domingo, junho 29, 2014

Neiva Gomes e a paixão pelo tango

— "O tango (1) argentino é grande, mas o samba é maior" — Palavras de Neiva Gomes (2) a CARIOCA.

"A gente lê nos olhos de Neiva Gomes a nostalgia das coxilhas gaúchas. Eles são grandes, e límpidos; parecem espelhar a imensidão verde dos pampas. Sua voz sugere o falar lento e compassado dos peões que pelas noites frias rio-grandenses ocupam sob as estrelas, contando coloridamente os "causos", entre um pedaço vigoroso de churrasco e uma cuia de chimarrão "bom e amargo como a vida".

Neiva nasceu em Porto Alegre e aos cinco anos de idade já deliciava os seus com a interpretação dos sambas e marchas da época. Foi com essa idade que ela se apresentou em público pela primeira vez e com grande sucesso, no Teatro Municipal de sua terra. Depois continuou na carreira clássica das meninas que cantam: participava de festivais beneficentes, cantava em reuniões comemorativas de aniversários familiares, etc.

Essa peregrinação pelo vários ambientes ouvintes foi a grande escola de Neiva Gomes. Ela teve como professor de estilo todo o público rio-grandense, esse público de alma lírica por excelência.

Por isto, por ter formado seu espírito musical entre os gaúchos, Neiva é uma cantora popular diferente de outras cantoras populares que atuam no Rio. O samba, na sua voz, ganha uma inflexão singular que, sem macular a graça original do seu ritmo, lhe produz mesmo um certo enriquecimento. É um samba mais dolente, como se fosse cantado pela sanfona (3), que é o instrumento característico dos campeiros sulinos.

A grande e atávica paixão que Neiva sente pelo tango argentino, gênero musical cheio de afinidades com o folclore gaúcho, será, também, uma das causas desse gracioso retardamento no tempo desse "samba gaúcho". Neiva Gomes é uma apaixonada do tango argentino mas sobretudo adora a nossa música.

— O tango argentino — disse-nos ela — é uma das músicas que mais gosto. Ele deve refletir fielmente a psicologia do povo irmão, tanto me impressiona. Tem um ritmo que permite ao cantor uma quase criação de movimento; o "bandoneón", na sua voluptuosa elasticidade, é a imagem material do tango; ele é mais plasmável que qualquer outra dança. Considero-o como um gênero de música mais aristocrática que popular.


O samba e a marcha — continua — são mais do povo; à vivacidade do movimento devem a sua colossal popularidade. Um só dos elementos formadores dessas músicas, o ritmo, é o fator principal dessa coisa absoluta que se chama Carnaval Carioca. A gente suburbana, armada de caixas de charutos, latas de querosene e chapéus de palha forma orquestras puramente rítmicas, de uma riqueza extraordinária, malgrado a ausência da melodia. Reunida esta ao ritmo, temos então a dança brasileira que não sei explicar porque ainda não é a mais usada em todo o mundo, tal o seu poder sugestivo de movimentação coreográfica.

— Quais os outros gêneros musicais que aprecia?

— Não há música feia, quando ela, sendo popular, reflete essa coisa sagrada que é a alma dos povos. Por isso gosto da música de todo o mundo, que é uma espécie de consciência universal. Sinto, porém, que sou uma cantora popular; admirando imensamente os gêneros musicais chamados "sérios", não posso executá-los porque me falta o virtuosismo vocal indispensável.

— Já tem cantado em outros lugares do Brasil, além do seu estado natal e do Rio?

— Sim. Já cantei em Minas Gerais. Ainda não tive oportunidade para cantar em São Paulo, o que muito desejo.

E porque Neiva além de ser um ótima cantora é uma criatura bonita, perguntamos:

— Por que ainda não entrou para o cinema?

— Falta de ocasião. Eu gostaria imenso de figurar em uma fita.

Donde se conclui que se esta entrevista não tivesse (mas tem) nenhum interesse, teria esse, notável: o de apontar aos nossos diretores cinematográficos um elemento que no Brasil prestigiaria a sétima arte."

Notas: (1) O termo “tango” não é exclusivo de um ritmo que veio da Argentina e tomou conta do mundo a partir dos anos 1920. Há tangos e “tanguinhos” brasileiros, de autores, como por exemplo, de Ernesto Nazareth e Marcelo Tupinambá. Daí a expressão “o tango argentino” neste artigo de 1937; (2) Infelizmente, ainda não possuo dados suficientes para publicar uma biografia sobre essa linda cantora gaúcha; (3) “Sanfona” foi o termo usado erroneamente pelo repórter. No Sul do Brasil são usadas, para este instrumento, as palavras “acordeom”, “acordeona” ou “gaita”. 


Fonte: Revista semanal "Carioca", de 31/07/1937.

quinta-feira, junho 26, 2014

Muraro: o tango e o foxtrote


Considerações sobre o tango e o fox a propósito do espírito nacional — Eriberto Muraro fala ao semanário "Carioca" de julho de 1937.

"No Brasil o tango argentino e o foxtrote gozam de um prestígio imenso e permitem classificar duas psicologias opostas: a sentimental e a dinâmica. Menina olheirenta e com predisposições suicidas é, seguramente, fã de Carlos Gardel e dos mais narradores de tragédias em gíria portenha posta em clave de sol.

O tango contém pessimismo bastante para deliciar qualquer cidadão que julgue ter um inferno no peito; e cavalheiro metido à triste por força há de sussurrar ou não, seu "Portero suba e digale", com inflexões que de sombrias farão inveja a um cipreste.

No Rio o tango é música iminentemente suburbana porque o subúrbio tem um vida mais trágica, ditada pela pobreza da sua população; o calor suburbano também será uma das razões do prestígio dessa música de ritmo arrastado e dolente, perfeitamente realizável sob 40 graus à sombra; a limitação urbana da zona interior da cidade e suas feiuras que somente Lima Barreto conseguiria tornar pitorescas, são coisas que obrigam as moças presas no largo do Meyer ou nos passeios de Cascadura a uma evasão para os terrenos da fantasia que a temperatura torna mórbida.

O foxtrote, por sua vez, é a canção predileta dos mais favorecidos pela vida; dos que habitam as praias cuja esportividade não permite ideias soturnas; o banho de sol, tônico maravilhoso, realiza o milagre do "mens sana in corpore sano", o fox é saudável e vigoroso, mais concorde, portanto, com a esportividade marítima; é dançado por gente vestida apenas de maiô, em terraços ensolarados, ao som de uma vitrola portátil standard.

Já o tango só é concebível se bailado com longos e fatais vestidos negros, sob meias-luzes sugestivas. Senhoritas de Copacabana que cantem tangos destoa no seu meio, assim como menina de Cascadura que tente seu "inglesinho" fílmico será olhada como sirigaita pelas suas cerebrais companheiras de subúrbio.

É lógico, pois, que com tamanha influência sobre o público, essas duas danças estrangeiras criassem em nosso meio radiofônico, que é o meio mais eficiente de divulgação, grande número de executores, uns autênticos pela nacionalidade, outros indígenas, mas tão fieis como os primeiros.

No Brasil a maior autoridade em música típica argentina é Muraro, músico inteligente e trabalhador, que se acha radicado em nossa terra.

CARIOCA o procurou, cônscia de interessar os seus leitores com as palavras do chefe da "muchachada" da Mayrink Veiga.

Muraro fala com o sotaque castelhano e diz "blagues" estupendas ao mesmo tempo que revela uma cultura geral incomum nos músicos, gente que em matéria de preparo é unilateral. Eis suas palavras:

— Nasci na Argentina e quando criança apanhei sovas memoráveis. Meus pais, indignados contra a aversão que eu demonstrei pela música, a carreira que me destinavam. Positivamente a chinelada é um argumento poderoso porque hoje não deixarei a música nem o pão ... Estudo várias horas por dia e o piano é a minha vida.

— Como veio para o Brasil?

— Dedicando-me a harmonização de temas folclóricos de todo o mundo, principalmente da América do Norte. Aqui chegando, há quatro anos, fui absorvido pela imensa riqueza da música brasileira, que hoje é uma das coisas que mais merecem a minha atenção. Os motivos melódicos deste populário são de uma universalidade incomum na produção musical de outros países. Juntou à graciosidade da melodia um ritmo que atrai notavelmente; um movimento novo como a terra do qual é filho.

As possibilidades da música brasileira — continua Muraro — só podem ser devidamente apreciadas por quem, como eu, se dedica ao desenvolvimento orquestral de pequenos temas. Perco-me, às vezes, dentro da riqueza enorme desses motivos, ofuscado pelas suas exuberâncias. Porque eu sou visceralmente músico e porque o Brasil é principalmente um país musical (mais que agrícola) ... Eu amo esta terra como se ela fosse a minha; quando sair daqui levarei a intenção de propagar as suas riquezas no Exterior e de voltar tão pronto quanto for possível. A propósito: tenho em mira a realizar brevemente uma excursão artística pela América do Norte, onde farei executar uma série de composições brasileiras, o que me faz prever um grande sucesso. As músicas brasileiras do sul e do norte são irmãs extraviadas; da sua fusão resultará algo gigantesco e digno desta maravilhosa América.

E Eriberto Muraro, que dá uns ares de Bing Crosby, se despediu levando consigo a inteligência e o bom-humor, qualidades que são suas inseparáveis companheiras."


Fonte: Revista semanal Carioca, edição 92, de 24/7/1937.

segunda-feira, junho 23, 2014

Bidu Reis na Rádio Nacional

"Se viéssemos dizendo que Edila Luiza Reis é uma pequena muito interessante, os leitores ficariam intrigados. Porque tal nome é estranho ao noticiário dos jornais.

Basta, todavia, uma simples explicação de nossa parte, para que tudo entre na linha e o bonde siga o seu destino: Edila Luiza é o nome que Bidu Reis recebeu um dia na pia batismal, quando ainda não sabia falar e muito menos cantar.

Diante de um caso desses, nos ocorre, naturalmente, uma outra pergunta: qual a razão que levaria uma garota que tem um nome tão bonito a adotar um pseudônimo?

A melhor resposta seria dar de ombros, fazendo uma careta de profunda incompreensão, como costumava fazer aquele "seu" Barata que Joraci Camargo incrustou no "Deus lhe pague" ...

De todos os modos, não há a negar a influência benéfica do nome numa carreira artística. O cinema, o rádio e o teatro estão de cheios de exemplos dessa natureza. Mesmo os literatos não têm resistido no fascínio de trocar de nome ... Hollywood universalizou a fórmula, possuindo nos seus estúdios uma porção de indivíduos cuja função consiste em rebatizar os novos artistas.

Quando dizíamos que Bidu Reis é uma garota bem interessante, esta afirmação está acima de qualquer dúvida.

Com Marília Batista e Regina Coeli, ela forma um trio de primeira linha. Canta, toca gaita e sapateia ... Certa vez, num programa de auditório, desacatou os maiores "gaiteiros" que andam por aí ... E como sapateia bem! (É uma pena não estar a televisão bem difundida).

Bidu Reis não é caloura no Rádio. Já fez com Emilinha Borba, na Rádio Mayrink Veiga, uma dupla que é relembrada com saudades.

Atualmente é um dos elementos da Rádio Nacional, e, no programa dominical da Luiz Vassalo, ela vem obtendo um grande sucesso.

Durante a ausência de Dalva de Oliveira, que fora ao Paraná em excursão com o Trio de Ouro, Bidu ficou fazendo o famoso gritinho do lero-lero, grito que tanta sensação tem causado na Cidade Maravilhosa.

Bidu Reis é, como vimos, uma artista "comme il faut". Interpretando canções americanas, como componente de um conjunto, gritando o lero-lero, ela sabe dar às suas criações uma boa dose de sua arte, da sua alegria sadia e moça."


Fonte: Revista semanal "Carioca", de 31/01/1942.

sexta-feira, junho 20, 2014

Figuras de cartaz: Dilu Melo

"Outro dia eu vi Dilu Melo na Mayrink Veiga. Estava dentro de um cubículo aprendendo uma canção que a Sylvinha lhe ensinava. As duas possuem os olhos pequeninos, tem Melo no sobrenome, cantam no rádio, e se dedicam a gêneros semelhantes.

— Aquela é a Dilu — me disseram.

— Aquela? — perguntei espantado.

Achei a cantora do folclore minúscula demais. Tão minúscula quanto os olhos microscópicos de Sylvinha Mello. Pela vidraça eu a via cantar mas não ouvia coisa alguma. Dilu lá dentro parecia um peixinho num aquário abrindo e fechando a boca. Sylvinha, por exemplo, era um peixinho maior. O piano parecia uma espécie de baleia e o pianista o domador da baleia.

Daí a pouco a folclorista saiu e passou por junto a mim meio apressada. Em cima do seu chapéu preto havia uma peninha para atrapalhar. Saiu miudinha, ligeirinha, nervosinha e lá se foi pelo meio do povo. A peninha qual um periscópio, localizava-a onde estivesse.

Quis me aproximar dela, conversar um pouco, lhe perguntar a idade, o lugar de nascimento, as mais recentes composições de sua lavra, a distância que vai entre os dois vizinhos que são o cimo de sua cabeça e o solado dos seus pés, tive vontade de lhe perguntar uma porção de coisas para poder traçar, nestas mal traçadas linhas, modéstia à parte, sua caricatura.

Dilu nasceu em Viana/MA, em 25/9/1913
Mas me disseram que Dilu quando encontra alguém, gosta muito de conversar. E nessa conversa mostra todas as suas recentes composições, inclusive as de parceria com os Santos Meira. E não mostra, apenas. Vai mais longe. Canta, esteja onde estiver, uma por uma, todas as modinhas e peças lembrando a musa de sua terra, o Maranhão. O interlocutor pode lhe ponderar, manso:

— Mas você tenha paciência, Dilu. Eu não posso lhe ouvir agora. Tenho que sair logo para um encontro marcado ...

E ela, procurando tranquilizar o ouvinte:

— Espere um pouco. Escute somente essas dezoito canções que eu fiz ontem de um fôlego só ...

O meu informante acrescentou:

— Se você que falar com ela, fale logo hoje que é melhor.

— É melhor por que?

Explicou-me:

— Diariamente a Dilu compõe umas vinte a trinta músicas. E a pessoa com quem ela conversar terá de ouvir tudo quanto foi composto durante a semana. Hoje é terça-feira e ainda há pouca coisa preparada, sem falar na produção do mês anterior ... Melhor é lhe ser apresentado agora do que daqui a seis meses. Se você quer, podemos aproveitar. Aí vem a artista ...

Respondi:

— Não. Deixa ... Teria muito prazer em conhece-la porque afinal a pequena é inteligente, canta com agrado e escreve umas composições deliciosas. Mas acontece que eu agora tenho um encontro marcado e não posso ..."




Fonte: "Carioca" — Edição 90, de 10/7/1937 — Caricaturas: Escrita por Theofilo de Barros e desenhada por Augusto Rodrigues

quarta-feira, junho 18, 2014

Alvarenga, Ranchinho e Capitão Furtado


"O Capitão Furtado juntamente com Ranchinho e Alvarenga constitui um magnífico terceto que interpreta o nosso folclore em todas as suas manifestações. São paulistas e em São Paulo iniciaram suas carreiras que no entretanto somente tiveram pleno desenvolvimento no Rio, graças à grande simpatia que conseguiram conquistar do público carioca.

Ranchinho e Alvarenga cantam textos que o "capitão" Furtado escreve, com músicas do nosso enorme populário melódico.

Os três simpáticos, com a maneira de falar peculiar à população do interior paulista, estiveram em nossa redação falando de suas viagens por "este sertão do mundo" e das maravilhas que o entusiasta de nossa gente lhes tem proporcionado:

— Trabalhando juntos há três anos, estreando ao microfone da Rádio São Paulo, onde conseguimos bastante sucesso. Já havíamos trabalhado bastante nos palcos do interior, onde nos saturamos gostosamente de caipirismo que tem sido a nossa felicidade -- começou Ranchinho.

— Comecei como sobrinho de Cornélio Pires (meu nome é Ariovaldo Pires), e acabei sendo "capitão" Furtado, o que talvez seja uma consequência desse meu parentesco ... — disse o autor da célebre cantiga de viola, "Circuito da Gávea".

— Nós três — disse Alvarenga — trabalhamos de comum acordo, de maneira a concentrar num só trabalho a boa vontade do trio. O "capitão" Furtado é um homem que tem grandemente desenvolvida a compreensão de oportunidade; explora os assuntos na "horinha"; eu, com Ranchinho, faço a adaptação dos versos e um dos nossos números, motivos musicais, copiando tanto quanto possível o estilo caipira.

— Nunca se dedicaram à outro gênero de música? — perguntamos.

E a resposta veio, sincera e comovente:

— Nunca. O senhor compreende: existe muita música bonita neste mundo, mas a que cantamos é tudo para nós. Nascemos para cantar as coisas caboclas como quem nasce para deputado, para barbeiro ou fazer doce de coco ... Temos o jeitinho, que é quese ou totalmente uma predestinação. Cantar outra coisa que não fosse modas de viola seria uma traição à nossa cidadezinha do interior paulista. Imagine que barbaridade se eu cantasse, em dueto, com Ranchinho, uma parte de "La Forza del Destino"! ... Também não seria possível, porque o Furtado não colaboraria ...

Era evidentíssimo que Alvarenga estava com a razão. Por isso fizemos outra pergunta:

— Pretendem trabalhar no cinema?

— Sim, como em qualquer lugar onde não tenhamos que deixar de lado a nossa sinceridade. O cinema ou o rádio, coisas tão modernas, acatam plenamente as coisas antigas que cantamos e isto nos parece muito significativo da essência pura que encerram as nossas músicas. Além disso, nós somos artistas do povo e para o povo, e ao cinema, como o rádio, soluciona a questão do nosso contato com o imenso público. Já temos posado para os testes cinematográficos, com sucesso. Esperamos uma proposta para trabalharmos em filmes.

— Gostam do Rio?

— É a primeira cidade do mundo. Nunca imaginamos que numa cidade como esta, moderníssima, aparentemente saturada de foxtrotes, tangos e outros produtos estrangeiros, a simplicidade dos nossos cantores e a ingenuidade de nossas anedotas tivessem uma repercussão tão grande. Os aplausos que temos recebido do público carioca nos identifica ainda mais com a alma popular.

— Por que o "capitão" Furtado não publica um livro com as coisas que escreve?

— Eu estudo neste momento um plano para a publicação de um volume, o que aliás, é minha velha ideia. Será intitulado "Lá vem mentira!" e o público decidirá o seu conteúdo."


Fonte: "Carioca" — Edição 89, de 3/7/1937

Figuras de cartaz: Orlando Silva

"Orlando Silva é um nome da Rádio Nacional, de renome internacional. Sua fama de intérprete da voz macia já voou célere por todo o Brasil e foi até as capitais platinas onde também há mulheres sonhadoras capazes de compreender que o samba é o presidente da República da música popular. E nessas questões presidenciais Orlando Silva é o homem. Principalmente quando entra o voto feminino.

Diversos empresários platinos tem tentado atrair o popular cantor com propostas vantajosas. Mas ele é de opinião que não há vantagem maior que espalhar canções de amor nos ouvidos dos cariocas. Elas se grudam, deslumbradas, aos alto-falantes e o artista aumenta seu prestígio dia a dia.

Quando a noite sobe o arranha-céu de "A Noite" e vai cantar entre as estrelas, olha as luzes do Rio e as luzes dos olhos das cariocas através da vidraça grande do estúdio da PRE-8 e sente que não pode abandonar, assim, os velhos amores.

Diz aos empresários argentinos:

— "Depois nós conversamos ..."

Passa-se o tempo e nunca chega o "depois". Nem o artista está preocupado que chegue.

Orlando é um dos novos do rádio que mais abalam o prestígio dos antigos. Num instante venceu. Suas primeiras gravações imediatamente despertaram as atenções gerais. As mulheres disseram logo, suspirando:

— "Meu Deus, que voz! ..."

E os homens invejosos:

— "É ... Esse rapaz promete ..."

Vieram os sucessos. A popularidade. A fama. O prestígio. As pequenas deram para o apontar na rua:

— "Olhe, mamãe, aquele é o Orlando Silva ..."

E o samba ganhava mais um intérprete brilhante:

"Foi você
a primeira mulher
que eu amei ..."

O cantor mergulha sua voz na expressão. Os versos saem transfigurados. Adquirem calor, vida, fulgor. A melodia ganha um poder de beleza capaz de fazer uma noiva séria telefonar para a Sociedade Rádio Nacional e dizer:

— "Pergunte ao Orlando Silva se ele quer me conhecer amanhã, à tarde ..."

Qualquer mocinha e qualquer solteirona distinguem sua sua voz dentre mil. Para elas o "speaker" pode até deixar de anunciar. Sabem a hora exata dos programas em que o cantor aparece, conhecem as suas criações mais recentes e finalmente os números que contam com maior simpatia.

Enquanto isso cresce o prestígio de Orlando Silva.

Há muita jovem sonhadora que à noite "não está em casa" para o namorado mas apenas para ficar enlevada junto ao receptor ouvindo embevecida as palavras de amor que o artista sabe tão bem pronunciar envolvidas na música nostálgica.

E as mulheres geralmente são tão sensíveis que quando escutam uma canção sentimental esquecem até o seu amor ..."


Fonte: "Carioca" — Edição 89, de 3/7/1937 — Caricaturas: Escrita por Theofilo de Barros e desenhada por Augusto Rodrigues

sábado, junho 14, 2014

Radamés Gnatalli e o Congresso Radiofônico

O grande maestro Radamés Gnatalli, numa foto da Carioca de 3/7/1937.

"No Brasil é recente o cultivo da música artística. Mas se considerarmos que a música de um país deve ser constituída principalmente de elementos próprios, concluiremos que a nossa vida musical é recentíssima. Até a Grande Guerra (1), depois da qual o nacionalismo invadiu o mundo, vivemos artisticamente, dependentes do resto do mundo, da Europa, principalmente.

Somente após o colossal morticínio conseguimos certa independência que, de tão boa, se vem acentuando sempre e nos conduzindo à formação de um cabedal que para o bem dos povos já vai sendo incorporado ao patrimônio artístico universal.

No programa radiofônico de CARIOCA deve prevalecer a preocupação de evidenciar os valores autênticos daqueles cuja obra seja de utilidade para a sociedade. Radamés Gnatalli, mais que um artista de rádio, é um artista do Brasil.

Eis o que ele disse a CARIOCA:

— É um prazer a gente trabalhar em rádio. Esse meio colossal de divulgação nos estimula, consciente que estamos de que o nosso trabalho ecoará pela vastidão do Brasil. É necessário que o artista de rádio, mais que os outros artistas, tenha bem presente o fato de que a sua atuação terá uma repercussão enorme, se esforçando tanto quanto o possível para se produzir de maneira mais útil à coletividade. O rádio é uma coisa muito mais séria do que uma simples diversão, como alguns o consideram.

— Qual o programa que prefere executar?

— Diante do microfone eu abdico de qualquer egoísmo, levando em conta unicamente a necessidade dos ouvintes, a maneira melhor de cooperar pela cultura coletiva. Já lhe disse que o artista de rádio pertence à humanidade, cumprindo um apostolado. Todo apostolado tem o seu martírio ...

— Nesse caso, quais os programas que devem ser executados, na sua opinião?

— É esse um problema muito complexo e a sua revista seria pequena para conter a vastidão de todo um programa. Antes de tudo eu imagino um Congresso Nacional de Radiodifusão onde fossem discutidos os programas tendentes à beneficiarem o povo e onde fosse combinada uma ação conjunta. No Ministério da Educação já existe um departamento de rádio. Futuramente teremos um Ministério do Rádio.

— O que acha sobre a literatura, no rádio?

— Tem um papel tão grande como a música. Livros como "Macunaíma", de Mário de Andrade, têm uma grande influência sobre o povo e o levam a uma unificação maior e mais produtiva.

— Quais as suas últimas composições?

— As minhas últimas composições ainda não foram compostas ... Estou encarregado de organizar a parte musical de "Alegria", o próximo filme de Oduvaldo Vianna. Para tanto estou harmonizando alguns temas populares ciganos, cheios de melancólico sentimentalismo característico da raça nômade.

Do estúdio "A" da Rádio Nacional, já solicitavam a presença do maestro Gnatalli. Despedimo-nos, satisfeitos por termos realizado, com tão poucas palavras, uma entrevista tão interessante."

Nota: (1) A Primeira Guerra Mundial (1914-1918).


Fonte: Foto e artigo da revista semanal "Carioca" - edição 89, de 3/7/1937.

quinta-feira, junho 12, 2014

Carmen Barbosa, um exemplo de perseverança

"Carmen Barbosa é uma das nossas estrelas do samba, e a história de sua ascensão é bem curiosa. No Brasil, o rádio já tem vida própria e nessa vida a nossa heroína de hoje penetrou, foi derrotada, lutou, venceu -- bem como acontece nas outras vidas.

Eis a bem vivida de Carmen Barbosa, uma das avelhas desta vasta colmeia que é o meio radiofônico:

— Comecei como corista das gravações de Carmen Miranda, na Victor. Sempre tive um ouvido ótimo e aprendia, com grande facilidade, os sambas lançados em primeira mão nos estúdios da Victor. Cantava-os, depois, aos microfones de rádio, quase sempre no mesmo dia em que os ouvira. A música, a popular, principalmente, pertence a todos. É um patrimônio da humanidade que a concebeu. Era com a consciência absolutamente livre de qualquer culpa que eu lançava mão dessas músicas, utilizando-as em meu proveito. Mas a Victor não tem as mesmas ideias que eu, e devido a essa divergência de opiniões eu fui pra rua ...

— E depois? ...

— Depois, fiquei na rua bastante tempo, vivendo a vida amarga dos "chômeurs" do rádio; de estúdio em estúdio, cantando em audições experimentais para diretores apressados e distraídos, a minha existência era a mesma dos falidos, dos que não alcançaram o ideal e que se desesperançaram de alcançá-lo.

— Mas ...

— Mas ... Não pode haver um vocabulário mais decisivo na sua expressão indecisa. Surgiu-me um "mas" certa noite, na Rádio Cruzeiro. Uma infelicidadezinha de Madelú de Assis foi toda a minha felicidade. Madelú ficou ligeiramente doente e, à última hora, avisou o estúdio de que não lhe seria possível participar do programa para o qual estava escalada. Eu estava presente, e aproveitaram-me. Agradei, e a direção da Rádio Cruzeiro contratou-me imediatamente.

Carmen, pela "Carioca" - Junho/1937
Mais tarde passei para a Rádio Tupi, contratada por três meses. E tão feliz tenho sido que essa transmissora vem renovando sucessivamente seus contratos comigo, de maneira que já estou no elenco há mais de um ano e meio; e tudo faz crer que na Tupi eu ainda continue por muito tempo, porque ali me tenho sentido perfeitamente bem.

A estação da rua Santo Cristo me deu a oportunidade felicíssima de conhecer bem de perto Benedito Lacerda, o celebrado compositor popular. Eu venho sendo a criadora das suas músicas, gravando-as na Victor e as lançando ao público, pelo microfone, em primeira mão. Sem dúvida alguma essa fato empresta um grande prestígio à minha atuação.

De tudo o que lhe disse, o senhor concluirá, por certo, que muito vale a perseverança na carreira radiofônica; e estará certo. Por minha parte ficarei satisfeitíssima se esta entrevista, lida por alguém que neste momento sofra as mesmas contrariedades que já sofri, tenha a utilidade de lhe reavivar a esperança, guiando-o para um chance qualquer — Termina Carmen Barbosa.

E a estrela de hoje, com a mesma simpaticíssima modéstia de seus tempos "brabos" nos estendeu a mão, com aquele sorriso que faz lembrar a expressão espiritual de Marian Anderson, a sacerdotisa negra."


Fonte: "Carioca", edição 88, de 26/6/1937.

terça-feira, junho 10, 2014

Horacina Correia, a Patativa do Sul


"Estava pela metade o programa de Horacina Correia na Tupi. Ela acabou de cantar e veio respirar um pouco de ar livre. O repórter a cumprimentou. Horacina chegou de Porto Alegre no dia 2 de abril e estreou no dia 5. Agradou muito, pois canta sambas e marchas. Firmou-se no conceito do público ouvinte carioca.

Estava na Farroupilha, onde ainda deixou contrato. Nasceu lá mesmo, em Porto Alegre. Frequentou a Escola Paula Soares e depois a Escola Normal. Era sempre a primeira aluna da aula. Não saiu do Rio Grande do Sul. Aí viveu até ser convidada pela PRG-3 para vir atuar no Rio. É casada. Seu marido também é artista e veio com ela. Ambos na Tupi.

— Quantos anos de rádio?

— Um ano e meio. Estreei na Rádio Gaúcha, onde estive apenas dias. A seguir fui para a Difusora. Sai para descansar e parei alguns meses. Depois o pianista da Farroupilha, Paulo Coelho, procurou-me. Então, transportei-me para essa última estação. Todo mundo me conhece muito.

— Como se iniciou na interpretação de sambas?

— Eu comecei cantando desde pequenininha. Meu pai era cantor e acompanhava meus balbucios artísticos ao violão. Mas sempre em casa ... Tomei parte em diversas festas sociais de Porto Alegre. Em teatros. Em outros festivais. Fiz parte do cordão carnavalesco "Os turunas". Isso foi antes do rádio me tentar.

— Quais as músicas que mais aprecia?

— Em primeiro lugar samba e marcha. Depois uma valsa bem lânguida. Um foxtrot bem dinâmico. Um tango ...

— Sentir-se-ia capacitada para interpretar qualquer outro gênero?

— Além de sambas e marchas? Sim. Canto valsas. Canções. Foxes. Tangos ... Antes de entrar para a Gaúcha eu cantava essas melodias todas. Mas agora parei com elas. Você compreende? O samba é brasileiro ...

— Que acha do rádio?

— É a oitava maravilha do mundo ... O cinema, o avião, a lancha motor, todos esses marcos do progresso podem ser considerados maravilhas, porém, no meu ponto de vista, o rádio é a maravilha das maravilhas ...

— Está satisfeita nesse setor de atividade artística?

— Muito. Muitíssimo. Gosto de cantar. Creio que assim, cantando pelo amor à arte, poderei auxiliar a difusão da música popular brasileira no estrangeiro ...

— Qual é a artista do microfone que mais aprecia?

— Gosto de todas. Mas tenho uma predileção acentuada por Carmen Miranda. No naipe masculino destaco Carlos Galhardo. E penso que esse trunfo vence qualquer parada ...

— O que faz fora do microfone?

— Estudo piano. Leio muito. Adoro os romances policiais ... Há tempos estudava canto. Mas deixei. Creia que não é por me julgar grande coisa ... Uma artista que preza a sua arte jamais se julga suficientemente instruída ... Minhas distrações são quase resumidas numa só: cinema.

— E que artista de Hollywood aprecia mais?

— Katharine Hepburn. Antigamente eu era fã inveterada de Lon Chaney. Ele morreu. Ficou Boris Karloff. Agora sou fã de Karloff ...

— Gostaria de entrar para o cinema?

— Só se fosse para fazer papel de selvagem. De indígena brasileira. Creio que não dava para mais nada. Poderia cantar sambas e marchas ... Não tenho jeito para cinema. Isto se vê logo ...

— O que desejaria mais na vida?

— Vida artística, melhor dizendo ... Meus ideais são quatro que formam uma grande aspiração. Gravar muito. Agradar sempre o público. Ter nome feito no "broadcasting". Difundir cada vez mais a música brasileira ...

— Fez alguma grande viagem?

— Esta de vir à Capital Federal foi a minha maior viagem. No Rio Grande andei correndo aquilo tudo. Estive numa turnê artística pelo interior, chegando até ao Uruguai. O Uruguai para nós, rio-grandenses, é o mesmo que Cascadura para vocês, citadinos cariocas ...

— Espera algumas novidades para breve?

— Espero. Sempre esperei. Estou gravando dois sambas de Benedito Lacerda na Victor. Tive propostas para Buenos Aires e para São Paulo. É muito tentador. Mas você compreende? Ainda tenho o contrato na Rádio Farroupilha de Porto Alegre ...

— Que opinião tem dos ouvintes?

— Prefiro não meter a colher nesse assunto — terminou Horacina Correia sorrindo. — A comidinha tão agradável pode mudar de paladar ..."


Fonte: "CARIOCA" - Edição 83, de 22/5/1937 (artigo atualizado para o nosso português contemporâneo).

sábado, junho 07, 2014

Gastão Formenti para os fãs do rádio


"Gastão Formenti é um artista que vive afastado da publicidade rumorosa e que pouca atenção dá ao meio radiofônico. Sua atuação é discreta, sem alardes.

Antes da radiofonia se ter desenvolvido no Rio, seu nome já era conhecido por todo o Brasil, como um excelente cantor, através dos discos que vem gravando.

Gastão Formenti não é apenas um cantor; é, também, um pintor de mérito, várias vezes premiado no Salão de Belas-Artes como paisagista. Tem atuado em várias emissoras."


Fonte: "Carioca", edição 79, de 24/4/1937.

Gutta Pinho, o "Sabiá dos Pampas"

Intérprete de canções gaúchas e tangos argentinos, Gutta Pinho fez seu nome em Pelotas e na Rádio Farroupilha. Teve relativo sucesso no Rio de Janeiro, em fins dos 1930, ao microfone da Rádio Cruzeiro do Sul. Não possui biografia em enciclopédias musicais, nem em "dicionários virtuais". Há somente este artigo que transcrevo do semanário "Carioca" de 17/4/1937.

"Gutta Pinho ainda não é um nome feito no "broadcasting" carioca. Ele chegou aqui no Carnaval, época péssima para os cantores do seu gênero. Canta canções sul-rio-grandenses e tangos argentinos. Faz sucesso, o sucesso preciso para merecer um destaque.

Gutta Pinho nasceu em Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul. Seus estudos foram feitos no Ginásio Gonzaga, na mesma cidade. Aí ele vivei e se criou. Seu primeiro emprego foi no escritório comercial de uma fábrica de chapéus. Depois trabalhou no comércio pelotense por sua própria conta. Começou a cantar em festivais e reuniões sociais.

Quando estava exercendo um cargo no escritório da Empresa Cinematográfica Xavier & Santos, ainda em Pelotas, ele começou a cantar junto ao microfone. Foi sua estreia nos estúdios da Sociedade Rádio Cultura de Pelotas. Era então avulso. Agradou muito a sua atuação. Daí ele pedir licença a seus patrões a aumentar os seus números na Rádio Cultura, PRH-4. Chegou ao ponto de ser contratado. Esteve algum tempo afastado do microfone mas voltou. Mais vitorioso do que nunca.

O diretor-artístico da Rádio Farroupilha teve ocasião de ouvi-lo cantar. Ficou extasiado. Dias depois Gutta Pinho, o "Sabiá dos Pampas", como o chamava a imprensa do Estado, foi atender a um contrato na Farroupilha. Esteve nessa nova estação dois meses, com pleno sucesso, e voltou a Pelotas. De novo, ele atuou na PRH-8.

Daí ele veio para o Rio. Tinha em vistas um ótimo contrato com a Mayrink Veiga, porém, não o pode atender devido a uma enfermidade hepática que o atacou. Chegou à Cidade Maravilhosa em fevereiro, no reinado de Momo. No entretanto não esqueceu a PRA-9 e foi ocupar o seu microfone em programas avulsos.

Finalmente o "Sabiá dos Pampas", o "Gardel brasileiro", veio conhecer a Rádio Cruzeiro do Sul. Aí ele fez algumas atuações como cantor avulso. Firmou seu nome. Os ouvintes gostaram da sua voz agradável. A PRD-2 gostou também e compreendeu os seus merecimentos.

Ele foi, afinal, contratado por esta emissora. A assinatura do seu contrato data de semana passada. E é na Cruzeiro que ele ainda se acha, encontrando, enfim, no Rio, uma posição lisonjeira que lhe permitirá ratificar a fama que adquiriu no sul ..."


Fonte: "CARIOCA" - edição 78, de 17/4/1937 (artigo atualizado e foto).

domingo, junho 01, 2014

A amnésia musical brasileira

Pandeirista e compositor, Darcy de Oliveira era internacionalmente conhecido nos fins da década de 1930 e começo dos 1940. Porém, hoje nem é citado em enciclopédias da MPB e nem em "dicionários virtuais", tipo Cravo Albin ...

Na foto ao lado, publicada pela "Carioca" de 10/4/1937, diz que Darcy, popular pandeirista e futuro compositor, obteve grande êxito na Rádio Belgrano em Buenos Aires.

Fez várias composições com Benedito Lacerda e outros, interpretados por cantores do nível de Nelson Gonçalves (“Isso aqui tem dono”, 1942), Gilberto Alves (“Pombo correio”, 1942), Marilu (“Por favor não vá”, 1943), Ademilde Fonseca (“Voltei pro morro”), sem citar mais outras ...

É como se diz: "... Um povo que esquece seus heróis, seus vultos, perde as suas raízes ... Pobre do povo que não preserva a sua história, que não exalta os seus heróis".


Fonte: "Carioca", de 10/4/1937: foto e artigo sobre sua turnê ao país platino.

Darcy de Oliveira

Darcy de Oliveira, pandeirista / compositor, foi um artista notável nas décadas de 1930 e 1940, mas que, mesmo assim, como a grande maioria dos músicos de sua época, hoje em dia é um nome esquecido.

Não há dados biográficos sobre ele nos trabalhos mais fundamentais que reúnem informação biográfica de nomes da música brasileira, como os livros pioneiros do Ary Vasconcellos, a Enciclopédia da Música Brasileira ou o dicionário musical on-line do Ricardo Cravo Albin. E mesmo uma busca mais exaustiva na literatura revela apenas breves menções de suas composições.

Um conjunto de fotografias, partituras manuscritas e impressas, assim como vários outros documentos que pertenceram ao Darcy de Oliveira estavam em poder de um familiar seu que veio a falecer, tendo, então, sido todos aqueles papéis descartados ao lixo. Pessoas que comercializam material reciclado resgataram estes papéis, que enfim vieram parar em minhas mãos. Baseado neste material, disponibilizo aqui alguma informação biográfica sobre este personagem.

Darcy de Oliveira nasceu em 16 de março de 1905, em Porto Alegre, filho de Álvaro Branco e Clara Dorneles de Oliveira. Ainda em sua cidade natal participou de grupos como Bohemios Rio-grandenses, liderado pelo cavaquinista Ary Valdez, e Voz do Sul, com o qual fez apresentação no Uruguai. Também atuou muito frequentemente ao lado do flautista gaúcho Dante Santoro.

Participou do carnaval porto-alegrense compondo para a então famosa agremiação carnavalesca “Divertidos atravessados”, e para os ranchos “Almirantes Carnavalescos” e “Não sei”, tendo sido organizador deste último.

No Rio de Janeiro, foi pandeirista, por exemplo, do conjunto regional da RCA Victor, liderado por seu amigo Dante Santoro, do qual também eram integrantes Pereira Filho e Ney Orestes, nos violões, e Ary Valdez, no cavaquinho.

Sua estreia em disco, foi através da voz de Aracy de Almeida, com o samba “Pedindo a São João”, feito em parceria com Herivelton Martins e lançado para as festividades juninas de 1935. No ano seguinte o samba “Se o morro não descer”, que fez com o mesmo parceiro, foi um dos sucessos do carnaval.

Seus parceiros mais frequentes foram Herivelton Martins e Benedito Lacerda, mas Darcy de Oliveira também compôs em parceria com Wilson Baptista, Ataulfo Alves, Roberto Roberti, Waldemar Gomes dentre outros.

Suas composições foram gravadas por cantores consagrados, como Francisco Alves, Carmem Miranda, Aurora Miranda, Sílvio Caldas, Almirante, Ademilde Fonseca, Dircinha Batista, Moreira da Silva, além da já citada Aracy de Almeida.

Darcy de Oliveira faleceu em sua residência na Rua dos Arcos, no bairro da Lapa, Rio de Janeiro, no dia 31 de março de 1945, em consequência de complicações de saúde.

Anos mais tarde sua filha Lourdes de Oliveira tornou-se atriz, estreando na personagem Mira do premiado filme “Orfeu do Carnaval”, do diretor francês Marcel Camus, com quem casou e teve dois filhos. Consegui arrolar até o momento cerca de 80 músicas de Darcy de Oliveira, a maioria inédita em disco.


Fontes: Revista Música Brasileira - Darcy de Oliveira, compositor e pandeirista; Semanário “Carioca”, de 10/4/1937; Anotações Sobre Música Brasileira: notas sobre o compositor e pandeirista Darcy de Oliveira (1905-1945) - Sandor Buys.