O grande maestro Radamés Gnatalli, numa foto da Carioca de 3/7/1937. |
"No Brasil é recente o cultivo da música artística. Mas se considerarmos que a música de um país deve ser constituída principalmente de elementos próprios, concluiremos que a nossa vida musical é recentíssima. Até a Grande Guerra (1), depois da qual o nacionalismo invadiu o mundo, vivemos artisticamente, dependentes do resto do mundo, da Europa, principalmente.
Somente após o colossal morticínio conseguimos certa independência que, de tão boa, se vem acentuando sempre e nos conduzindo à formação de um cabedal que para o bem dos povos já vai sendo incorporado ao patrimônio artístico universal.
No programa radiofônico de CARIOCA deve prevalecer a preocupação de evidenciar os valores autênticos daqueles cuja obra seja de utilidade para a sociedade. Radamés Gnatalli, mais que um artista de rádio, é um artista do Brasil.
Eis o que ele disse a CARIOCA:
— É um prazer a gente trabalhar em rádio. Esse meio colossal de divulgação nos estimula, consciente que estamos de que o nosso trabalho ecoará pela vastidão do Brasil. É necessário que o artista de rádio, mais que os outros artistas, tenha bem presente o fato de que a sua atuação terá uma repercussão enorme, se esforçando tanto quanto o possível para se produzir de maneira mais útil à coletividade. O rádio é uma coisa muito mais séria do que uma simples diversão, como alguns o consideram.
— Qual o programa que prefere executar?
— Diante do microfone eu abdico de qualquer egoísmo, levando em conta unicamente a necessidade dos ouvintes, a maneira melhor de cooperar pela cultura coletiva. Já lhe disse que o artista de rádio pertence à humanidade, cumprindo um apostolado. Todo apostolado tem o seu martírio ...
— Nesse caso, quais os programas que devem ser executados, na sua opinião?
— É esse um problema muito complexo e a sua revista seria pequena para conter a vastidão de todo um programa. Antes de tudo eu imagino um Congresso Nacional de Radiodifusão onde fossem discutidos os programas tendentes à beneficiarem o povo e onde fosse combinada uma ação conjunta. No Ministério da Educação já existe um departamento de rádio. Futuramente teremos um Ministério do Rádio.
— O que acha sobre a literatura, no rádio?
— Tem um papel tão grande como a música. Livros como "Macunaíma", de Mário de Andrade, têm uma grande influência sobre o povo e o levam a uma unificação maior e mais produtiva.
— Quais as suas últimas composições?
— As minhas últimas composições ainda não foram compostas ... Estou encarregado de organizar a parte musical de "Alegria", o próximo filme de Oduvaldo Vianna. Para tanto estou harmonizando alguns temas populares ciganos, cheios de melancólico sentimentalismo característico da raça nômade.
Do estúdio "A" da Rádio Nacional, já solicitavam a presença do maestro Gnatalli. Despedimo-nos, satisfeitos por termos realizado, com tão poucas palavras, uma entrevista tão interessante."
Nota: (1) A Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Fonte: Foto e artigo da revista semanal "Carioca" - edição 89, de 3/7/1937.