Espíndola, Lugar, Vulgar e Zencinema, todas com Hilton Raw, Palato, Umbigo e Meridiano, todas com Chico César, Tudo pelos ares (c/ Jerry Espíndola e Adriano Magoo), Zumzum (c/ Octacílo Rocha), Ararinha azul (c/ Philippe Kadosch), Animal, Migração, Nenhum, Paranóia, Quero-quero, Sabiá verdadeiro, Sincronicidade, Urú, Vertigem, Viaduto do Tchá e Visão.

Obra

Águas irreais (c/ Tetê Espíndola), Ajoelha e reza (c/ Carlos Rennó), Animal, Ararinha azul (c/ Philippe Kadosch), Balanço (c/ Tetê Espíndola), , Escrito nas estrelas (c/ Carlos Rennó), Garrincha da chuva (c/ Tetê Espíndola), Lugar (c/ Hilton Raw), Mais uma (c/ Carlos Rennó), Meridiano (c/ Chico César), Migração, Nenhum, Nossos momentos (c/ Carlos Rennó), Ópera da Natureza (c/ Tetê Espíndola), Palato (c/ Chico César), Paranóia, Quero-quero, Sabiá verdadeiro, Sincronicidade, Tudo pelos ares (c/ Jerry Espíndola e Adriano Magoo), Umbigo (c/ Chico César), Urú, Vertigem, Visão, Voz (c/ Tetê Espíndola), Vulgar (c/ Hilton Raw), Zencinema (c/ Hilton Raw), Zumzum (c/ Octacílo Rocha).


Fontes: Dicionário Cravo Albin da MPB; Folha de S. Paulo ilustrada - Mônica Bergamo, de 11/12/2011.

terça-feira, janeiro 21, 2014

O pai do rádio brasileiro

Roquette Pinto
Em outubro de 1936, um gênio que fez o Brasil inteiro escutar, através do milagre do rádio, as notícias, os jeitos, as modas e bossas do antigo Distrito Federal, o Rio de Janeiro, foi  justamente homenageado.

“As crônicas de CARIOCA, irradiadas na PRE-8, Sociedade Rádio Nacional, lá se tornaram uma das atrações intelectuais mais brilhantes do nosso “broadcasting”. Essas crônicas, traçadas pelo espírito ágil e moderno de Genolino Amado, abordam, sempre, assuntos de expressiva significação espiritual.

Comentando a doação da Rádio Sociedade Brasileira ao governo a crônica CARIOCA da PRE-8, prestou justa homenagem a Roquette Pinto, o “pai do rádio brasileiro”, irradiando estas palavras cheias de calorosa simpatia:

“Nesta boa noite que a vida carioca está vivendo, uma nova alegria deve encher de festa o coração dos que escutam, na doçura dos lares, a música e a palavra das estações de rádio da cidade. É que hoje eles podem agradecer, na homenagem a um nome ilustre, o presente sonoro que todos os dias recebem dos estúdios do Rio, no milagre da radiofonia, esse prazer que só a existência moderna conheceu, essa força de cultura e de consolo que é o repouso artístico de todas as fadigas humanas da atualidade.

Foi num claro dia de sol, como o de hoje, que nasceu para uma vida toda cheia de pensamento e de ação o homem sábio e construtor que trouxe para a capital brasileira a difusão cultural que o país ainda não conhecia de ouvir. Faz anos o Professor Roquette Pinto, a quem já se deu o título justo de “Pai do rádio brasileiro”.  E o “broadcasting” nacional ainda se orgulha dessa honrosa filiação que lhe traçou um destino de constante aperfeiçoamento e de permanente fidelidade aos interesses belos da vida, dentro da Pátria e no mundo em que a nossa terra se apresenta como uma das suas novas e grandes esperanças.

A radiofonia brasileira não deve esquecer o exemplo do espírito paterno que a criou. Porque Roquette Pinto representa, neste país, um modelo da inteligência que cultiva ao mesmo tempo a verdade científica e o sonho da poesia, que ama o passado, cujos segredos estuda e revela, e se enamora das coisas modernas, de que a se fez, tantas vezes, o iniciador em nossa terra.

Roquette Pinto discursando, numa foto do semanário Carioca, de Outubro de 1936
Roquette Pinto viu no rádio um instrumento de educação. E para educar os ouvintes foi que fundou a primeira estação transmissora do Brasil. Depois de tantos de anos de lealdade perfeita à sua iniciativa, só a terminou, na confirmação melhor da sua ideia: dando essa estação ao governo, para servir à obra educativa do país.

Entregou a filha mais velha ao Brasil. Mas, ao separar-se dela, a saudade de vê-la um pouco mais longe do seu afeto e do seu cuidado não é compensada apenas pelo conforto de saber que ela continua a ser agora, mais do que nunca, como ele sempre quis que ela fosse. O “Pai do rádio brasileiro” tem ainda o estímulo de contemplar as filhas mais novas, irmãs mais poderosas, mais jovens, daquela que foi a primeira e que primeiro recebeu o alento da sua inteligência criadora.

E a Rádio Nacional, a última a aparecer no Rio, quer os seus sons de hoje sirvam também para saudar o homem de sabedoria brasileira que plantou a primeira semente para que pudesse florescer e frutificar agora a grande árvore da radiofonia brasileira. E que dela caiam as flores mais novas sobre a cabeça do bom semeador”.


Fonte: CARIOCA, de 3/10/1936.

O sonho de Marília Batista

Marília Batista - Outubro/1936
"Os sambas de Marília Batista são diferentes dos outros. Tem um ritmo especial, que a voz cadenciada e grave da "estrelinha" carioca, sabe fazer sobressair. Eles contam histórias tristes, de morenos bonitos que foram embora e não voltaram. Contam as desilusões das meninas românticas que esperam alguém que não vem mais. E ainda têm tanta coisa que contar ...

Marília tem um gênero de samba seu: são pessoais. Refletem na melodia, o sentimento de seu coração. E um pouco de sua alma quase infantil vai pelo microfone, através das ondas sonoras, alegrando e distraindo os seus inúmeros fãs, quando canta as suas composições, ou dos irmãos.

No programa Casé, procuraram, certa vez, dar a Marília um título de nobreza que se relacionasse com o samba. Acharam que "Rainha", seria impróprio, em virtude da pouca idade da "estrelinha" da PRE-8. Rainha sugere logo uma figura cheia de preconceitos e austeridade coisas que em absoluto, se pode encontrar na personalidade amável e graciosa de Marília.

Chamaram-na "Princesinha do samba", título amável e de acordo com o temperamento dela. "Princesinha", significa muito. Significa que um dia, Marília tomará em suas mãos, o cetro da nossa música popular. Será a Rainha. E, da maneira em que vamos, este dia não se encontra muito distante ...

O samba para Marília é tudo. É o seu ideal. Vive para ele. Pensando nele, há vários anos, vem ela estudando no Instituto Nacional de Música. Lá, tem procurado aprender, ver o que os outros tem feito com suas músicas, afim de um dia, conseguir fazer o mesmo com a nossa.

Ela tem uma quantidade enorme de lindos sonhos, acerca do futuro do samba. Já o vê, aclamado em todo o mundo, cantado e dançado, por todos os seres que povoam o universo e penetrando com a sua cadência morena, nas regiões estranhas do globo, esquentando com seu ritmo ardente os gelos do Polo Sul e os invernos da Sibéria ...

Marília acha que tudo isto é possível e se alguém procura contradizê-la, um sorriso de mofa surge nos seus lábios. Ela acredita no samba. Acha, porém, que necessitamos trabalhar por ele. Temos todos, que cooperar um pouco, para o seu futuro. E tem um juramento consigo própria: trabalhar pela nossa música. Para isto pretende organizar uma orquestra, apresentar músicos de nomeada, artistas famosos que saibam "sentir" os ritmos soberbos do samba.

Ela quer fazer orquestrações ricas, cheias de vivacidade e melodia, capazes de figurar com êxito em qualquer país civilizado ou não. Quer fazer com que o samba atravesse as nossas fronteiras, invadindo o mundo, como o fizeram o tango e o foxtrote, pois ela sabe que levando o samba ao mundo, leva o Brasil ...

Este é o sonho de Marília Batista. Sonho lindo, cheio de cores ricas e enfeites vistosos, acompanhados ao longe, muito ao longe, por uma cadência conhecida e tão do agrado de seu ouvido — um samba ..."


Fonte: Artigo e fotos da CARIOCA, de 3/10/1936.

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Roxane


Roxane (Lucy da Silva Prado), cantora, nasceu em Santos, SP, em 26 de janeiro. Estudou no Mackenzie College de São Paulo. Estreou-se no rádio na Cruzeiro do Sul, da capital paulista, em setembro de 1934. Cantou também na Rádio Cosmos e foi exclusiva da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde cantava "foxes", blues e canções francesas.

Sua canção predileta era "Chez moi" e dentre os foxes destacava "Solitude". Paulista fanática, não permitia que se falasse mal de S. Paulo em sua presença ... 

Figuras de Cartaz

“Roxane não se chama Roxane. O nome dela é outro muito diferente e trezentas vezes menos complicado e mais brasileiro. Não me lembro qual é no momento, mas deve ser semelhante ou pouco mais ou menos parecido com Antônia Perpedigna da Fonseca. Compreendendo, porém, que no rádio o nome é tudo, ela resolveu arranjar esse apelido em francês, que, aliás, diga-se de passagem, lhe fica muito bem. Seu antigo nome não dava certo. Imaginem se o “speaker” a cada momento fosse obrigado a dizer, por exemplo:

— “Acabaram de ouvir D. Antônia Perpedigna da Fonseca ...”

O ouvinte meio desconfiado, torceria o “dial”:

— “Ora, D. Antônia ... Isso é lá nome que se use! ... Parei convosco ...

No “broadcasting” o nome é o próprio artista. Imaginem se Alzirinha Camargo se chamasse Marcolina Ferreira ... Poderia cantar qual um rouxinol ou uma patativa. Ninguém a levaria a sério com semelhante “epitáfio”. Se a Carmen Miranda se chamasse Joaquina de Vasconcelos estaria condenada a nunca voar para o Chile, nem Buenos Aires. Da mesma forma se o Chico Alves tivesse o nome de Bonifrates Assumpção, estaria irremediavel- mente perdido. Quando ele abrisse o peito para uma serenata daquelas, o amigo ouvinte iria logo atalhando:

— “Qual, seu Bonifrates ... Cuide de outra coisa. Páre com essa cantiga. Não amole a paciência alheia ...

Está, pois, demonstrado que o nome influi bastante no sucesso. Roxane fez muito bem em mudá-lo.

Continuemos a falar dessa morena paulista que nasceu em Santos e vive no Rio porque acha a Guanabara mais formosa do que Guarujá.

Encontrei-a pela primeira vez na praia do Flamengo. Havia muito sol e de vez em quando a ressaca espadanava espuma por cima da amurada. Eu e Sylvinha Mello presentes no local para fazermos umas fotografias, dissemos várias vezes:

— “Roxane, saia daí, senão você se molha nas águas do mar ...”

Ela, teimosa como trinta, queria à força se debruçar no cais para ver um homem que (dizia ela) estava morrendo afogado.

— “Deixe o rapaz afundar sossegado ...” — insisti eu.

— “Não tem importância — disse a Sylvinha — é um homem somente. Se fosse mulher ainda valia a pena salvar ...”

Todos olhávamos agoniados para as ondas inquietas e depois de muito olhar chegamos à conclusão de que Roxane estava inventando história. Não disse nada porque ela poderia não gostar. E enquanto nós caminhávamos para fazer outras fotos a cantora de “blues” ficou teimando em dizer que um homem se afogava dentro d’água. Insistia em espiar a curva da enseada. Foi-se chegando para o gradil de cimento. Foi-se aproximando mais. Mais... Nesse momento veio uma ressaca daquelas que ergue um leque branco da altura de um poste. A curiosa pagou com um banho o seu noviciado no posto de “life guard”. Nós nos rimos bastante e a paulistinha morena ainda riu mais do que nós.

Roxane é assim. À primeira vista se tem a impressão de que ela é uma pequena misteriosa e complicada. Observando-se melhor chega-se à conclusão de que houve equívoco de nossa parte. Ela não é complicada: é complicadíssima. Mas não é misteriosa. Quando julga-se que está zangada, está mais alegre do que nunca. Muitas vezes a gente julga que ela está contente, quando está com o coração de guarda-chuva armado.

Certa vez um cronista achou-a um tanto romântica. Roxane ficou indignada e protestou. Como estivesse presente, perguntei:

— “E você é mesmo romântica?”

— “Nunca! Deus me defenda ...”

Ergueu os olhos e suspirou longamente enquanto eu ficava abismado.

É uma criatura estranha, porém muito bondosa. Toda vez que um réporter vai entrevistá-la, ela oferece doce, queijo, uma cadeira, um copo d’água e um palito.

Gosta muito ... da música europeia porque é obrigada a cantá-la nos seus contratos com a Tupy. Sua mania, porém, é o fox-trot americano. Interpreta-o sempre que lhe é possível. Interpreta direitinho. Sua voz nem é de contralto e nem de contrabaixo. É de meio-soprano. Mas isso não tem importância. Há muita gente por aí que chega a ser soprano lírico e não reclama.

Como dizíamos a princípio, Roxane não se chama Roxane. O nome dela é outro, quinhentas vezes menos complicado e mil vezes mais brasileiro. O verdadeiro nome dela (agora me lembro) é Lúcia Prado e não Antônia Perpedigna da Fonseca. Ela prefere Roxane. E uma vez que quer assim, o melhor é deixar como está. Não faz mal. Ela fica sendo Roxane mesmo. Não há ser nada ...”

Escrito por Theophilo de Barros
Desenho de Augusto Rodrigues


Fonte: CARIOCA, de 7/11/1936 e 14/8/1937.

Lina Pesce vivendo entre harmonias

“Diante do mar, ali no cenário do posto 3, Lina Pesce pensa em campinas, montanhas e compõe lindas melodias.

— Se estivesse longe do mar, talvez me inspirasse nele. — diz ela.

Lina Pesce, a autora de tantas melodias bonitas que os nossos artistas radiofônicos interpretam de várias maneiras, é uma artista por instinto.

Aos três anos de idade, cantarolando, já inventava ritmos diferentes. Depois que começou a aprender piano, sempre tirava imagens novas do teclado, batendo as teclas com displicência.

— Estudei para ser concertista diz Lina Pesce a CAR!OCA. — Porém a minha própria família procurou dissuadir-me disso. Meu pai, o maestro G. Pesce, conhecendo perfeitamente o ambiente artístico, não o desejava para mim. Há três anos passados, casando-me, desisti por completo de tais ideias.

Porém continuou compondo. É muito difícil a um artista não se expandir de qualquer maneira.

Entre tangos, valsas e sambas

— Há compositores que se especialisam em determinado gênero; pela minha parte sempre procurei compor ritmos diferentes, sempre outros, variando constantemente. A princípio fiz vários tangos: “Miente”, por exemplo, alcançou sucesso na Argentina, tendo sido gravado pela orquestra de Roberto Firpo. “Cuantas veces” e outros. Depois passei a inventar valsas e canções: “Felicidade é o meu amor”, “Nuvens que passam”, gravados por Gastão Formenti e várias outras canções.

Atualmente também componho sambas e choros, tendo para Carmen Miranda: “Contigo sonhei” e “Adeus, mocidade”. Aurora Miranda lançará: ‘Caboclo do meu coração” e “Com toda a razão”, sambas que aparecerão assim que as duas aplaudidas artistas regressarem de Buenos Aires.

Experimentando o microfone

— Há tempos, curiosa de saber como ficaria a minha voz através do microfone, atuei em várias estações de “broadcasting”.

Lina Pesce nasceu em São Paulo. O seu verdadeiro nome é Magdalena Pesce Vitale, uma vez que um feliz matrimônio uniu-a ao conhecido editor Vicente Vitale. Adotando porém o pseudônimo de Lina Pesce, tem triunfado no meio radiofônico — embora quase alheia a ele — apresentando lindas músicas.

— Deixei o microfone também em parte devido à compreensão que sempre tive e procuro manter com as pessoas da minha família.

A expressão em primeiro lugar

Lina Pesce é uma figurinha graciosa, perfeitamente amável e culta. Falando sobre a sua infância, diz:

— Sempre gostei de representar. Garotinha ainda, sempre que ia ao teatro, organizava depois em casa comédias completas com o auxílio de minhas colegas. Acho que o teatro, assim como o cinema, exige, antes de mais nada, criaturas expressivas. Sou, aliás, a favor unicamente da beleza expressiva, animada, embora imperfeita. Devido a isso, admiro sem grandes entusiasmos as estátuas e obras de arte imóveis.

Lina Pesce admira todos os grandes compositores, preferindo Beethoven e a sua 5ª. sinfonia.

— Aliás declaro a minha preferência pela música sinfônica. Reconheço que o meu ideal, atualmente, é conseguir chegar até às composições sinfônicas.

Para isso não lhe falta talento e entusiasmo. Autora de muitas composições primorosas, ainda desconhecidas, Lina procura cada vez mais aumentar o seu repertório. Sente saudades de sua terra: São Paulo, cheio de garoa e encanto. Pela janela aberta do seu elegante apartamento olhando o mar impetuoso de Copacabana, ela diz:

— Creio que o amor é a inspiração máxima da vida. Mas eu acho que a própria vida inspira o amor. Sou feliz porque vivo entre harmonias.”


Fonte: CARIOCA, agosto/1936.

Mário Travassos

Mário Travassos - CARIOCA Agosto/1936
Mário Travassos (Mário Travassos de Araújo), compositor, instrumentista e pianista, nasceu em Niterói, RJ, em 12/03/1910, e faleceu na mesma cidade, em 22/06/1950.  Ainda muito jovem, estreou como pianista na segunda metade da década de 1920.

Atuou em 1930 na Rádio Mayrink Veiga acompanhando ao piano, entre outros, a cantora Carmen Miranda. No mesmo ano, apresentou-se na Rádio Educadora no programa "Horas lamartinescas", comandado por Lamartine Babo, acompanhando entre outros Noel Rosa e Marília Batista. Nesse programa foi lançado o samba Sinto saudade.

Em 1931, seu samba Sinto saudade foi sucesso na gravação em dueto de Francisco Alves e Mário Reis na Odeon, e o samba Para amar e não sofrer foi lançado na Victor pelo Trio TBT. No mesmo ano, acompanhou ao piano Lamartine Babo na gravação das marchas Canção para inglês ver e Rapsódia em reus maiores, de Lamartine Babo, e Ricardino Faria nas canções cômicas As coisa tá miorando e Bulio...pagou..., de Ricardo Farias.

Em 1932, o samba Dor de malandro foi gravado por Castro Barbosa na Odeon. No mesmo ano, Helena Fernandes gravou na Columbia o samba-canção Lá na montanha, com Lamartine Babo, e a canção Vontade que volte, com Valdo Abreu.

Já muito conceituado na radiofonia e nas gravações como pianista, teve duas composições gravadas por Luís Barbosa na Victor em 1933: o samba Adeus vida de solteiro, e o samba-canção Jamais... em tua vida, gravações que acompanhou ao piano. Também em 1933, acompanhou Luís Barbosa ao piano na gravação do samba-canção Na estrada da vida, de Wilson Batista, e no samba O que eu sinto por você, de Luís Barbosa. No mesmo ano, o samba Como é linda a lua, com Murilo Caldas foi gravada por Murilo Caldas na Columbia.

Em 1934, os sambas Alô Mossoró e Cheio de saudade foram gravados em dueto, na Victor, por Sílvio Caldas e Luís Barbosa. Em 1935, Carmen Miranda gravou com sucesso na Odeon o samba Fogueira do meu coração, parceria com A. L. Pimentel.

Em 1936, fez a marcha Volta pro teu ninho antigo que foi gravada por Aurora Miranda. Teve o samba Bombardeio da cidade gravado no mesmo ano pelo grupo vocal Quatro Diabos, na Victor.

Apesar de ter morrido prematuramente em 1950, em 1957 teve o samba Pela luz divina, parceria com Ataulfo Alves gravado por Ataulfo Alves em LP Sinter. Em 1960, teve o inédito samba-canção Palavra doce gravado pelo cantor Mário Reis no LP Mário Reis canta suas criações em Hi-Fi, lançado pela Odeon.

Em 1993, seus sambas Adeus vida de solteiro e Jamais... em tua vida foram relançadas pelo selo Revivendo no CD Gosto que me enrosco que reuniu gravações de Mário Reis e Luís Barbosa. No mesmo ano, o samba Sinto saudade foi relançado no CD Duplas de bambas - Mário Reis / Castro Barbosa / Francisco Alves e Jonjoca, do selo Revivendo.

Em 1996, teve duas composições relançadas: o samba Fogueira do meu coração, com A. L. Pimentel no CD Carmen Miranda, com gravações de Carmen Miranda, e o samba Pela Luz Divina, com Ataulfo Alves, no CD A você - Ataulfo Alves - vol. 2, do selo Revivendo. Sua marcha Fogueira do meu coração, com A. L. Pimentel, tornou-se por muito tempo um clássico do repertório das festas juninas.

Foi considerado um dos principais pianistas do samba carioca nas décadas de 1930 e 1940, cuja carreira interrompeu-se precocemente aos apenas 40 anos, deixando cerca de 15 composições gravadas.

Obra

Adeus vida de solteiro, Alô "Mossoró, Bombardeio da cidade, Cheio de saudade, Como é linda a lua (c/ Murilo Caldas), Dor de malandro, Fogueira do meu coração (c/ A. L. Pimentel), Jamais...em tua vida, Lá na montanha (c/ Lamartine Babo), Palavra doce, Para amar e não sofrer, Pela luz divina (c/ Ataulfo Alves), Sinto saudade, Volta pro teu ninho antigo, Vontade que volte (c/ Valdo Abreu).


Bibliografia Crítica: AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982; VASCONCELOS, Ary. Panorama da música popular brasileira. São Paulo: Martins, 1965; Fontes: Dicionário Cravo Albin da MPB; CARIOCA, de 01/08/1936.

Osvaldo Borba

Osvaldo Borba (Oswaldo Neves Borba), regente, arranjador e pianista, nasceu em São Paulo, SP, em 18/07/1914. Começou a tocar piano aos cinco anos de idade. Em 1934 iniciou a carreira artística na Rádio Record. Em 1936 e 1937 fez longa excursão pelo país com a companhia de revistas de Jardel Jércolis. Atuou como regente da Orquestra da Rádio Tupi.

Fez a primeira gravação como regente de orquestra em 1945, na Continental registrando o choro Deslizando, de Morpheu Belluomini.

Depois passou a atuar na Odeon onde participou de diversas gravações acompanhando com sua orquestra diversos cantores e cantoras entre os quais, Sylvia Telles, Aurora Miranda, Joel de Almeida, Gregorio Barrios, Oscar Ferreira, Anísio Silva, Elza Soares, Orlando Dias, Dalva de Andrade, Lúcio Alves, Carlos Augusto, Mário ReisJoão Dias, Dalva de Oliveira e Hebe Camargo.

Atuou como pianista do Cassino Assyrio, do Copacabana Palace e do Cassino Atlântico com a orquestra de Ferreira Filho. Retornou depois para o Copacabana Palace com a orquestra Zacarias. Nos últimos anos da década de 1940 dirigiu a orquestra da Rádio Globo. Em 1949 fundou sua própria orquestra estreando em um baile no Clube Ginástico Português.

Em 1950, gravou o primeiro disco com sua orquestra pela Odeon registrando os frevos Dona boa, dos Irmãos Valença e Frevo do meio-dia, de Carnera. Em 1951, registrou entre outros títulos, os frevos De guarda-chuva na mão, de Geraldo Medeiros e Haroldo Lobo, com canto de Risadinha e Esbodegado, de Guio de Morais.

Em 1953, formou uma orquestra típica argentina com a qual gravou a marcha Saca rolha, de Zé da Zilda, Zilda do Zé e Waldir Machado, em ritmo de tango. Em 1956, gravou também pela Odeon, com sua Orquestra o Samba maravilhoso, de José Toledo e Jean Manzon e o baião Andorinha preta, de Breno Ferreira. No mesmo ano, gravou com uma orquestra típica Quem sabe, sabe, de Joel de Almeida e Carvalhinho em ritmo de tango e Vai que depois eu vou, de Adolfo Macedo,  Zé da Zilda e Airton Borges, também em ritmo de tango.

Em 1958, gravou, ainda na Odeon, uma série de três discos incluindo entre outras a marcha de bloco Relembrando o passado, de João Santiago e o samba Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Em 1959, gravou com sua orquestra os frevos Aguenta o cordão, de Levino Ferreira e Bombardeio, de Davi Vasconcelos.

Em 1960, gravou os frevos Batalha de serpentina, de Francisquinho e Clarins em folia, de Davi Vasconcelos.

Sua orquestra foi das mais requisitadas para festas de formatura nos anos de 1950 e 1960, chegando a fazer seis bailes em grandes salões a cada final de ano. Na primeira metade da década de 1960 passou a atuar com exclusividade na TV Record de São Paulo. Lançou entre outros, os elepês Baile de formatura, Osvaldo Borba em Hi-Fi e Metais em brasa no samba.

Discografia

Deslizando (1945) Continental 78
Dona boa / Frevo do meio-dia (1950) Odeon 78
Cumaná / Dr. Urubu (1951) Odeon 78
Tiro liro / Não há castigo (1951) Odeon 78
De gaurda-chuva na mão / Esbodegado (1951) Odeon 78
Barulho no salão (1953) Odeon 78
Jambalaya / El tarado (1953) Odeon 78
Saca-rolha / Melodia em fá (1954) Odeon 78
O mambo das normalistas / Jacaré (1954) Odeon 78
O baião do coqueiro (1955) Odeon 78
Quem sabe, sabe / Vai que depois eu vou (1956) Odeon 78
Samba maravilhoso / Andorinha preta (1956) Odeon 78
Alucinado / Relembrando o passado (1958) Odeon 78
Chegou sua vez / Batalha de confete (1958) Odeon 78
Lover / Chega de saudade (1958) Odeon 78
Aguenta o cordão / Convença-se (1959) Odeon 78
Bombardeio / Recordação de Lia (1959) Odeon 78
Batalha de serpentina / A vitória é nossa (1960) Odeon 78
Clarins em folia / Reminiscência (1960) Odeon 78
Baile de formatura (1961) Odeon LP
Osvaldo Borba em Hi-Fi (1962) Odeon LP
Metais em brasa no samba (1963) Philips LP


Bibliografia Crítica: AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982; CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário Biográfico da música Popular. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1965; Fontes: Dicionário Cravo Albin da MPB; www.MusicaPopular.Org; CARIOCA, de 25/7/1936.

domingo, janeiro 19, 2014

As Pagãs cheias de juventude e charme


"Acabaram de ouvir as Irmãs Pagãs" ... — E logo o ouvinte dotado de imaginação, que nunca esteve em visita à PRA-9, pensa uma porção de coisas. Aparecem diante dele os quadros cinematográficos das ilhas dos Mares do Sul, cheias de "pequenas" morenas vestidas com uma tanga de palha e com uma coroa de flores na cabeça. Ao longe uma música dolente de guitarras tocadas por rapazes esbeltos e de alvos dentes completa a cena que o ouvinte imaginou ...

No entanto, os que conhecem os estúdios cariocas, sabem que o quadro é outro, embora tendo pontos de contato com aquele imaginado pelo ouvinte: as "Irmãs Pagãs" também são morenas. Queimadas não pelo sol do Havaí e sim pelo de Copacabana. Não usam, é verdade, tangas de palha, mas em compensação possuem uns maiôs que em nada ficam devendo às encantadas indumentárias das habitantes de Honolulu. As coroas de flores são substituídas pelos encantadores cabelos louros das duas, que, num maravilhado "negligè", formam quase coroas naturais.

Elvira Pagã
Mas, não está completo o quadro da realidade, que difere um pouco daquele imaginado pelo ouvinte. Faltam os rapazes bonitos, de alvos dentes, tocando guitarras. A ausência deles, para as Irmãs Pagãs, seria fatal se, por felicidade, não existissem substitutos à altura.

Eles existem e tem sobre os outros grandes a grande vantagem de usar gravata e se encontrarem organizados em "conjunto". Constituem o "Regional" da PRA-9.

Na realidade as Irmãs Pagãs não diferem muito da que imaginou o ouvinte. Embora civilizadas e usando vestidos compridos, cheios de botões e golas altas, sentem as duas garotas um imenso prazer no contexto com a Natureza.



As nossas praias imensas, cheias de ondas enormes e alvas areias, exercem sobre elas grande atração. As florestas onde se entrelaçam arbustos e árvores gigantescas são, dos seus passeios, os mais queridos. Conservam na Civilização em que vivemos um pouco do primitivismo que lhe empresta o nome. São "Pagãs", e, como tal, adoram a nossa Natureza Pagã, cheia de cores variadas e bonitas, no seu esplendor maravilhoso ...

Rosina Pagã
Elvira e Rosina não são do Havaí nem tampouco cariocas. Nasceram em São Paulo, numa cidadezinha que as revoluções se encarregaram de glorificar — Itararé. Estão, porém, habituadas ao nosso clima e à nossa vida e raramente lá vão.

A PRA-9 toma-lhes todo o tempo. Cantam à noite. Ensaiam de dia. Felizmente, porém, não raro elas são vistas na Cinelândia ou em Copacabana, pois seria muito triste que os fãs de rádio não pudessem ver, continuamente, aquelas duas figurinhas que enchem de alegria o estúdio da PRA-9. Mesmo porque as Irmãs Pagãs não são hoje apenas figuras de cidade.

Vão além. São símbolos: representando, na sua graça e jovialidade amável, não só o reflexo simpático de uma juventude vigorosa e cheia de esperanças, mas ainda constituem o símbolo vivo da cidade encantadora de onde são os principais ornamentos, cidade como elas queimada pelos raios solares e sempre disposta a entoar uma melodia bonita para a satisfação do público imenso de todo o Brasil ...


Fonte: CARIOCA, de 25/7/1936 (texto atualizado).

sexta-feira, janeiro 17, 2014

Ouvindo Moacyr Bueno Rocha

"Cantar ao microfone exige uma técnica especial. Todo artista sabe disso, mas nem todos se utilizam dessa experiência.

— Eu canto com o menor volume de voz possível, deixando ao microfone o trabalho de reproduzir e ampliar o timbre que emito — Costume aliás comum a esses aparelhos sensibilíssimos.

Moacyr Bueno Rocha não é ouvido dentro do próprio estúdio. Ele é um dos raros artistas que entendem os segredos e as manhas dos microfones.

— Creio que explicar bem as palavras e não exagerar na pronúncia constitui o fator principal do êxito. Eu já cantei em francês, na Philips, e atualmente dedico-me, exclusivamente, a interpretar foxes e valsas, na PRA-9.

Moacyr pode falar à vontade sobre microfones, rádios e música porque é um dos poucos cantores que possuem uma interpretação perfeita e irrepreensível. Isso aliado ao grande sentimento emotivo que empresta às suas canções, fato que lhe valeu na Mayrink, o cognome de “O último romântico”.

— Acredito que todo cantor precisa possuir uma pequena parcela de emoção para colorir a música interpretada. Mas não procuro, absolutamente, criar nenhum ambiente lírico em pensamento. Quando canto, penso na música e presto atenção à letra.

Talvez por isso ele jamais pratique as gafes artísticas que os outros cantores denominam “fora” do trecho irradiado.

A carreira de Moacyr Bueno Rocha no nosso “broadcasting” oferece muitos aspectos curiosos.

— Estreei ao microfone em abril de 1931, na Rádio Educadora, nas “Horas Lamartinescas”, contra a vontade de Lamartine Babo, organizador do programa.

— Contra a vontade de Lamartine?

— Sim, eu era um cantor novo, desconhecido, e talvez por isso e também devido ao fato do programa já estar completo de bons elementos, eu fiquei mais ou menos “sobrando”.

Tal fato relatado por Moacyr Bueno Rocha, agora que ele já é “astro” firmado e de primeira grandeza, provoca riso. Mas naquela ocasião não era nada alegre.

— Eu não venci rapidamente. Apesar de Lamartine ter-se contrariado com a minha inclusão no seu programa, encontrei outros amigos que me auxiliaram. Falar dos sonhos e crenças e das pequeninas decepções de cada dia é tarefa inútil. Creio que todos os artistas novos já as experimentaram, servindo as mesmas de estímulo ou descrença, conforme o temperamento de cada um. Eu nunca pensei em desistir.

Moacyr, em seguida, relata o seu ingresso em vários programas avulsos até se firmar no antigo “Esplêndido Programa”, dirigido por Valdo Abreu, na PRA-9.

— Estive longo tempo no “Casé”. Mastrangelo, então diretor artístico da Mayrink, só mandou-me chamar, depois de ouvir, longamente, o “Programa Casé”. É escusado dizer que todas essas atuações eram feitas sob o mais absoluto amadorismo.

O primeiro cachê

— Recebi o meu primeiro cachê na PRA-2 e o meu contentamento foi tão grande o ver os meus esforços finalmente premiados — embora muito discretamente — que gastei-o todo numa lauta ceia com os amigos, festejando o acontecimento. Essa foi a primeira alegria. Depois Moacyr Fenelon ajudou-me a gravar.

Moacyr emocionou-se profundamente ao ouvir a sua própria voz. Gravando “Nancy”, obteve um dos maiores êxitos da sua carreira.

“Nancy”, admiravelmente interpretada por sua voz suave e bonita, passou a ser executada largamente nos cinemas, cantarolada e assobiada nas ruas.

— Reconheço que o sucesso de “Nancy” excedeu a minha própria expectativa. Atualmente, o outro disco ao qual dediquei grande entusiasmo foi a valsa “Meu amor por toda a vida”, de autoria de Oswaldo Santiago.

Este também fez sucesso.

— Moacyr Fenelon e Alberto Ribeiro foram os meus dois grandes amigos do meio radiofônico, — declara Moacyr Bueno Rocha. — E, se até hoje sou inteiramente a favor da boa vontade em torno aos principiantes, é porque reconheço quanta vocação recalcada existe por aí devido à falta de estímulo dos vitoriosos.

Moacyr torna-se absolutamente simpático dizendo isso. Ele não acredita que os artistas amadores possam prejudicar os profissionais.

— Ninguém começa pelo fim. É lógico que nenhum artista novo canta de graça por gosto. Mas, se assim mesmo, sem lucros, ele já encontra tantas dificuldades.

Hoje, vitorioso e contratado na Mayrink Veiga, Moacyr um belo exemplo a ser seguido pelos verdadeiros artistas novo, possuidores de autêntica vocação.

— Prefiro interpretar foxes e valsas, embora aprecie muito a nossa música folclórica e goste de todos os bons compositores sem exceção — disse-nos a voz-poema.

Moacyr Bueno Rocha nasceu no Rio, nas Laranjeiras, e é inteiramente carioca, fato que merece registro. Ele nunca realizou excursões, embora as deseje e talvez muito breve comece a praticá-las.

— Os múltiplos afazeres são os empecilhos que tenho encontrado afim de realizar os meus grandes sonhos: viajar, espalhando a nossa música, duas coisas úteis e agradáveis — concluiu."


Fonte: CARIOCA, de 30/5/1936 (texto atualizado).

Tupinambá: o pioneiro da música regional

"Há vinte anos atrás a música brasileira não tinha o valor que hoje merecidamente lhe damos. Ninguém com ela se preocupava e as pessoas que se dedicavam a compor músicas com caráter típico e regional eram apontadas como objeto de ridículo.

As nossas canções e os lundus que fizeram a alegria dos nossos antepassados não tinham, no nosso século, direito de ingresso num salão elegante. Eram relegadas para um plano secundário e tinham que se contentar com a aceitação das criaturas de cultura inferior que ainda assim preferiam ver mais inspiração nas valsas estrangeiras que nas nossas modinhas.

O nosso folclore era desconhecido dos grandes centros de população e das metrópoles dos Estados, todas impregnadas de música estrangeira. Reagir contra este estado de coisas, reabilitar a nossa música, dar-lhe o lugar merecido, eram tarefas árduas, capazes de aniquilar os mais decididos. Só um espírito dotado de grande ânimo e muita vontade de vencer, poderia triunfar numa luta desigual como esta: de um lado, a opinião pública, eivada de esnobismo e do outro, talento de um homem. Passaram-se os anos e esse homem venceu. Foi um prélio árduo: as primeiras músicas recusadas, combatidas, perseguidas até.

Vem, porém, uma pequena vitória, outra mais, e Marcelo Tupinambá venceu. Hoje é uma personalidade de relevo da nossa música. O seu nome é conhecido por todo o Brasil, este mesmo Brasil que quando ele apareceu zombou dos seus esforços de bandeirante, ansioso por desbravar a nossa música e mostrar o que de realmente belo, nela existe.

Em 1912, Marcelo Tupinambá ainda não existia. Existia apenas, um rapaz de pouca idade, ainda estudante na Escola Politécnica de São Paulo. Fernando Lobo era o seu nome. Pertencia a uma das tradicionais famílias que honra São Paulo. Desde criança revelara grandes pendores para a música. E olhava com essencial carinho para os motivos brasileiros, até então, completamente desprezados. Quatro anos depois, vamos encontrá-lo já com o título de doutor, que lhe conferia a mesma escola. Aí, porém, já começava a nascer Marcelo Tupinambá. O Dr. Fernando Lobo, aos poucos ia desaparecendo, absorvido por Tupinambá. A Arte vencia a Ciência.

E em 1916 surgiu em público sua primeira composição: “Alma em flor”, uma valsa com letra do poeta Arlindo Leal, hoje falecido. O sucesso não foi grande, pois o ambiente era hostil. Vieram, em seguida, mais composições: “O matuto”, “Viola cantadera”, “Canção do cigano” e outros. Foi quando lhe pediram para musicar um filme: “Nos sertões do Avanhandava” da “Independência Omnia Film”, produzido e dirigido pelo Dr. Armando Pamplona. O filme teve sucesso, em grande parte devido sem dúvida à esplêndida partitura composta por Tupinambá que foi alvo dos maiores elogios,

A consagração, porém, não havia ainda chegado. Os êxitos obtidos até então não haviam sido mais que pequenas vitórias, rapidamente esquecidas. Porém, os dias que faltavam para o triunfo completo, estavam contados. E este veio, com a estreia, no antigo Teatro Boa Vista, da peça “São Paulo Futuro”, onde toda a parte musical era de sua autoria. Daí por diante, a estrela de Marcelo Tupinambá não conheceu mais desfalecimentos: abandonou um pouco o caráter ligeiro de suas músicas para enveredar pelo nosso folclore, onde produziu peças encantadoras.

Dedicou-se em seguida a musicar poesias de autores consagrados e, no ano passado, fez a sua primeira tentativa de teatro lírico, escrevendo a opera “Abrahão”, sobre motivos sacros. A Rádio Cosmos irradiou esta ópera, durante a semana santa, e tão grande foi o seu êxito, que repetiu este ano a irradiação.

Marcelo Tupinambá que é, atualmente, o presidente do Sindicato dos Músicos de São Paulo, dedica-se hoje, principalmente, à composição de peças para quartetos vocais, sobre motivos variados, onde é inexcedível. Dentre estes, destaca-se “Assombração”, que é baseado numa lenda brasileira e tem muito caráter regional.

Marcelo Tupinambá, vive hoje em São Paulo, querido de todos e respeitado na sua glória. Muito modesto, procura sempre fugir às demonstrações de entusiasmo que lhe são tributadas pelo povo paulista, demonstrações sinceras pela sua realização gloriosa — ter sido o pioneiro da música regional brasileira."
Texto de JORGE MAIA


Fonte: CARIOCA, de 23/5/1936 (texto atualizado).

quinta-feira, janeiro 16, 2014

Heloísa Helena voltou ...

Heloísa numa foto dedicada à CARIOCA
Heloísa Helena, a garota que conseguiu popularidade, interpretando foxes americanos ficou vários meses afastada do nosso “broadcasting” havendo mesmo declarado ter deixado definitivamente o rádio. Motivos particulares forçaram tal decisão que a apreciada artista modificou, assim que encontrou uma “chance” ...

— Minha família se opunha, — declara Heloísa. — Talvez porque eu andasse com a cabeça cheia de foxes, sambas e blues, descuidando dos meus estudos de italiano, francês, inglês e literatura. Agora estudo a semana toda. Canto aos domingos como prêmio ...

Heloísa Helena possui uma simplicidade encantadora. Graças ao seu tipo de morena bem brasileira, o cinema conseguiu obtê-la durante esse período de ausência. Heloísa filmou na Cinédia, “Alô, Alô, Carnaval” ... e vai filmar ainda, achando que a sua carreira cinematográfica não terminará tão cedo.

— Porém o rádio sempre foi a minha grande paixão, — diz Heloísa à CARIOCA. — Uma espécie de paixão incorrigível, que aumenta a proporção que encontra obstáculos pelo caminho ... Agora parece que voltei a ele. Digo “parece” com um respeito quase supersticioso.

Heloísa Helena logo que ingressou para o meio radiofônico interpretava unicamente foxes americanos. Obteve um mundo de fãs, que se entusiasmavam com a sua interpretação, enviando-lhe um mundo de cartas e vários pedidos de retratos. Depois as circunstâncias impediram-na de continuar a encantar seus inúmeros ouvintes.

Heloísa Helena, garota obediente e inteiramente devotada ao sossego do seu lar feliz, passou vários meses entretida a colecionar retratos de outros artistas. A “pequena dos foxes alucinantes”, como a apelidou César Ladeira, era até há pouco tempo grande amiga de Sylvinha Mello, a bonequinha de feltro do nosso rádio.

Voltando a fazer parte da grande família radiofônica, Heloísa teve para todos os colegas uma palavra de carinho. Ela ainda continua a admirar Carmen Miranda, Francisco Alves e todos os demais artistas admiráveis. E ainda olha com uma ternura infinita a pequenina rodela de aço que transmitirá, lá fora, a sua voz americanizada.

Contando como entrou para o rádio, que se tornou mais tarde a sua grande paixão, Heloísa declara:

— Eu jamais cogitei de microfone até o instante em que o meu professor de literatura Oswaldo Orico, lembrou-se de organizar um programa na Rádio Sociedade, convidando-me a tomar parte no mesmo. A princípio foi tudo mera experiência, porém, depois, tomei gosto. Passei logo a atuar na PRA-2, PRA-3, e PRA-9, estação onde obtive o contrato mais longo, o qual durou quase um ano.

Heloísa cantou várias vezes, também, no “Programa Casé”, e guarda saudades desse tempo.

Agora ela estuda, com grande afinco, várias matérias e compõe sambas e canções, tendo já as seguintes produções: “Tempo bom”, “O mais cotado da Favela”, “Uma palavra de amor”, além de vários foxes de parceria com Francisco Mattoso.

Atuando na Mayrink, aos domingos, “como um prêmio aos seus estudos”, Heloísa demonstra a sua irresistível tendência artística e grande pertinácia.

— O meu supremo desejo é cantar sempre, — diz Heloísa Helena.

Ela aprecia o destino das cigarras que cantam, uma vez que nasceu gente com alma de cigarra, sem poder, no entanto, cantar tanto como deseja.


Fonte: CARIOCA, de 9/5/1936 (texto atualizado).

terça-feira, janeiro 14, 2014

Dois irmãos de verdade...

"Quando Mário nasceu, João já sabia andar, falar e empinar papagaios com os outros garotos da sua rua. Olhando o pequenino loiro que a família lhe apresentou como um presente vindo de Paris, João pensou:

— Podia ter nascido um pouco maior. Mas daqui há algum tempo será o meu companheiro de folguedos.

Mário cresceu sob o olhar cheio de simpatia e esperança do irmão mais velho, porque João adivinhava qualquer coisa naquele garotinho que fazia longos berreiros, e executava verdadeiros malabarismos para conseguir percorrer, num passo vacilante, alguns centímetros de extensão na sala de jantar...

Depois Mário cresceu um pouco — começou a ajudar o irmão a tirar toda a paciência da família. Um dia, ingressou num ginásio afim de ficar ciente das matérias desconhecidas pela sua alta compreensão: ele só estudava o globo através da esfera mínima das bolinhas de gude...

João perdendo a companhia do seu comparsa, começou a dar muito trabalho ao próprio cérebro. E, um dia, descobriu a sua verdadeira vocação. Foi ser cantor de rádio. Muita gente tem essa mesma fase na vida, que não passa de simples descoberta.

Mas João Petra de Barros, dono de uma voz que depressa se impôs ao bom gosto dos ouvintes de rádio, tornou-se, imediatamente, uma das figuras mais queridas do meio radiofônico. Surgiu no “Programa Casé”, em 1932. Gravando “Até amanhã...”, samba que obteve enorme sucesso, João passou a “astro” e foi requisitado pelas outras emissoras, que logo viram nele um cantor de primeira linha, apto a tomar conta de todo o programa da estação.

João passou a atuar na PRA-2, PRC-6 e, finalmente, na PRA-9, estação que o conserva até hoje, renovando continuamente todos os seus contratos, assim que eles se extinguem. Quando um artista chega a “astro”, dificilmente enxerga quem anda ao seu redor. A luz do seu próprio brilho ofusca-o. João Petra de Barros é, porém, positivamente diferente: começou a observar, atentamente, todas as vezes que Mário, seu irmão estudante, cantarolava qualquer canção ou samba do seu próprio repertório. E um dia declarou:

— Vais fazer uma prova de voz.

Mário preparou a garganta, estudou direitinho uma canção bonita e apresentou-se, nervosíssimo, na PRA-9, afim de “provar” a própria voz, ao microfone. Isso passou-se durante as irradiações do antigo “Programa das Donas de Casa” , da Mayrink Veiga. Como João previra, a voz melodiosa e afinada de Mário, agradou, imediatamente. E o jovem cantor passou a fazer parte do “cast” daquela emissora, sendo logo promovido e contratado, embora sem interromper os seus estudos no Instituto Rabello.

Agora, passados quase um ano, uma nova ideia surgiu, desta vez no cérebro de ambos, provocando perfeito acordo:

— Vamos formar uma dupla.

E formaram.

Irmãos na arte, na voz e na vida real, eles formaram uma dupla que certamente será, talvez a mais interessante por ser inteiramente artística e verdadeira.

Um novo repertório

— Vamos organizar agora um repertório inteiramente novo, — disseram João e Mário Petra de Barros, quando CARIOCA foi ouvi-los no dia da estreia da nova dupla na Mayrink. Cada um terá um repertório diferente.

João e Mário não deixarão de cantar separadamente em outros programas da PRA-9 mantendo, no entanto, um repertório exclusivo para o canto a duas vozes.

— Mário continuará estudando, ele precisa se aperfeiçoar em vocalizes, etc. Eu farei o possível para agradar ao público. Nós dois juntos teremos todo o gosto em corresponder a expectativa das pessoas amigas.

João respondia enquanto Mário ensaiava dizer qualquer coisa. Eles são absolutamente parecidos e seriam gêmeos inegavelmente se não houvessem nascido em épocas diferentes...

— O nosso repertório compõe-se de músicas de Humberto Porto, Nelson Castro, Custódio Mesquita, Zé Pretinho, Gastão Bueno Lobo e outros. Já lançamos “Por que não manda essa mulher embora?”, samba de Humberto Porto; “Cansei de avisar”, etc. Temos várias músicas para serem lançadas e gravadas em discos Odeon, muito brevemente.

João Petra de Barros tem três anos de atuação nos nossos microfones. Mário, quase nove meses, porém, juntos, eles parecem dois cantores veteranos, graças ao cuidado que emprestam à interpretação das suas novas músicas. Ambos nasceram no Rio. Juntos eles realizam longos ensaios, antes de se apresentarem ao microfone. E, unidos, agora, eles se retiram da estação, quando termina o último número.
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— Na minha vida particular gosto de cinema, esporte e boas literaturas, — diz-nos João Petra de Barros — Aprecio George Brent e Jorge Raft, na tela, nos esportes todos que exigem movimento, no teatro todas as boas companhias. Aprecio todos os bons compositores e tenho minhas predileções entre os artistas de rádio, destacando Carmen Miranda, Francisco Alves, e alguns outros.

Mário pensou e disse:

— Gosto de Joan Crawford no cinema. Teatro, só gênero muito elevado. Leitura, todos os livros, excluindo os de estudo... Pretendo formar-me em odontologia, mas não penso em deixar o rádio por causa disso. Continuarei sempre que o destino fornecer bons sambas e canções. O repertório é tudo na vida dos artistas. João também acha isso.

João Petra de Barros disse que “sim” com a cabeça, enquanto Mário prosseguia:

— Admiro entre os colegas: Carmen Miranda, Francisco Alves Sílvio Caldas e João Petra de Barros...

Sim, João Petra de Barros. Mário Petra de Barros é grande fã do homem com quem formou uma dupla. Isso basta para o êxito dos dois."


Fonte: CARIOCA, de 9/5/1936 (texto atualizado).

domingo, janeiro 12, 2014

Nássara, o marido de Eva

No Carnaval de 1935, houve uma marcha, lançada nas vésperas, que conseguiu obter um sucesso até então nunca visto. Denominava-se: “Eva querida” e foi cantada e dançada por todos os “cordões” e “ranchos” que existem no Rio de Janeiro. O seu estribilho ainda está presente no ouvido de todos e nem vale a pena rememorá-lo aqui.

O que é preciso saber é que, na marchinha de Benedito Lacerda, a Eva andava sozinha pelo mundo... Faltava-lhe um companheiro.

Nássara, este ano, candidatou-se ao título. Fez o “Marido da Eva”, que é uma feliz resposta à marcha absoluta de 1935.

O curioso, porém, é que o marido da primeira mulher que existiu no mundo não é o tal Sr. Adão...

Há quatro anos atrás, surgiu o Nássara-compositor. Até então, havia o Nássara-caricaturista, autor de ótimas “charges” e capaz de ombrear com os melhores caricaturistas que o Rio tem possuído: Crispim do Amaral, Calixto, Bambino, Amaro...

“Formosa” denominava-se a música que lançou Nássara no meio dos compositores. Tem uma longa história esta música que foi das mais populares do Brasil. Nássara tinha-a pronta, desde maio de 1932. Não se animava porém, a publicá-la. Conhecedor do meio radiofônico, onde sempre tinha vivido, ele a achava fraca. Nas “rodas do samba” de Vila Isabel, era, porém, a marchinha sempre a que obtinha mais sucesso. Uma noite, Francisco Alves ouviu-a e resolveu lança-la no Carnaval de 33. O resultado foi o que se viu...

Animado com o seu sucesso, em 1934, apresentou ao Carnaval: “Tipo 7” e “Maria Rosa”. A primeira venceu o Concurso da Prefeitura e a outra o “Concurso das Ruas” ...

No ano passado, não teve desfalecimento sua boa estrela. Lançou três músicas e obteve, novamente, o prêmio no Concurso da Prefeitura. “Coração ingrato” foi a marcha triunfante e “Uma lourinha” e “Garota colossal” que foi, injustamente, perseguida eram as outras duas.

E este ano?

— A minha atividade em 1936, sobrepassa tudo o que tenho feito até agora. Apresento, para este Carnaval, sete marchas: “O marido da Eva”, “A. M. E. I.”, “Cadência”, “Vou de caravela”, “Quisera amá-la”, “Você é quem brilha” e “Uma portas e uma janela”. Creio que com tantas produções, uma delas deve cair na preferência do público...

— De todas, qual é a que lhe inspira mais confiança?

— “A. M. E. I.” que fiz de parceria com E. Frazão, meu companheiro de “Coração Ingrato”. “A. M. E. I.”, que dediquei à CARIOCA, tem uma letra sentimental, como é do gosto do povo:

A. M. E. I., quer dizer amei, amei
S. O. F. R. I., quer dizer sofri, sofri
Que pena o alfabeto não ter
Letras pra gente escrever
Tudo aquilo que eu senti por ti, por ti

Eu nunca tive professor
Para me ensinar o verbo amar
Aprendi o A B C do meu amor
Na cartilha azul do teu olhar.

Quando eu te dei meu coração
Não podia nunca imaginar
Que existisse a palavra — Ingratidão
Na cartilha azul do teu olhar.

— É necessário dizer, — prosseguiu Nássara, que eu sou francamente da “fonética”.

— E as outras?

— O “Marido da Eva”, creio que pode fazer sucesso. Tem um estribilho curto e presta-se muito para “cordão”. “Cadência”, que fiz com Lamartine, e é uma paródia à “Valência”, também pode agradar. Nestas três, tenho as minhas maiores esperanças...

— Acha que pode vencer ainda este ano o Concurso da Prefeitura?

Nássara sorriu e retrucou:

— Creio que não disputarei este ano o título, pois, embora vencedor, tenho estado sempre em contradição com o resultado. Venci com “Tipo 7” e abafei com “Maria Rosa”. No ano passado, “Coração ingrato” venceu e “Eva querida” foi a mais cantada. Não quero, porém, dizer que não disputarei o concurso. Depende do momento...

— É verdade que vai abandonar a música popular?

Nássara já estava de chapéu na cabeça, pronto para sair, quando se voltou:

— Em princípio, tive esta ideia. Estou cansado... É verdade porém que, até o Carnaval de 37, há um ano de intervalo. Em 365 dias, temos muito tempo para mudar de opinião. Suponho que eu mude de ideia, uma vez por semana, como o ano tem 52 semanas, eu posso ter 52 ideias diferentes. Ora, supondo...

Nássara, não pode concluir: de todas as mesas da redação já estavam voando tinteiros, livros, jornais, que procuravam atingir o popular autor de “Formosa” ...


Fonte: CARIOCA, de 8/2/1936 (foto do compositor-caricaturista Nássara e texto atualizado).