"No tabuleiro da baiana tem ..." E Déo Maia "abafou a banca". Era professora pública em São Paulo e São Bernardo. No bairro industrial, ela ia ensinando aos pequeninos pobres, com voz macia, o sentido das letras e das figurinhas. E também as contas de dois e dois, quatro; quatro e quatro, oito.
Dos números veio talvez o sentido do ritmo, e ela se surpreendeu uma dia a cantar: "Dois e dois, quatro". Foi seu primeiro samba.
Um dia descobriram que ela cantava como ninguém em São Bernardo. A antiga aluna da Escola Normal de São Paulo passou a cantar em festinhas de amadores. A Rádio Record a teve em seu microfone. Déo Maia era um sucesso restrito às rosas mais íntimas.
Um dia Jardel passou por São Paulo e descobriu a "baiana" paulista. No Carlos Gomes, Déo Maia foi um sucesso estrondoso. Em "Maravilhosa" passou instantaneamente a ser a estrela preferida da companhia. Quando assoma no palco a casa se enche com a vibração dos aplausos.
"No tabuleiro da baiana tem ...". Depois foi o Cassino Atlântico que descobriu os seus encantos. Agora todo o mundo canta com ela, rodopia em torno dela, pelos salões.
"No tabuleiro da baiana tem ...". Tem o que? Tem o encanto faceiro desses quadris que desenham no espaço curvas fechadas no ritmo estonteante do maxixe. Tem essa voz, aguda e macia ao mesmo tempo, que interpreta o samba com um ar novo e diferente.
— Quem me ensinou a cantar? — E ela se espanta, diante da curiosidade do repórter ... — Quem me ensinou a cantar ... Ninguém. Nunca tinha ouvido nenhum sambista quando comecei a cantar. O que eu faço é meu. E agora, depois que conheço o Rio, parece que tenho uma nova alma e um novo coração. Este povo adorável é adorado por mim. É o público melhor do mundo ... Que bom que ele é. Imagine que no Atlântico me fazem bisar oito, noves vezes ...
— Mas você foi de fato formidável na "Maravilhosa". De repente passou a ser a estrela mais brilhante da constelação do Jardel ...
— Qual o quê — e a "baiana" faz um muxoxo. — Qual o quê! Não valho nada. Isto é bondade de vocês. Nem sei porque me aplaudem tanto! Estudo muito e talvez um dia chegue a ser perfeita. Talvez ... Talvez não. Vou chegar a ser perfeita. Mas até lá ... vai custar muito.
Déo Maia quer trabalhar e progredir. Quer a França, a Inglaterra, Portugal, a Espanha. O Grande Otelo, seu "partner" no "Tabuleiro da baiana", já andou pelo outro lado do Atlântico e lhe conta coisas estupendas. "Oropa, França e Bahia" ... Tudo isso a "baiana" quer ver e sentir.
O contrato do Atlântico está dando lhe dando uma fortuna. Mas não consegue diminuir sua paixão pelo teatro. Ela passa o dia inteiro nos bastidores ensaiando, observando, estudando. Tem uma paixão doida pela cena e pela companhia de revistas do Jardel.
— Estudo o mais que posso. Sei que o teatro no Brasil terá um grande futuro em todos os gêneros e nós devemos fazer o possível para torná-lo cada vez melhor. Que coisa boa fazer teatro para a nossa terra ...
Déo Maia fez como César na Gália. Chegou, viu ... e venceu. Venceu e está na ponta, como revelação estupenda de 1936. O público já a consagrou definitivamente e contra a voz do povo ... não adianta reclamar. O tabuleiro da baiana a consagrou definitivamente como a estrela do samba no teatro nacional, uma estrela perigosa, cujo brilho anda a entontecer muita gente. Déo Maia, a "baiana" paulista, que descobriu a alma do samba".
Fonte: Texto e foto adaptados da revista semanal CARIOCA, de 26/12/1936.
sexta-feira, abril 11, 2014
Déo Maia
Déo Maia em 1936 |
Em 1936, atuou na revista Maravilhosa, de Jardel Jércolis e Geysa Bôscoli na qual interpretou o choro Quem é?, de Custódio Mesquita e Joraci Camargo, que foi sucesso na gravação de Carmen Miranda e Castro Barbosa e que nessa revista recebeu o título de Cena doméstica.
Ainda na revista Maravilhosa alcançou grande sucesso ao lançar em dueto com Grande Otelo a batucada No tabuleiro da baiana, de Ary Barroso, que fora gravada antes por Carmen Miranda e Luiz Barbosa mas cujo disco somente foi lançado depois da batucada já ter sido lançada na revista Maravilhosa. No ano seguinte, atuou com Apolo Correa na revista Sempre sorrindo, de Luiz Peixoto e Gilberto Goulart, apresentada no Teatro Recreio. Por essa época, contratada da Companhia de Revistas de Jardel Jércolis, apresentou-se na Argentina e no Chile.
Em 1939, atuou com Grande Otelo na opereta Mestiça. Na ocasião os dois cantaram o samba Rosinha e Tico-Tico, de Ary Barroso, que nunca chegou a ser gravado. Apresentou-se por diversas vezes no Cassino da Urca.
Em 1942, atuou no filme Astros em desfile, dirigido por José Carlos Burle e que contava ainda em seu elenco com Grande Otelo, Emilinha Borba, Luiz Gonzaga, Manézinho Araujo e o grupo Quatro Ases e Um Coringa.
Embora atuando no teatro de revistas com bastante sucesso desde a década de 1930, somente gravou seu primeiro disco em 1953, pela gravadora Odeon, cantando em dueto com Pimentinha, e com acompanhamento de conjunto regional, o choro Vou à Paris, de Vicente Paiva e Luiz Peixoto e o samba Dengo, de Ary Barroso. Ainda em 1953, atuou no espetáculo Esta vida é um carnaval montado por Carlos Machado na boate Casablanca.
No ano seguinte, lançou um segundo disco no qual cantava sozinha o samba Carlota, de Denis Brean e em dueto com Pimentinha o samba Nois precisemo, de Ary Barroso. Ainda nesse ano, gravou com acompanhamento de orquestra a macumba Beira mar, de sua autoria e Getúlio Marinho e o samba Não tenho ambição, de Man Victor. Também nesse ano, participou com Grande Otelo da revista Esta vida é um carnaval.
Na ocasião o Jornal do Brasil publicou a seguinte nota: "Grande Otelo e Déo Maia, eis a dupla que está revolucionando Copacabana, com seus números de grande comicidade que é um dos maiores êxitos do ano, "Esta vida é um carnaval", espetáculo puramente nacional que o Teatro Jardel está apresentando e que conta com a participação de Russo do Pandeiro, Dulcinéa e as pastoras da escola de samba Imperio Serrano".
Em 1955, fez temporada na boate Plaza no Rio de Janeiro. Na ocasião, escreveu Ary Barroso em sua crônica em O Jornal: "Ninguém desconhece a categoria artística de nossa admirável Déo Maia. A mulata é ouro em pó".
Obra
Beira mar (c/ Getúlio Marinho)
Discografia
(1954) Carlota / Nois precisemo • Odeon • 78
(1954) Beira mar / Não tenho ambição • Odeon • 78
(1953) Vou à Paris / Dengo • Odeon • 78
Bibliografia Crítica
AZEVEDO, M. A . de (NIREZ) et al. Discografia brasileira em 78 rpm. Rio de Janeiro: Funarte, 1982; CABRAL, Sérgio. No tempo de Ary Barroso. Rio de Janeiro: Lumiar, 1993.
Fontes: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira; Foto: CARIOCA, de 26/12/1936.
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